Tal como enunciado em «Os Postes E As
Linhas» - texto introito deste volume -, este Sala De Espelhos, agora
lançado pela Companhia das Ilhas, «Trata-se (…), de um livro sobre literatura
(e cultura) açoriana (...)». Sendo em tudo verdade, surge-me, no entanto, esta
afirmação como um pouco redutora! Creio que este volume reúne todos os
preceitos para se tornar uma referência que se afigurará mesmo como um
documento incontornável e valioso sobre a temática. Com conhecimento e devidas
cautelas, muito do que aqui fica dito, mesmo considerando a «incompletude» em
termos de autores, poderá muito bem ser extrapolado para um âmbito mais
abrangente, tornando redutora a ideia de que cada ensaio se cinge a determinada
obra. Não será difícil, por exemplo, inferir a realidade arquipelágica a partir
do texto «Raul Brandão nos Açores – um viajante abismado», escrito tendo por
base a incontornável obra As Ilhas Desconhecidas. Neste sentido e
considerando a erudição e minúcia impostas em cada texto (traços indissociáveis
do próprio autor), creio ser de elementar justeza referirmo-nos, desde já, a
este novo Sala De Espelhos como um marco referencial e de relevo
maior para a compreensão da literatura produzida na Macaronésia, com especial
incidência naquela que tem os Açores como solo de criação.
São quarenta os ensaios aqui partilhados,
cuja leitura, estudo e considerações contribuirão sobremodo para alicerçar,
disseminar e até mesmo perpetuar o conhecimento produzido a partir desta
literatura de alma açórica e não só. Será esta, portanto, uma ponte que visa o
encurtamento de distâncias, onde se procura dirimir a marginalização a que as
literaturas de raiz insular têm sido sujeitas, de resto, como sublinha o autor
numa referência a Maria Alzira Seixo, logo no início da obra.
Atendo-me ao que me dita a civilidade não
irei destacar a leitura de um ou de outro ensaio, até porque essa seria uma
tarefa hercúlea, considerando não apenas a heterogeneidade como também e
sobretudo a riqueza de cada um em particular. Tenhamos presente que o autor
lança o seu olhar sobre nomes como os de Roberto de Mesquita, Côrtes-Rodrigues,
Raul Brandão, Vitorino Nemésio, Manuel Ferreira, Natália Correia, Dias de Melo,
Pedro da Silveira, Eduíno de Jesus, Fernando Aires, José Martins Garcia, J. H.
Santos Barros, Álamo de Oliveira, João de Melo, Daniel de Sá, Joel Neto, Nuno
Costa Santos, João Pedro Porto, entre outros. Não obstante, há dois trechos que
gostaria de sublinhar e partilhar convosco, ambos retirados de «Ser Ilhéu – E
Salvar-se Pelos Livros», um texto incrível, de cariz autobiográfico, nascido a
partir de memórias das vivências de um petiz, em plena década de cinquenta do
século passado, na freguesia da Piedade, ilha do Pico e de nascença do autor:
«E nunca li o romance de Max du Veuzit. Na
sua não-leitura, ele acabou, mesmo assim, por integrar o conjunto daqueles
pequenos textos que me ensinaram a ultrapassar o óbvio e o imediato e a
embrenhar-me na realidade outra que a imaginação nos avança (…)»
Torna-se inevitável questionar o que é feito desta capacidade de imaginar, de recriar o real a partir da leitura? Por que razão deixaram as nossas crianças de relevar mundos melhores e mais próximos daqueles que a sua pueril consciência constrói?
«(…) mas o tempo tem o dom de esculpir e
dar novos contornos à matéria outrora informe, aparando as suas linhas
dissonantes.»
Um simples, «Que assim seja!»
Estou convencido que, muito em breve,
começaremos a ouvir e a ler sobre esta belíssima obra da autoria do virtuoso
poeta e professor Urbano Bettencourt. Embora a apresentação pública ocorra a 6
de novembro, o livro já se encontra disponível nos locais habituais e
plataformas digitais, pelo que urge a sua aquisição e leitura!
A todos, um abraço dos maiores!
Urbano Bettencourt, Sala De
Espelhos, Companhia das Ilhas, outubro, 2020