segunda-feira, 25 de outubro de 2021

«NÃO HOUVE SUCESSO COM O PROSUCESSO»



É uma das frases que podemos ler na edição de hoje do Açoriano Oriental, integrada no Relatório da Avaliação Externa do ProSucesso. Embora seja um crítico acérrimo deste documento e de grande parte das medidas e/ou projetos lá inscritos, desde a sua discussão pública em 2015, penso que ninguém na Região poderá estar satisfeito com as conclusões que nos são apresentadas por este relatório, elaborado pela UAç.


A verdade é que perdemos muito tempo e gastámos muitos recursos, sem que as tão almejadas metas – as intermédias – tenham sido amplamente alcançadas, pelo menos com a seriedade que se impõe! E não se perspetiva, também, que as finais venham a sê-lo. Atendo-me à realidade que conheço e com a qual trabalho há muitos anos de forma séria e exigente, não se alavancou coisa nenhuma, pelo contrário. Aos motivos de preocupação à data, aditam-se agora outros, fruto, sobretudo, da permissividade e um certo facilitismo subjacentes a algumas das medidas e/ou projetos descritos naquele malogrado programa, muitos daqueles adotados em diferentes Unidades Orgânicas. Pelo contrário, outros que até se revelaram de grande valia, foram, paradoxalmente, desaparecendo à medida que os bons resultados iam surgindo. Lembro-me, por exemplo, do “Crédito Horário” atribuído a algumas áreas curriculares disciplinares, e que tanto contribuía para a consolidação efetiva de conhecimentos e desenvolvimento de competências. 


“Uma manta de retalhos”, assim se referiu a nova Secretária de Educação aos projetos integrados neste ProSucesso. Não que se revista de grande novidade para quem olha e pensa a Escola, mas, após a leitura da informação veiculada hoje, o sentimento que perpassa é a desilusão. Não obstante, considerando que os atores que tutelam a Educação são agora outros, e que estarão verdadeiramente preocupados com as aprendizagens e competências dos alunos, oxalá não se perca aqui mais uma oportunidade de se valorizar a Escola e a Educação nos Açores. Tomara que se vislumbre, de uma vez por todas, a direção do foco das medidas a implementar. Creio que fica agora mais claro que o problema nunca esteve em Conselhos Executivos e, muito menos, nos professores ou na qualidade da sua docência. A verdade é que, dos elencados no Prosucesso, os Eixos de Ação onde, realmente, se viu empenho e trabalho foram o da «promoção do desenvolvimento profissional dos docentes», e o «foco na qualidade das aprendizagens dos alunos», o que é o mesmo que dizer que os professores foram os únicos comprometidos com «a redução da taxa de abandono precoce da educação e da formação» e com «o aumento do sucesso escolar em todos os níveis e ciclos de ensino, em sintonia com a Estratégia Europeia para a Educação e Formação, Europa 2020».


Reitero o que pensava há seis anos, por altura da discussão pública deste documento: “Há que criar oportunidades para que os alunos possam ultrapassar as suas dificuldades, há que investir no garante de horas docentes para o devido acompanhamento aos alunos em dificuldades. Há que perceber que só se melhora treinando. Há que perceber que a escola não pode ser um espaço de recreio constante, nem de ocupação de tempos livres.”, assim como há que incentivar e premiar o esforço e o empenho. Há que perceber ainda que, embora os recursos sejam limitados, os fundos canalizados para a educação terão de ser encarados como investimento e nunca como despesa. 


Como em Governos anteriores, voltou a pedir-se, muito recentemente, um pacto de regime em torno da Educação. Embora tenha sérias dificuldades em crer neste tipo de acordos, considerando que os próprios políticos envolvidos dificilmente se alinham em alguma matéria, estou expectante que desta vez sejam ouvidos, com atenção, aqueles que trabalham todos os dias com os alunos e que, com eles, vão tentando conquistar um futuro promissor e de verdadeiro sucesso pessoal e profissional.

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

O Cão Dos Olhos Dourados

 

João de Melo é, como sabemos, um dos expoentes mais cintilantes da nossa riquíssima Literatura portuguesa contemporânea. É um autor que reúne consenso. Quando dele ou da sua obra se fala são sempre os bons adjetivos que emergem e adornam a conversa. Lembro-me de ter falado com ele uma vez apenas, na Livraria Leya SolMar, em Ponta Delgada. Um encontro casual, muito breve e marcado pelo embaraço que me embargou a voz e turvou o pensamento durante todo o tempo. Recordo que nesse dia corroborei a boa impressão que já havia formulado acerca do homem além do autor: afável, educado, ponderado e sempre com uma palavra de incentivo dirigida a quem o interpela. Não será por mero acaso que outros grandes do panorama literário português se lhe referem como “mestre”.

Por estes dias, está o autor novamente de parabéns. O seu mais recente romance, Livro de Vozes e Sombras foi reconhecido com mais um galardão. Após o “Grande Prémio de Literatura dst”, chega agora o “Prémio Literário Urbano Tavares Rodrigues”. Um justo reconhecimento considerando a riqueza (literária, estética, histórica…) daquela obra. Talvez agora possamos deixar cair, em definitivo, aquela ideia de que a sua obra completa ficaria, para sempre, refém do seu livro Gente Feliz Com Lágrimas.

À margem destes títulos de grande fôlego, João de Melo encontrou ainda tempo para nos surpreender com a sua primeira narrativa infantil, O Cão Dos Olhos Dourados, publicado em agosto, pela D. Quixote. Com a qualidade de escrita que todos lhe reconhecemos e à qual já nos habituou, mas completamente acessível a leitores mais novos, João de Melo dá-nos a conhecer a singular história de um cão muito especial. É-nos contada a fantástica aventura de "Nick", um cão “pacífico, mansinho” a quem só “lhe faltava falar”. A narrativa é apresentada de forma emotiva e sempre muito comprometida, ficando essa função a cargo de um pai de família, claramente tocado pelo amor, e que, de forma pedagógica, procura resolver todos os problemas à medida que estes vão surgindo. Coincidência, ou talvez nem tanto, o livro, lançado em agosto, aborda de forma muito evidente a questão do abandono dos animais, um flagelo que se repete anualmente, durante o período das férias de verão e que traz à montra da vida a negligência de alguns adotantes. Para além da amizade e do amor, do companheirismo é a pedagogia da adoção responsável que aqui está bem vincada o que, tratando-se de um livro destinado a crianças e jovens, se reveste de uma valia assinalável, considerando o contributo prestado à formação e desenvolvimento de personalidades.

Procurámos tentear a leitura desta obra e conseguimos que durasse alguns dias. Em todos, a exploração do texto foi consubstanciada por momentos muito agradáveis e vividos em família. Lemos o "Nick" (como nos pedia o pequeno Filipinho) a três vozes: a da mãe, a minha e a dele, que através das belíssimas ilustrações de Célia Fernandes, também já recriava e nos narrava as aventuras do seu próprio Nick.

De facto, e como tão bem o regista João de Melo, «As crianças hão de ser sempre a promessa e a esperança de um mundo melhor para os homens e para os animais». Por esta razão e por tantas outras, ao autor é agora reclamada a continuidade da escrita dentro deste mundo mágico que é a Literatura infantojuvenil.

João de Melo, O Cão Dos Olhos Dourados, D. Quixote, agosto, 2021