quarta-feira, 27 de novembro de 2013

por Santa Castilho

Esta prova diz-se de ingresso na carreira. Mas quem nela obtenha aprovação não entra na carreira. Outrossim, quem leccione há 5, 10, 15 ou mais anos, sempre com avaliação de bom ou superior, os miseravelmente explorados professores contratados, pode ser expulso do exercício profissional. Isto tem um nome: canalhice. O qualificativo é meu. Mas no espírito do juízo estou significativamente acompanhado: Provedor da Justiça e, agora, Comissão Europeia.
Esta prova mostra que o Ministério da Educação e Ciência não confia nas instituições de ensino superior que formam professores e que nós, portugueses, não devemos confiar no Estado. Com efeito, as universidades e os politécnicos que formam professores não são clandestinos. Foram reconhecidos pelo Estado como competentes para tal. Para operarem têm que obedecer às exigências do Estado. O Estado impõe-lhes um número mínimo de professores doutorados. Não são livres de conceber os seus planos de estudo: o Estado impõe-lhes matrizes e, além disso, cada curso sujeita-se ao livre arbítrio do Estado para obter autorização de funcionamento. Não são livres quanto à admissão de alunos: o Estado estabelece-lhes cotas. O Estado fiscaliza-as e pode fechá-las se deixar de lhes reconhecer qualidade. O Estado é, pois, tutor de todas. Às vítimas deste devaneio, todos aqueles que pagaram propinas durante anos, está dito, em diploma legal, que obteriam uma habilitação profissional, sublinho, profissional. Isto tem um nome: intrujice.
Esta prova foi inicialmente concebida por um partido que agora a esconjura e é agora defendida por outro que antes a arrasou. Isto tem um nome: palhaçada.
Esta prova trará ao ministério, em taxas de inscrições a pagar pelos candidatos, um encaixe próximo do milhão de euros. A maioria dos candidatos está no desemprego. Alguns terão que pagar centenas de euros para se deslocarem aos locais onde as provas se realizam. Pela correcção de cada uma, o ministério propõe-se pagar metade do que paga por hora a uma funcionária de limpeza. Isto tem um nome: perfídia.
Esta prova não acrescentará um avo de qualidade ao sistema. Pelo contrário, vai diminui-la, pela lama e descrédito que bolça sobre a classe. Todos o sabem menos Crato. Isto tem dois nomes: incompetência e ignorância.
Quando cantou “Os Vampiros”, Zeca Afonso leu aquele tempo e foi profeta: anunciou o nosso.
In "Jornal i" de 23.11.13

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Boa Sentença



Na realidade, nem sempre é nas obras mais caras e/ou mais em voga que se encontram as verdadeiras delícias à alma. Hoje deparei-me casualmente com uma que fez parte da minha infância, mas que há muito havia esquecido.
Surgiu-me à distância dum jornal de distribuição gratuita abandonado na mesa ao lado da qual me deleitava bebendo um espumoso e revigorante café.
O que não afigurava era que o verdadeiro deleite aconteceria minutos depois, assim que passei os olhos pelas “Bocas do Mundo”, assim se intitula a coluna onde reencontrei este delicioso conto tradicional que outrora fez parte da minha memória, mas que há muito se tinha desvanecido.
Não resisti, trouxe o dito jornal para casa e passo agora a reproduzir o texto, para que também vós aprecieis mais uma magnífica obra de Guerra Junqueiro.

Um homem rico, mas avarento, tinha perdido dentro de um alforge uma quantia em oiro bastante avultada. Anunciou que daria cem mil-réis de alvíssaras a quem lha trouxesse. Apresentou-se-lhe em casa um honrado camponês levando o alforge. O nosso homem contou o dinheiro, e disse:
- Deviam ser oitocentos mil-réis, que foi a quantia que eu perdi; no alforge encontro apenas setecentos; vejo, meu amigo, que recebeste adiantados os cem mil-réis de alvíssaras; estamos pagos por conseguinte.
O bom camponês, que nem por sombras tocara no dinheiro, não podia nem devia contentar-se com semelhantes agradecimentos. Foram ter com o juiz, que vendo a má-fé do avarento, deu a seguinte sentença:
- Um de vós perdeu oitocentos mil-réis; o outro encontrou um alforge apenas com setecentos. Resulta daí claramente que o dinheiro que o último encontrou não pode ser o mesmo a que o primeiro se julga com direito. Por consequência tu, meu bom homem, leva o dinheiro que encontraste, e guarda-o até que apareça o indivíduo que perdeu somente setecentos mil-réis. E tu, o único conselho que passo dar-te, é que tenhas paciência até que apareça algum que tenha achado os oitocentos mil-réis.

                                                                                                  Guerra Junqueiro 

Uma delícia sem igual!



Maio.08

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Negócio da China: Examinar professores!

Como diria o meu 'amigo' Nuno:
- Ora vejamos...
...apenas nesta sala, e a 20€ a cabeça, arrecadamos, hum... pois...
...é uma questão de fazer as contas!

(qualquer semelhança da graçola com a realidade em que vivemos, é mera coincidência )
 

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Cão como nós


Porque muito tenho ouvido de Manuel Alegre                          

Eu ofereço-lhe o Timbuktu, a existência heróica de Mr. Bones. Ela adora-o. Chora, até! – segundo me confidencia mais tarde. Compreendo cada uma das suas lágrimas. Sinto-as como minhas, embora não tenham brotado de mim. É uma narrativa fantástica!
Mas curioso, intrigante mesmo, viria a ser o que acontece dias depois de ela ter viajado com Bones até Timbuktu.
- “Lembrou-me o Cão Como Nós” do Manuel Alegre, é muito similar – refere num tom tão dela…
Comprei-o… Li-o… Adorei-o!
É a retrato da vida de Kurica, um épagneul-breton que, por três gerações, acompanhou a família de Manuel Alegre.
Mas este, tal como Bones, não era um cão como os outros. "Este cão é um sacana, caça um bocado e depois põe-se a fazer a parte...”. Kurica era “rebelde, caprichoso, desobediente, mas um de nós, o nosso cão, ou mais que o nosso cão, um cão que não queria ser cão e era cão como nós” – escreve o poeta.
Tinha a mania das grandezas. Era emproado, fino, fidalgo, exibicionista e altivo. Um cão que falava. Sim, porque a fala surge antes das palavras, e Kurica, embora não as usasse, falava com os seus.
            É uma homenagem a um membro da família, um elemento que parte. É a descrição de um ente que foi amado, acarinhado pelos mais pequenos, pelos filhos, e visto com maior distanciamento, até com alguma frieza, arrisco, ‘paternalmente’ (embora houvesse ali amor tão bem dissimulado). Expressos ficam também sentimentos de harmonia, lealdade, dor, respeito e mais do que tudo o resto… saudade.
            É um livro fantástico e a mim, particularmente, muito me lembrou o verão passado… Por mim, Kurica poder-se-ia muito bem chamar XL, aquele a quem também meu pai apelidava de fino e fidalgo. – E era, de facto!

junho de 2010

Pelas Sete Cidades


segunda-feira, 4 de novembro de 2013

As Rosas de Granada, por Daniel de Sá (Ahmed Ben Kassin)






Um texto poético fabuloso, pautado por sentimentos como a amizade, o companheirismo, a cumplicidade e, acima de tudo, o amor!
Ainda bem que esta obra não permaneceu apenas no íntimo de alguns privilegiados, como fora desígnio primeiro; ainda bem que a editora o publicou uma vez mais; ainda bem que a família assim o desejou e o partilhou connosco.
Devo confessar que fui um dos que ali acorreu (Museu Vivo do Franciscanismo) e, fruto do desconhecimento, não percebi de imediato a razão pela qual o lançamento seria naquele espaço. “O Sr. professor Daniel merecia, pelo menos, um auditório” – lembro-me ter pensado. Mas não! Quão enganado estava! Foi o espaço perfeito, aliás, que espaço? Ninguém ali esteve durante toda a sessão. Ouso dizer que os intervenientes, pela emoção e grandeza discursiva empregues, elevaram-nos a outros espaços que não aquele. Culpa daqueles que tão bem o evocaram, que sobejamente souberam prestar-lhe mais esta, mais do que merecida, homenagem.
Já li a obra e gostei bastante, contudo, os sentimentos gerados resultam num antagonismo inesperado e deveras interessante: se por um lado a qualidade empregue na execução de mais esta obra-prima não me surpreendeu, já que continuo a perceber o Sr. Professor Daniel como sendo um homem culto e detentor de uma inteligência muito além da média, por outro, houve a descoberta de uma nova faceta sua: Professor Daniel de Sá era um homem apaixonado!
Sublime!