sábado, 19 de outubro de 2013

Rosa Vermelha em Quarto Escuro



            «Tenho a ideia de que, para escrever, é preciso sair da vida para falar dela. De certa maneira, é preciso já ter morrido uma parte de nós e foi, com certeza, isto que aconteceu comigo. Aconteceu, muito cedo, qualquer coisa de muito violento e é isso que provoca, que pede que eu escreva, porque essa é a maneira de proteger a solidão em que vivo»

            As palavras transcritas pertencem a Pedro Paixão, ao autor do Romance cujo título empresta o nome a este Devaneio.
            Muito sinceramente não consigo descortinar se sinto ou não pesar pelo autor, já que uma das interpretações possíveis a este parágrafo resulta numa triste leitura da sua vida em solidão, para além disso, o Homem é aquilo que é, desde que nasce até que morre. Nunca a meio do seu percurso terreno deveria perder componentes de si, tal como o autor julga ter perdido desde cedo… Ainda assim, e correndo o risco de parecer um pouco egoísta, ainda bem que esse fenómeno o assolou, visto ser esse o preço por tal fabulosa capacidade de escrita. Ele tem mesmo de sair da vida, para escrever dela desta forma…
            Já o admirava por outras obras lidas, mas mais me fascina agora, após concluir a primeira de muitas leituras a “Rosa Vermelha em Quarto Escuro”, um romance completamente diferente de todos os outros, pela história, pela acção (ou falta dela), mas mormente pela suavidade da escrita. Pedro escreve com paixão. Tem de escrever!
            “Nada há mais de verdadeiro que o nada. É de onde vêm todas as coisas. Para onde depois regressam apressadas. Tanto quanto possível a presença do nada deve ser anulada.” – Apenas um pequeno excerto de uma total obra-prima redigida ao estilo do que já nos habituara em obras anteriores.
            Não tanto pela história narrada, que nem é assim tão densa como inicialmente augurara, mas mais pela forma de a transmitir, Pedro Paixão consegue agarrar o leitor desde a primeira página até à última pela musicalidade da sua escrita. A forma! Sim, a forma tão própria que usa para pôr em escrito aquilo que lhe vai na alma. Cativa-me imenso esta harmonia entre conteúdo e forma, entre o narrado e o aspecto da narração. É genial! Quase todas as palavras querem dizer mais do que aquilo que significam, quase todos os parágrafos escondem ideias que só o leitor mais atento consegue vislumbrar logo, na minha opinião, este é um livro que transmite uma mensagem, não em 257, mas num imensurável número de páginas. Seriam necessários um sem número de volumes para conseguir compilar toda a mensagem sugerida…
            O romance centra-se na vida duma bissexual nova – iorquina, nas suas dúvidas, medos, angústias, amores e desamores. O interdito mas apetecível, o ópio, o amor proibido, enfim, é-nos dada a conhecer toda a intimidade duma alma completamente à deriva neste mundo tão real, neste mundo tão profundamente ilógico.
            Num espaço repartido, tri – polarizado entre Nova-Iorque, Sintra e uma das ilhas dos Açores, a heroína vive aventuras homo e heterossexuais com os que com ela se vão cruzando. Vive angústias, temores mas também verdadeiras loucuras, que não só a metamorfoseiam como também acabam por conduzi-la às origens, renegando-as, contudo!
            Tal como em outros títulos seus, também aqui Pedro Paixão escreve prosa em forma poética, os seus inesgotáveis recursos literários fazem-nos crer que é um poema que temos diante dos olhos, e não um romance prosaico, tal como na realidade se verifica…

            "Não tenho qualquer imaginação. Tudo o que escrevo são coisas que vivi ou vi ou me contaram. Tem tudo a ver comigo”. – Pedro Paixão

            Se realmente há falta de imaginação nele, tem de haver, no entanto, um conjunto riquíssimo de vivências que a colmata e encobre por completo…
            Adorei, não hesito em recomendar!
jun.08

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