sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Alienação Humana ou Social? – Metamorfose Kafkiana

É certo que me é impossível escolher o meu livro de eleição, mas consigo apontar alguns que disputam os lugares cimeiros, e este é um deles. Numa palavra: MAGISTRAL!


Quantos de nós não somos já uns Gregor Samsa sem que nos apercebamos disso? Quem, a partir de determinada idade física, não sente a necessidade de viajar pelo mundo para se alimentar a si e em muitos casos os seus? (Obviamente não me refiro aqui a bens essenciais e de primeira necessidade).
A metamorfose a que estamos sujeitos neste processo de vida ao qual somos arremessados pelo nascimento é sempre inevitável e surge como uma necessidade física e/ou moral, ou então acabamos por embater contra ela sem que possamos fazer algo contra.
Foi o caso deste caixeiro-viajante, personagem criada por Franz Kafka, que acorda numa manhã e se vê subjugado à transformação horrenda de homem em insecto repugnante, afinal, em tantas ocasiões é apenas isso que representamos aos olhos dos que nos rodeiam, daí a intemporalidade do texto…
É uma obra riquíssima, legível em poucas horas, mas que vale pela durabilidade a que nos obriga. Cada linha é capaz de nos trazer à realidade e proporcionar-nos imagens, comparações, similitudes perfeitamente hediondas mas perfeitamente aceites por um pensamento alargado e pleno de razão social. São páginas escritas em 1912, mas indissolúveis da realidade quotidiana. É deveras aterrador!
Evidencia-se a essência máxima da solidão humana, mesmo quando o indivíduo é plenamente acompanhado na sua existência por um conjunto de outros indivíduos, seus pares pelo sangue que lhes corre. Enfatiza-se a necessidade de isolamento do ser quando este é avassalado, oprimido e explorado pela sociedade/família, recria-se um conjunto de situações que, atingindo o seu clímax, conduzem o protagonista a uma fuga em si mesmo, ao mais recôndito do seu íntimo, reproduzem-se tais relações de desumanidade, de desprezo e de distanciamento das necessidades do outro, que culminam numa crueldade expressa pela própria metamorfose sofrida.
Não foi um homem forte. Não foi um homem suficientemente perspicaz para antever os acontecimentos vindouros. Foi antes um ser humilde, enclausurado pelas necessidades familiares, foi um ser decadente e sem força para lutar por si e pelo seu destino. Um ser angustiado! Não se daria aqui o caso de os seus o fazerem por si? Não seria aqui expectável que os seus o ajudassem nas vivências cada vez mais pesarosas? – Talvez…
A transformação de Gregor em algo substancialmente diferente do tido como normal representou um factor de dor, ódio mas mormente revolta em todos aqueles que o diziam amar. Até então, ele contribuíra com a maquia indispensável ao bem-estar comum mas, dada a impossibilidade dessa continuidade, passou a ser encarado como algo repugnante, viscoso e indigno de sequer ser visto. Passou a ser o alvo de arremesso de todo o ódio acumulado, surge como o culpado do infortúnio de todo um conjunto de parasitas, mais insectos do que ele próprio, arrisco!
A transposição desta ideia à realidade, com as devidas supressões do fantástico, é o cerne desta obra. O interesse no ganho transformado no ódio advindo pela dependência, são sentimentos sórdidos, maquiavélicos mas, infelizmente, separados por uma linha tão ténue e actual que só nos podem deixar, no mínimo, aturdidos! 
Qual o real valor dos esforços advindos se um ser em transformação, quando é nos outros que reside a verdadeira capacidade de sermos algo mais?
É fantástico, leiam!
nov.09

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