quarta-feira, 28 de junho de 2023

HUMOR EM MARTINS GARCIA: CONDUTOR NUMA VIAGEM AO PASSADO.


Aqueles encontros matinais enchiam-me as quartas-feiras de ânimo e o espírito de perguntas. Era inevitável, sempre que nos despedíamos e me dirigia ao carro, seguia em meditativo silêncio, de mente a transbordar questões, ideias e novas perspetivas sobre muitos dos assuntos que colocávamos na agenda, à medida que a naturalidade da conversa fluía, e isto sempre embalados pelo marulhar das ondas que nos vigiavam de perto. É a confirmação da sabedoria paterna, que sempre me inculcou a ideia de que aprendemos muito mais com aqueles que sabem muito mais do que nós. La Palisse?, pois, de certo, mas, convenhamos, nem sempre é fácil interagir com uma mente brilhante como é a do meu amigo e, apenas a afeição que ele me dispensa, me permite estar à vontade, sem grandes receios de dizer uma qualquer banalidade.

Desta vez, partíamos em busca da discussão em torno do humor na literatura açoriana, e depois de aflorarmos os conceitos de sarcasmo e de ironia, assim como possíveis diferenças entre ambos, concluía o meu interlocutor que a ironia é sempre preferível ao sarcasmo, porque pede mais distância. Animava a ideia acrescentando que o sarcástico se encontra demasiado envolvido e emotivo, com fúria e raiva.  Já eu limitava-me a cuidar que era mais fácil apreciar a ironia do que o sarcasmo, já que a noção de sarcasmo implicaria uma ideia de confronto, veiculada num tom mais provocatório. Haveria uma “maldadezinha” por entre o discurso. Já a ironia seria mais branda no seu propósito, teria um fim tendencialmente mais humorístico. Concordámos. Concluímos ainda que o tom inglês (de que ambos gostamos) é claramente mais irónico do que sarcástico. Formulará o leitor as suas próprias impressões, enquanto me penitencio pela deriva ao assunto que nos trouxe a esta crónica: o humor na literatura açoriana.

O nome de José Martins Garcia caiu de chofre sobre a mesa daquele Snack-bar. Estranhei, porque dele, e por via de uma longínqua edição do “Concurso Nacional de Leitura” a que concorreram uns alunos, lera apenas O Medo, e, há uns anos, comprara Os Contos Infernais, todavia, não era pelo humor que me recordava destes títulos. Convém acrescentar que o meu interlocutor é detentor uma memória prodigiosa e, de súbito, lança, Pátria, uma belíssima crónica de uma viagem entre França e Portugal, inserida no volume Receitas Para Fritar A Humanidade, para acrescentar logo depois que se referia a um texto revestido de um tom humorístico extraordinário, para além de um sentido crítico muito apurado, especialmente quando Martins Garcia se propôs mostrar idiossincrasias de franceses, espanhóis e portugueses. Ao perceber o meu crescente interesse, elucidou-me, acrescentando tratar-se do relato de uma viagem de autocarro, feita pelo autor, desde Paris até Lisboa, sempre acompanhado por um conjunto de emigrantes que, à medida que avançavam os quilómetros, lá se iam revelando numa graça muito bem captada pelo autor açoriano.

Sem nada mais aditar, vejo-o a tomar notas, garantindo que me faria chegar o texto e o humor do autor que tão bem conhecera.

Confesso que não tive tempo de abrir a porta de casa e já o telemóvel denunciava a diligência do meu amigo. Já se encontrava na minha caixa de correio eletrónico não apenas a sua simpatia e amizade, mas também uma digitalização do texto prometido, com direito a capa, contracapa, folha de dados e o desejo de umas boas gargalhadas.

Considerando que só se deve agradecer um livro após a sua leitura, e terminada horas depois a de Pátria, coube-me agradecer-lhe o envio, mas fi-lo efusivamente, porque, para além de ter encontrado o humor que prometera, permitiu-me também uma agradabilíssima viagem no tempo, até às minhas raízes nortenhas. Praticamente toda a minha família materna emigrou para França a partir da década de 60 do século passado e, enquanto não amealharam o suficiente para mercar um carrito, faziam a viagem de férias e de regresso à terra em furgonetas de passageiros, similares à icónica Volkswagen “Pão de Forma”. Facto curioso, as condições descritas por eles a cada ano ganharam réplica ao longo da leitura do texto de Martins Garcia, pese embora a viagem dos meus fosse efetuada em modo “voo direto, sem direito a quaisquer transfers”. Que maravilha. Assim que nos apercebíamos de que a carrinha do “Neca” - assim se chamava o senhor dos fretes - arribava, era uma algazarra em direção ao largo, mesmo ao cimo da nossa rua, e depois continuava em direção à casa da minha avó, onde ficavam instalados esses familiares.

Com a ingenuidade de uma meninice saudosa, ansiávamos que se tivessem lembrado de nós e nos trouxessem um binquedinho lá de França, se possível daqueles que não se viam por terras lusas, ou, em alternativa, alguma peça de roupa de uma qualquer marca conceituada: Adidas ou Le Coq Sportif estavam no topo da lista de preferências. Esperávamos também que a generosidade deles se fizesse acompanhar de uns caramelos espanhóis, mas, para tal, foi-nos dito que era preciso que o Neca estivesse de boa catadura e parasse a furgoneta na cidade certa, no lado de lá da fronteira.

Estou convicto de que o sentimento que nos preenchia o coração nesses anos de infância, não há de ser muito diferente daquele sentido no espírito da criançada açoriana, assim que corria a notícia da chegada de um barril d’América. Hei de perguntar isso mesmo ao meu amigo, na próxima quarta-feira, ele que há de ter ouvido bastos relatos a propósito.

Da crónica de Martins Garcia nada mais acrescento, mas convido-vos a lê-la com especial atenção, é que, para além de umas valentes risadas, ainda vos pode calhar em sorte uma viagem no tempo, completamente “à pala” e sem um Neca para chatear!

📷https://www.razaoautomovel.com


(Diário dos Açores, 28 de junho de 2023)

terça-feira, 27 de junho de 2023

MANUAIS DIGITAIS: SIM OU NÃO?


Chegados ao final do ano letivo, impõe-se um balanço à opção tomada pela Tutela e que determinou o uso dos manuais digitais, nas turmas de quinto e oitavo anos de escolaridade, nas escolas da Região.

Confesso que suspeitei dos benefícios pedagógicos que esta opção prometia logo desde o início deste processo. Mesmo antes de efetuar formação especializada com pessoal qualificado, era possível antecipar muitos dos problemas que, neste momento, se verificam, e que, inevitavelmente, condicionaram as avaliações finais destes alunos.

Concordo que à escola caiba um papel fundamental na preparação do indivíduo para a digitalização que se operacionaliza na sociedade atual, mas creio também que ela (a escola) não se deve reduzir a isso, nem que essa preparação possa colocar em causa o progresso harmonioso de determinadas competências, tidas como fundamentais para o desenvolvimento integral do indivíduo.

Considerando que, por tantas vezes, os países do norte da Europa são tomados como exemplo, veja-se o desconforto do Ministério da Educação sueco ante a digitalização na escola, chegando mesmo a Senhora Ministra da Educação a afirmar que nenhum «tablet» pode substituir as vantagens de um livro. Aliás, foram um pouco mais longe, e solicitaram relatórios técnicos a 60 especialistas (!) na matéria, sendo que todas as organizações envolvidas chegaram à mesma conclusão: “Todos os estudos sobre o cérebro das crianças mostram que elas não beneficiam com o ensino baseado em ecrãs”.

Por cá, e tanto quanto pudemos ler na comunicação social açoriana (Açoriano Oriental de 13 de junho de 2023), está o Tribunal de Contas a verificar a eficácia material e financeira da implementação destes Manuais Escolares Digitais e, quanto a essa vertente, nada me apraz acrescentar, por representar algo que me transcende, todavia, na mesma notícia, cita-se a Senhora Secretária Regional da Educação e dos Assuntos Culturais, que afirma que “Em termos de resultados educativos, ainda é muito prematuro nós podermos fazer essa aferição”.

Estou longe de me assumir contra a digitalização, e mais ainda contra a mudança de paradigmas, não sou extremista ao ponto de pedir que se extingam os «tablet» ou outros dispositivos dentro da sala de aula. Quando bem utilizados, são úteis e isso é irrefutável. Todavia, o que me pareceu extemporâneo e muito perigoso foi a retirada imediata dos manuais escolares das salas de aula. Lamentavelmente, houve alunos que, este ano letivo, raramente tocaram um livro e lê-lo, enfim… Deixou de se sentir as páginas e o cheiro do livro.

O recurso exclusivo a «tablet» ou computadores potencia a falta de atenção e concentração, advindas, não apenas das incontáveis funcionalidades que a máquina possui, mas também das constantes notificações, barulhos, falta de bateria ou outros, que a dita emite. Pelo contrário, nos manuais físicos essa interrupção é residual, aumentando inversamente o tempo e a qualidade da atenção e concentração, que redundam, naturalmente, numa maior retenção de informação e consequente produção de conhecimento. Num breve esforço, recordemos os motivos que estiveram na base da opção pelas aulas assíncronas, aquando dos sucessivos confinamentos a que os nossos alunos estiveram sujeitos. Se me recordo, na altura, garantia-se que a exposição excessiva dos miúdos aos ecrãs era muito cansativa e perniciosa e, por isso, muito menos proveitosa e recomendável. Minimizaram-se esses problemas recorrendo à assincronia das aulas.

Embora me tenham chegado inúmeros relatos de colegas de outras áreas, não quero generalizar, mas no que à lecionação das áreas curriculares disciplinares de Português e Inglês concerne, e concretamente em momentos de leitura, os alunos revelaram mais cansaço e mais dificuldades de acompanhamento da leitura em voz alta, comparativamente com o mesmo exercício em manual físico. Dizem-me que noutras áreas também foi assim, concretamente na leitura e compreensão de enunciados escritos. Depois, e reportando-me somente aos mais pequenos, tiveram sempre muitas dificuldades em articular a leitura com o modo de «Zoom», tantas vezes necessário, dadas as dificuldades de visualização do próprio texto.

Passada a euforia inicial de ter um «tablet», pela primeira vez, houve alunos que desmotivaram logo à segunda semana: demoravam a encontrar a página correta ou o exercício a realizar; o seu equipamento não permitia determinada funcionalidade ou não lia determinado tipo de ficheiro que era lido pelo do colega do lado; houve o constantemente o problema da falta de bateria, o que, parecendo que não, prejudicou sobremodo o aluno, que, naquela aula, não conseguiu acompanhar o lecionado, nem mesmo olhando para o do colega do lado; houve os problemas recorrentes com a rede, seja em casa ou mesmo na escola, o que impossibilitou totalmente o seu uso; recordo o lamentável processo de redação no próprio manual, com recurso à caneta digital, que foi verdadeiramente anedótico, pelo que, em pouco tempo, os alunos deixaram de usar esta forma de escrita, optando pelo registo das respostas nos seus cadernos diários.

Tenhamos presente que os alunos do 5.º ano são crianças de dez ou onze anos e não têm desenvolvidas competências, dentre as quais a autonomia, para o manuseio desta máquina, e em casa, o problema agudiza-se, por não terem quem os acompanhe condignamente. É certo que à escola cabe ministrar essa aprendizagem, mas não substituindo o livro pelo «tablet» ou computador. Permitam-me a comparação, mas não é durante a batalha que se ensina a manusear a arma.

Que coexistam máquina e livro. A favor da tecnologia, podemos falar de sustentabilidade, da comodidade, da personalização ou da acessibilidade, pelo que o ideal era mesmo que coexistissem, num complemento harmonioso.

A bem das aprendizagens dos alunos, esta não foi uma medida prudente e, considerando a realidade com que trabalho, não sou o único a pensar dessa forma. Note-se que, ao longo do ano letivo, recebi várias solicitações de pais e encarregados de educação para que os seus educandos passassem a utilizar os manuais físicos, em detrimento dos manuais digitais. Invariavelmente, respondi que o «tablet» era obrigatório, sob pena de não cumprirem com aquilo a que se propuseram aquando do início de ano letivo. Todavia, houve casos em que permiti que os discentes trouxessem os dois suportes para as aulas, sendo que os relatos desses pais, garantiam que as aprendizagens dos seus educandos haviam melhorado a partir desse ponto. Eu, enquanto professor desses alunos, atesto a veracidade do que os seus pais afirmaram. Ademais, houve outros pais e encarregados de educação que, na semana passada, durante o momento da entrega das avaliações finais, solicitaram que, no próximo ano letivo, os seus educandos não tivessem os «tablet», ao que lhes respondi que se deveriam dirigir ao Conselho Executivo da Unidade Orgânica e que lá apresentassem as suas exigências, uma vez que essa decisão extravasava as minhas competências. Sei de alguns que o fizeram.

Recolhidas as opiniões dos vários Departamentos Curriculares da minha escola, redigimos um documento onde manifestámos profunda preocupação com todas estas questões, sendo que, até à data, não obtivemos quaisquer respostas. Por outro lado, em diálogo com os colegas de profissão de outras unidades orgânicas, não encontrei ainda um que me garantisse preferir o digital sobre o manual físico, pelo que estou expectante para ver o que acontece no próximo ano letivo.

Sei de antemão que os recursos são finitos e que a utopia da opção por ambos os suportes será incomportável, todavia, oxalá nunca se olvide aquela máxima que garante que os gastos em educação são sempre um investimento e nunca uma despesa; oxalá se devolva o manual às salas de aula, oxalá se devolva o livro aos nossos alunos.

📷 https://www.alagoinhashoje.com

sexta-feira, 23 de junho de 2023

JÉNIFER, OU A PRINCESA DA FRANÇA As Ilhas (Realmente) Desconhecidas


Este é um livro diferente. Em boa verdade, não é apenas um livro, assume-se também como uma fotografia; um fidelíssimo retrato do pobre estado em que todos nos encontramos, sim, porque este é um desígnio comum, um problema que nos diz respeito a todos, e pelo qual todos devemos assumir responsabilidade.

 A cada página, um esmurrar de estômago pelo confronto com aquilo que, efetivamente, é a realidade de tantos açorianos. Por trabalhar há muitos anos (talvez há demasiados) numa zona arredada dos grandes centros urbanos e culturais, assumo com relativa segurança que, o que nos é dado a ver nas urbes açorianas, Ponta Delgada, Lagoa, Ribeira Grande, Angra do Heroísmo, Praia da Vitória ou Horta, está longe, bem longe da realidade e das verdadeiras condições de vida de grande parte (quiçá, a maior parte) dos açorianos. E é pena que assim seja, e mais ainda que não se vislumbrem alterações significativas nos anos vindouros. 

A ação deste texto ocorre na ilha Terceira e de Jesus Cristo, mas foi com relativa facilidade que, através desta leitura, calcorreei ruas e percorri bairros em São Miguel. Vi micaelenses com os quais interajo quotidianamente a fazerem exatamente o que fazem todos os dias, e questionei-me sobre como poderia o autor discorrer sobre  aquilo. É triste e deveras preocupante a facilidade com que se replica esta pesarosa narrativa por tantos espaços, talvez até pelos nove que compõem o arquipélago, mas, por não os conhecer a todos, não posso ousar a generalização.

Ao longo das últimas duas décadas, e a cada ano letivo, invariavelmente, tanto eu, como qualquer um dos meus colegas, temos duas ou três “Jénifers” dentro das nossas salas de aula. Entram atrasadas, vêm mudas e sentam-se na secretária do fundo. Chegam sempre com muito sono. Nunca querem estudar e motivá-las para quaisquer atividades escolares nunca é tarefa fácil. E os motivos? Bem, em boa verdade, todos os conhecemos.

Por há muito ser assim, oxalá não falte ânimo nem virtude ao escritor, para que a denúncia possa voar um pouco mais alto e se oiça um pouco melhor. Que continue a trazer à lupa do mediatismo a pobreza em que os Açores estão mergulhados.

Joel Neto, «Jénifer, ou a Princesa da França As Ilhas (Realmente) Desconhecidas», Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2023


segunda-feira, 12 de junho de 2023

CHÁ NOS AÇORES UMA TARDE NA GORREANA



Nunca é demais difundir e valorizar o património cultural de uma região, sobretudo se essa ocupar um lugar na cauda de quase todos os índices de desenvolvimento humano. Contribuir para o aperfeiçoamento da democracia cultural deve ser um desígnio cívico claramente assumido e, por nada, nos devemos alhear dele, sob pena de contribuirmos para o embrutecimento dos espíritos, já tão apoucados pelo uso excessivo de redes sociais e consequente consumo de informação de qualidade duvidosa.

Foi com este intento que, num fim de tarde primaveril, na vetusta, mas sempre muito estimada, Fábrica de Chá Gorreana (1883), foi lançado o livro «Chá Nos Açores Uma Tarde Na Gorreana», da responsabilidade da Araucária, uma editora que se tem afirmado nos Açores e em São Miguel, em particular pela qualidade que empresta aos livros com que trabalha. É digna de realce a forma como é tratado cada livro, olhado sempre como peça una e, por isso, valiosa, que importa mimar desde a sua conceção até ao ponto de venda. De facto, existem ainda editores nos Açores que trabalham com garbo, apontando o fito à qualidade daquilo que apresentam. Note-se que esta é a mesma editora de «Laudalino da Ponte Pacheco 1963-1975», uma obra singular, muito aclamada pelo público-leitor e muito bem acolhida pela crítica regional e nacional; um livro muito bonito, rico, um verdadeiro sucesso cultural, que, tal como este agora lançado, almeja elevar desde as profundezas do esquecimento ou pelo menos da memória de uns poucos, as velhas usanças e comportamentos sociais e económicos de um passado não tão longínquo, procurando resgatá-lo até aos nossos dias, difundindo-o por todos quantos se preocupem com o futuro.

Em simbiose perfeita, a elevada qualidade do texto, entremeando ficção com factos históricos, sociais, geográficos e económicos, da responsabilidade de Maria Emanuel Albergaria, aliada à exuberância e inegável riqueza da imagem (sobrecapa incluída), da autoria de Mariana Rio, unem-se para dar a conhecer a um público mais jovem a origem do chá na ilha de São Miguel. Esta associação recíproca entre palavra e imagem eleva-se a tal qualidade que se torna completamente impossível afirmar se será a imagem ilustrar o texto, ou se será o texto legendar o desenho. Em boa verdade, não é que haja grande interesse em perceber isso, uma vez que, ao apreciar o conjunto, uma vai complementando a outra, sem que se sinta a necessidade de perceber qual a prevalecente e qual a suplementar. Unem-se ao serviço dos mais novos, proporcionando momentos de agradável leitura sensorial.

Num registo cuidado, mas percetível à literacia dos mais petizes, é abordada a proveniência do chá, assim como quais foram os  principais impulsionadores e razões que sustentaram a busca por novas formas de negócio; são levantadas questões sobre a forma de cultivo, havendo mesmo uma pequena deriva até aos antecedentes que marcaram a introdução da planta no arquipélago, reportando-se a autora aos finais do século XVIII e à primeira metade do século XIX, elucidando o jovem leitor sobre aquele que ficou conhecido na história dos Açores como “Ciclo da Laranja”, sem olvidar, claro está, a importância económica e a influência cultural que os ingleses tiveram sobre os açorianos. 

Para além do texto e das ilustrações anteriormente mencionados, faz parte ainda deste «Chá Nos Açores Uma Tarde Na Gorreana» um interessante número de fotografias que percorre a história das gerações que fizeram daquela fábrica o que ela representa atualmente. Além disso, este conjunto dilata sobremaneira a importância documental de todo o volume, permitindo novas formas de granjear informação. Adite-se que houve ainda o cuidado de legendar e datar cada fotografia, conferindo ao leitor a possibilidade de visualização pictórica daquilo que vai retendo ao longo da leitura. Outro detalhe que capta a atenção do leitor é o tratamento dado às notas de rodapé, que deixam de o ser, uma vez que, habilmente e servindo-se da excelência da conceção gráfica, as mesmas surgem como que integradas no próprio texto, fazendo com o jovem leitor as procure, ao invés (como é habitual) de as evitar.

Este será um volume que, a par de outros, como «O Barco e o Sonho» de Manuel Ferreira, adaptado por Sandra Bairos, ou «Mandem Saudades», de Mário Augusto facilmente poderão integrar o conjunto de obras a trabalhar nas escolas, no âmbito da disciplina de História Geografia e Cultura dos Açores, tal a riqueza nele existente, mormente no que aos aspetos culturais concerne.

A terminar, sublinhamos o repto, reiterado por muitos, lembrando que seria muito interessante reunir apoios na persecução da tradução da obra para língua inglesa, não apenas atendendo ao elevado número de turistas que nos visitam, mas, sobretudo, considerando a aproximação emocional de toda a diáspora açoriana à exploração do chá na ilha de São Miguel e àquela fábrica , em particular.

Maria Emanuel Albergaria, «Chá Nos Açores Uma Tarde Na Gorreana», Araucária, 2023

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