terça-feira, 19 de maio de 2015

In Açoriano Oriental

(TAL COMO O OUTRO, TAMBÉM ESTE TEXTO "DEVE SER LIDO, PELO MENOS, DUAS VEZES PELOS MUITO INTELIGENTES, E DAQUI PARA BAIXO, É SEMPRE A DOBRAR")

Começo por congratular o Governo Regional dos Açores, a Secretaria Regional da Educação e Cultura, assim como todas as personalidades envolvidas na execução deste conjunto de ideias que sustentará quase todo o sistema de ensino ao longo dos próximos anos letivos. É de realçar e de louvar, até, a tomada de consciência de que nem tudo corre bem nas escolas açorianas. O insucesso e abandono escolares assumem, com efeito, proporções alarmantes no arquipélago, pelo que continuar de “olhos fechados” para esta realidade seria já uma postura pouco sensata.
Após a análise ao referido documento facilmente se percebe como está idealizado: parte de estatísticas atuais e nada auspiciosas e, em sintonia com a estratégia europeia para a educação e formação, define metas progressivas a atingir nos anos letivos de 2020/21 e, posteriormente, 2025/26, no que ao abandono e sucesso escolares concerne. Para tal, são definidos três eixos de ação prioritária, a saber: o “Foco na qualidade das aprendizagens dos alunos”, a“Promoção do desenvolvimento profissional dos docentes” e a “Mobilização da comunidade educativa e parceiros sociais”.
Com efeito, a criação deste ProSucesso é reveladora das boas intenções governativas, mas vai pouco além disso mesmo. Parece-me um documento com uma roupagem bem adornada, com objetivos muito bem delineados, com perspetivas de sinergias múltiplas entre pessoas e instituições mas, e carece dizê-lo, insípido no que à forma de os alcançar diz respeito. Exceção feita a um ou outro programa educativo isolado, e a uma ou outra medida promissora, tudo o resto me parece perigosamente utópico e/ou a necessitar de regulamentação urgente, para que se perceba o seu verdadeiro alcance e exequibilidade.
Analisando o eixo número um deste ProSucesso, “Foco na qualidade das aprendizagens dos alunos”, percebe-se que o Governo estabeleceu como prioridade a “Promoção da literacia de leitura”, que é, indubitavelmente, algo revestido de uma enorme importância e de inegável mais-valia ao desenvolvimento de competências diversas. No entanto,e escrevo-o empiricamente, são muito poucos os alunos que leem regularmente fora das salas de aula, e menos ainda os que o fazem de forma recreativa.Creio, por isso, estarmos diante de uma conceção utópica, faraónica, pelo menos, se temos a pretensão de que eles comecem a ler regular e autonomamente, ao ponto de desenvolverem de forma satisfatória a sua competência da leitura. No dito documento vejo alusão ao programa “Ler Açores”, ao Plano Regional de Leitura, à Rede Regional de Bibliotecas Escolares, às bibliotecas municipais, entre outras que, sendo instituições que já existem e que trabalham de forma séria e empenhada, deixa perceber que, no futuro próximo, muito mais terá de ser feito sob pena dos resultados não serem deforma nenhuma os agora expectáveis. Sugere-se, então, que se invista claramente nesta prioridade definida para este eixo, formando mais pessoal docente na área de biblioteca escolar, formando mais técnicos de BAD nas bibliotecas municipais, para que, desta forma, se tornem viáveis parcerias continuadas com as escolas, onde o livro deverá ser levado por especialistas diretamente à sala de aula. Deve ser feito um esforço financeiro no sentido de dotar as bibliotecas escolares com as obras de referência ou, pelo menos, com aquelas definidas nas metas de aprendizagem para cada um dos anos letivos. Ainda nesta linha de pensamento, torna-se imperiosa a renovação do acervo das bibliotecas da nossa rede escolar. Se queremos alunos motivados para a leitura, compreenderemos que “os olhos também comem”, e uma edição antiga e, por muitas vezes, decrépita, nunca é tão atrativa como uma atual e bem estimada.
Relativamente à medida transversal a implementar “Prof DA –Professores qualificados na resolução de dificuldades de aprendizagem”, gostaria de salientar que o diagnóstico precoce de dificuldades dos alunos deverá ser realizado sempre pelo docente que com o aluno trabalha diariamente, e não por um técnico a formar. Relembro, ainda, que as Unidades Orgânicas possuem professores de apoio, assim como docentes que integram os Núcleos de Educação Especial, muitos com formação específica nestas áreas de intervenção, pelo que, formar outros, parece-me um gasto acrescido e despropositado de recursos, numa altura em que os mesmos escasseiam. Assim, e sentindo-se essa necessidade, os docentes de apoio, em estreita ligação com o Serviço de Psicologia e Orientação– SPO, deveriam ficar incumbidos dessa intervenção precoce junto do alunos,após o diagnóstico efetuado pelo docente titular.
Enquadrado neste primeiro eixo, os autores partem da premissa de que “As dificuldades de aprendizagem conduzem(…) ao insucesso escolar, à retenção e ao consequente (…) desinteresse por parte dos alunos com desempenhos mais fracos, com o risco de posterior abandono escolar (…) ”, para se concluir que “a retenção per se não é uma estratégia efetiva de intervenção no sentido de melhorar os resultados (…) a retenção não aparenta beneficiar os alunos a nível académico”. Neste sentido, sugere o documento que a retenção seja utilizada apenas em casos extremos. Ao contrário do que se afirma, a retenção pode e deve funcionar como agente dissuasor de comportamentos de risco, como sejam a falta de estudo e/ou comportamentos desviantes dos ditos regulares. Um discente terá de ter sempre presente que, se não cumprir com as suas obrigações, correrá o risco de ficar retido. Não esqueçamos nunca que a função da escola não se esgota na mera transmissão de conteúdos; nela o aluno deverá encontrar mecanismos que possibilitem a sua formação enquanto cidadão cumpridor e responsável, integrado numa sociedade onde terá de assumir todas as consequências dos seus atos. Por conseguinte,refuto por completo o programa “apoio mais – retenção zero”, proposto pelo documento no rol de projetos específicos.
Por sua vez, o “Programa Fénix - Açores”, não sendo uma novidade, dizem-me ser uma excelente iniciativa, que deveria ser alargada a toda a rede escolar da Região.
De todos os outros projetos e/ou medidas delineados, saliento os “Mediar – mediação e tutoria”, uma vez que carecem de muitas explicações adicionais, assim como de regulamentação, pelo que não tecerei quaisquer comentários.
Infelizmente neste eixo foi descurado o que realmente me parece essencial em todo este processo. Criam-se programas, inventam-se percursos alternativos, facilita-se a permeabilidade entre cursos de nível secundário, entre outros. É insuficiente, para não dizer completamente enganador.Há, pelo contrário, que reduzir as turmas, manter o chamado “Crédito Horário”. Há que criar nas escolas oficinas de estudo e apoios escolares extra matriz curricular, isto é, “aulas de apoio” que funcionem além do horário normal dos alunos e às quais estes tenham de assistir obrigatoriamente. Se um aluno se encontra com dificuldades, que se esperam ser transitórias, parece-me lógico que seja ele a envidar os maiores esforços no sentido de ultrapassar essas lacunas. Passagens de ano falaciosas, mudanças de curso, participação em ações de promoção da leitura, não serão suficientes se não houver esforço por parte do discente.
No que se refere ao segundo eixo que sustenta todo este documento, e que se relaciona diretamente com a vertente profissional dos docentes, comecemos por colocar em evidência a prometida desburocratização de procedimentos, para que os professores tivessem mais tempo para o que realmente era importante: a planificação e lecionação das aulas. Não será assim, por certo!
Efetuando uma leitura mais atenta a este eixo, deparamos comum texto pejado de belas citações e lugares-comuns, mas que em nada justificam as medidas que agora se pretendem implementar. “(…) nada substitui um bom professor (…) um bom professor serve,essencialmente, para ensinar quem não quer aprender”, ou “É importante que as famílias e a sociedade assumam as suas responsabilidades (…)”, lê-se no início deste capítulo. De que forma irão as famílias assumir tais responsabilidades? Por sua iniciativa,está provado que não cooperarão, e a questão das coimas foi retirada do Estatuto do Aluno em 2013…
Tenhamos presente que este ProSucesso surge fruto dos maus resultados escolares dos ALUNOS, e que estes derivam da efetiva desresponsabilização dos PAIS e encarregados de educação, no processo de ensino dos seus educandos mas, segundo a SREC, os principais atores desta mudança terão de ser os professores. Aos alunos pede-se apenas para que leiam mais. Aos pais que se empenhem na elaboração colaborativa do Plano de Promoção do Sucesso da Unidade Orgânica dos seus filhos!
É certo que formação contínua de qualidade sempre foi um desígnio da profissão, e muito bem; os professores terão se manter atualizados, mas para tal não é necessário qualquer tipo de “supervisão pedagógica” ou “acompanhamento científico”. Quem teve o pleno direito de supervisionar os docentes fê-lo a seu devido tempo e nas instituições devidas! Ainda a este propósito, note-se que esta supervisão e acompanhamento serão tanto mais intensos quanto menos satisfatórios forem os resultados dos alunos! Por outras palavras, o aluno não estuda, obtém classificações negativas, não fica retido mas, por sua vez, é o seu professor que terá supervisão e acompanhamento científico! Englobe-se, também, nesta grande falácia a formação a ministrar aos próprios Conselhos Executivos, aos Psicólogos escolares, aos professores bibliotecários, entre outros, e percebamos o risível da situação.
Pretende a equipa promotora deste ProSucesso que os docentes laborem em parceria; apela-se ao trabalho colaborativo. Tanto quanto sei, e atentando às realidades que conheço, sempre o fizeram. Uma reunião formal, um intervalo, “um furo”, um telefonema ou, mais recentemente, um e-mail, sempre funcionaram como meios para “afinar”estratégias conjuntas. Aliás, houve mesmo Conselhos Executivos que envidaram esforços no sentido de construir horários de professores com horas coincidentes, para que estes pudessem efetuar o seu trabalho em conjunto. Há até registo de escolas que conseguiam reunir todo o Departamento Curricular à mesma hora, pelo que o trabalho em parceria estava salvaguardado. Contudo, a tutela, com base na gestão do horário de trabalho no que à componente não letiva diz respeito, decretou que essas horas não seriam cumpridas na escola, deitando por terra todo o esforço que fora efetuado. Então, por que não coordenar os horários dos docentes para que estes se encontrem semanalmente e possam realizar todo o trabalho colaborativo necessário? Certamente será uma medida muito mais abrangente, profícua e considerada do que aquela encontrada pela SREC que pretende que se eleja um docente que coordene todo o processo a nível pedagógico, nomeadamente nas disciplinas de Português e Matemática. Acrescento, a este propósito, que repudio veemente a observação de aulas por parte deste colega eleito; não creio que traga qualquer mais-valia ao processo de ensino aprendizagem dos alunos. Será mais um fator de perturbação adicional, para além de conduzir a uma “perda de autoridade” pedagógica/científica do docente titular, aos olhos dos alunos.
Enquadrada neste eixo, e numa ótica de trabalho colaborativo, por que não assumir generalizadamente o que já algumas Unidades Orgânicas adotaram: renunciar em larga medida às horas de substituição nos horários de alguns docentes, e canalizá-las para o apoio às turmas com mais necessidades? Naquelas disciplinas onde os alunos evidenciassem maior insucesso, a escola teria o cuidado de disponibilizar um docente da área para apoio direto à turma, ou até mesmo a um grupo de alunos. Não é inédito, é exequível e, em muitos casos,vantajoso.
Mesmo antes de me referir sumariamente ao terceiro e último pilar deste documento, realço uma frase que constado eixo em análise: “Os alunos da segunda década do século XXI são muito diferentes daqueles para que a maior parte dos nossos docentes se preparou (…)”. Não posso aceitar esta ideia tão errada quanto redutora. É desta forma (demasiado perigosa) que se criam na opinião pública ideias completamente desfasadas da realidade. Qualquer pessoa menos informada ao ler o que acima fica transcrito, facilmente retém a ideia de que o corpo docente é constituído por uns “velhos acabados” que não são capazes de ensinar “as pobres crianças que, coitadinhas, estão cheias de negativas”. Há inúmeros professores com muitos anos de serviço que têm na turma X 100% de sucesso educativo consolidado e, na turma Y, 50 a 70% de negativas. Não é necessária qualquer interpretação mais aprofundada para facilmente se perceber quem são os responsáveis pelo insucesso. Senão veja-se: a docente é a mesma para ambas as turmas, a sua formação inicial é a mesma para as duas, a sua formação complementar/contínua é a mesma para uns e outros alunos, a capacidade de recurso a estratégias diversificadas é a mesma, os recursos disponíveis são os mesmos, visto tratarem-se de duas turmas da mesma escola. Logo, a responsabilidade maior não é da docente “velhinha”, é dos alunos da turma Y que, de forma honesta, confessam que não gostam da escola, que não estudam, nem querem saber daquilo para nada…
No que se refere à mobilização da comunidade educativa e parceiros sociais, nasce um novo paradigma – “escola em parceria”. Teoricamente, parece-me uma ideia bastante inovadora e até promissora. No entanto, não tenho quaisquer dúvidas de que, dos três eixos, este é o menos exequível; não consigo perspetivar uma colaboração estreita entre família, escola e parceiros sociais. Afirmo isto sem qualquer dúvida ou receio de me equivocar; se até à data e de uma forma mais ou menos generalizada, os pais e encarregados de educação dos alunos imbuídos em insucessos educativos voltaram as costas ao processo de aprendizagem dos seus filhos, por que razão o iriam fazer agora, e até de forma mais profunda, participando ativamente, responsabilizando-se pela realização do Plano de Promoção do Sucesso. Simplesmente não creio. Ainda assim, e numa lógica que agora se generaliza, a sociedade é trazida à tomada de decisões e essa pluralidade poderá ser benéfica. No entanto, não se olvide nunca que, a cada final de Ciclo, os alunos terão de passar por “um crivo” que continuará a ser igual para todos, sejam açorianos, continentais ou madeirenses. Neste contexto, parecem-me muito bem as ações programadas junto dos pais e encarregados de educação, a colaboração com as associações e organizações da comunidade, o incitamento ao retomar das associações de pais nas escolas, os panfletos de sensibilização, assim como todas as sinergias explanadas entre a SREC e as demais Direções Regionais elencadas. Aqui sublinhava a importância da Direção Regional do Emprego e Qualificação Profissional. Visto que há uma vontade eminente por parte da tutela em criar bolsas de professores, que seja criada uma denominada, Bolsa de Professores Explicadores. Esta seria composta por docentes em situação de desemprego que, automaticamente, sairiam das listas da Agência de Emprego e Qualificação Profissional (o que me parece positivo para o próprio Governo), e colocados a trabalhar nas escolas, mas diretamente nas Juntas de Freguesia, prestando apoio educativo aos alunos, nas instalações das próprias autarquias, em horário pós-laboral. Todos nos recordamos do ensino noturno, por exemplo. O docente pertence aos quadros da escola, mas leciona ao fim do dia, nas Juntas de Freguesia. Beneficiavam os alunos, os docentes desempregados, assim como o Governo que conseguia, desta forma, diminuir o número de desempregados na Região e elevar a taxa de sucesso escolar.
Em suma, e após análise aprofundada à informação tornada pública através do documento ProSucesso, o sentimento que me trespassa é, sem dúvida, a desilusão. Tendo em conta que decorre ainda uma discussão pública, oxalá não se perca aqui uma oportunidade notável de se valorizar a Escola. Os números que se referem ao insucesso e abandono escolares são, com efeito, assustadores, mas as medidas lá explanadas não irão,de forma nenhuma, atenuar este flagelo.
A génese deste massivo imbróglio em que a Região está inserida não está bem identificada. O problema não reside na docência, não está nos professores, nem nos conselhos executivos das nossas Unidades Orgânicas, como nos quer fazer crer este ProSucesso; as medidas a adotar não podem ser em função dos docentes e da sua atuação, simplesmente porque não são eles que desempenham mal a sua função; o foco deveria estar no aluno. Não devem ser os professores os penalizados pelo facto da maioria dos pais não saber desempenhar as funções de encarregado de educação, assim como também não devem ser os professores os atingidos pelo facto dos alunos serem cada vez mais desleixados, preguiçosos,mal-educados e, por muitas vezes, absentistas. 
É consensual que os nossos alunos deixaram simplesmente de estudar, e deixaram de o fazer porque nada lhes acontece. Os pais não se impõem, não os obrigam a estudar, perdeu-se o culto do estudo, o hábito de“perguntar a matéria”. A postura da maioria dos pais é de desleixo: “eu não aprendi isso, não o consigo ajudar”, nem é preciso! Para ensinar lá estão os professores. No entanto, é necessário mostrar-se interessado, questionar,inspecionar a mochila e os cadernos; é essencial deslocar-se à escola com regularidade; é imperioso defender a escola…Se estas práticas não tivessem sido descuradas durante anos, se os pais educassem condignamente os seus filhos,estaríamos hoje a discutir publicamente este ProSucesso?

Então, não penalizem os professores!

Telmo R. Nunes


                                                                     Maio, 2015