sábado, 7 de dezembro de 2019

Avenida Marginal - Ficções, Ponta Delgada

Finda a leitura de Avenida Marginal - Ficções, Ponta Delgada, impus-me a redação de um comentário sobre a obra que, segundo afirma Maria Helena Frias – a editora –, em nota introdutória, “(…) tem grafia de escritores de renome, assim como novas vozes, que confirmam o valor criativo, literário e humanista de uma literatura notável.”. Não há como discordar!
Esta coletânea emerge como uma forma nobilíssima de homenagear Ponta Delgada; são-nos oferecidas representações distintas da própria urbe, capacitando o leitor de um vislumbre sobre a mesma, através da “sensibilidade” de onze contistas tão desiguais como Joel Neto, Nuno Costa Santos, Blanca Martín-Calero, Leonor Sampaio da Silva, Tiago Ribeiro, Maria das Mercês Pacheco, Mário Roberto, Leonardo, Carlos Tomé, Pedro Gomes ou Maria Brandão.
Se a uns, unanimemente, lhes reconhecíamos, há muito, méritos literários, outros há a quem, erradamente, se prognosticou terem sido escolhas arriscadas dentro do género. Não obstante, mostrando-se multifacetados e, tingindo as suas páginas de versatilidade criativa, foram capazes de criar ficções densas e muito bonitas, enredos curtos mas largos em significado, o que me parecem ser condições fundamentais na produção textual dentro desta tipologia, ou género literário de características tão peculiares.
Embora a civilidade me instigue à fuga da individualização (até porque apreciei sobremaneira os onze textos), não consigo deixar de enaltecer os contos de Joel Neto, de Leonor Sampaio da Silva e Pedro Gomes, por terem correspondido em pleno às mais altas expectativas que neles depositara. Por outro lado, e fator de interesse acrescido, como não destacar o conto de Mário Roberto, ele que tanto aprecia “vagabundear pelas artes” e, de igual modo, o do poeta Leonardo, que tanto divergiu das águas por onde talentosamente costuma navegar?
A apresentação pública do Avenida Marginal esteve a cargo de João Nuno Almeida e Sousa, que soube interpretar com fulgor, mas também com grande lucidez a essência da obra, tendo, nesse final de tarde ventoso, proferido um texto belíssimo, capaz de impelir até os mais céticos para uma leitura atenta da obra. Dentre tantas ideias ali lançadas, recordo uma que me ficou na “retina”, e que se relacionava com o facto de, por tantas vezes, não se conseguir distinguir aquilo que efetivamente é cultura e aquilo que se fica apenas pelo entretenimento.
Neste caso, não tenham dúvidas! Leiam-no, porque estarão a investir em cultura!

Aos promotores, autores e outros intervenientes, muitos parabéns!

Vários, Avenida Marginal – Ficções, Ponta Delgada, Artes e Letras, 2019

#livrosecoisasdessas

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Exposição de Autores açorianos

Exposição de Autores açorianos, na EBI da Maia, pelos alunos a turma A do 5.° ano de escolaridade.
Os autores selecionados pelos alunos foram

Paula de Sousa Lima;
Leonor Sampaio da Silva;
Malvina Sousa;
Emanuel Jorge Botelho;
Urbano Betencourt;
Joel Neto;
João Pedro Porto;
Pedro Almeida Maia.


Considerando os documentos Aprendizagens Essenciais de Português, definidas para o 5.º ano de escolaridade (2.º Ciclo do Ensino Básico), assim como O Perfil Dos Alunos À Saída Da Escolaridade Obrigatória, para além da transversalidade de lecionação da nova disciplina de História, Geografia e Cultura dos Açores (HGCA), e atendendo a que a entrevista é um dos textos não literários contemplados no programa, pareceu-nos muito interessante estes jovens alunos elaborarem uma pequena entrevista (seguindo a sua estrutura), a alguns dos autores açorianos mais proeminentes.

O objetivo geral do trabalho passa por dar a conhecer a toda a comunidade escolar não apenas os escritores, como também algumas das suas obras de referência. Para tal, foi organizada uma exposição de trabalhos biobibliográficos efetuados a partir da informação recolhida nas referidas entrevistas.
Foi um sucesso!

domingo, 6 de outubro de 2019

O terrorista elegante

Terrorista e elegante: será possível conjugar estes dois termos em um só indivíduo?
Sim, é possível. E quem o confirma são dois dos mais brilhantes contistas da literatura lusófona contemporânea: Mia Couto e José Eduardo Agualusa.
Perdoem-me o desrespeito alfabético, concedendo o posto primaz ao moçambicano, mas, do meu ponto de vista, ele é um dos maiores, um dos que mais contentamento sinto ao ler. Como eu, tantos outros o rotulam como um excecional contador de histórias, um ‘fazedor’ de palavras com uma imaginação que não parece conhecer fim. De qualquer forma, não me faltariam também ricos adjetivos para qualificar o angolano, caso o propósito agora passasse pela constatação do talento literário destes homens.
A obra, um conjunto de três novelas inicialmente previstas para a dramatização, encerra a curiosidade de ter sido escrita a quatro mãos. Ainda no introito, somos informados que ao escreverem «O terrorista elegante» os autores, sentados a uma mesa e num ambiente completamente descontraído, “rindo e brincando”, apostaram “na negação da ideia de que a criação literária é sempre um ato profundamente solitário”. Eu creio que assim é, e por isso não deixa de ser curioso também que as restantes duas composições tenham sido escritas a partir de cidades diferentes, fazendo-se os autores valer da cumplicidade entre ambos, sendo que um ia adindo texto ao escrito do outro, e isto como quem joga prazerosamente uma singela partida de ping-pong!
A perpassar toda a obra ondulam odores (benévolos ou perniciosos), gostos, cenários idílicos e citadinos e, claro, as temperaturas aquecidas e tipicamente africanas, que se traduzem não apenas nos corpos transpirados pela pujança do astro-rei, mas, sobretudo, nas abordagens sensuais ao eterno desejo do feminino, e que ambos autores tão bem souberam diluir nas entrelinhas mais agradáveis destas novelas.
Embora não se encontre explícita a autoria deste ou daquele excerto, essa informação perde relevância e interesse ao longo da leitura. Ainda que no início nos sintamos tentados a encontrar o rasto de um ou de outro autor, com o avançar da obra, essa necessidade perde relevância e, assim que nos damos conta, deixamo-nos ir ao sabor do deleite da leitura. Naturalmente, e em abono da verdade, aqui e além distinguem-se estilos e encontram-se vestígios. Leia-se a título de exemplo a passagem “Desta vez, sonhei. Sonhei, ora essa, não: pesadelei”, que pertence, claramente, ao indelével traço de Mia Couto.
As temáticas abordadas nas narrativas são díspares, muito embora na génese de todas se perceba a presença constante de um elemento: a morte.
Na primeira novela da obra, O terrorista elegante, que empresta título ao livro, é referido um angolano com especiais ligações a grupos terroristas internacionais. Suspeito de tentativa de atos dessa índole em território nacional, é detido em Lisboa e conduzido a interrogatório. Ainda que com alguma relutância, podemos extrapolar a ideia de que os autores quiseram lançar aqui uma fina crítica à forma de atuação, assim como a alguns métodos utilizados pelas forças de segurança, em casos de detenção. Durante o inquérito, o inusitado acontece e o prisioneiro leva a que os seus inquiridores comecem a questionar-se a si próprios. 
A segunda diegese, «Chovem amores na rua do matador», tem como protagonista Baltazar Fortuna, um pinga-amor cinquentão que procura redenção íntima e, para tal, vê-se na obrigação de matar as três mulheres com quem viveu ao longo da sua vida.
A terceira e última novela, «A caixa preta», refere-se a uma família desestruturada pela guerra, onde avó e neta vivem sozinhas, reféns do tempo e da memória, embrenhadas em segredos e assuntos proibidos, entretanto trazidos ao presente pela inesperada presença e morte de alguém…
 Ao lermos a informação de contracapa, “Dois dos maiores autores de língua portuguesa juntam-se para proveito e alegria dos seus leitores”, constatamos que ainda bem que se deu este acaso! Foi uma reunião muito feliz e, mais importante, resultou numa obra globalmente harmoniosa e cerzida pelo enorme talento de ambos.
Foi, de facto, um gosto reencontrar-me com estes senhores!
Uma palavra de apreço à Quetzal que, entre outros, teve o mérito de criar este volume, do qual é impossível não sublinhar o belíssimo design de capa, da autoria de Rui Rodrigues.

Mia Couto e José Eduardo Agualusa. O terrorista elegante, Quetzal Editores, 1.ª edição, 2019.

#livrosecoisasdessas


sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Pouca Terra

Possivelmente, a mesma ilha - grande e fechada - que se defendeu "de ser água por detrás dos muros das arribas", e "que durante muito tempo só se abriu para deixar sair gente", é-nos agora retratada e descrita como a "obra perfeita" do vulcão, como terra povoada por gente; cidade com gente lá dentro, com "lugares ermos e misteriosos", e onde se fala de amor... Lugar de silêncio e de luz, de festa e de sombra.
A obra, prefaciada pelo poeta da ilha do sol, Daniel Gonçalves, é muito mais do que um rol de textos e imagens. Aliás, quão redutor seria afirmar que este é um conjunto de fotografias legendadas pela subtileza de uma rica prosa poética, ou, do mesmo modo, um texto ilustrado por imagens capazes de nos reter os sentidos?
Não!
Pouca Terra é bem mais do que isso! É muito mais! Estamos perante uma declaração de amor à ilha, ao arquipélago; aqui foi perpetuada, em forma de texto e de imagem, a condição humana que, desta vez, se quis ilhoa!

Leonor Sampaio da Silva (textos), Carlos Carvalho (imagens), Pouca Terra, Companhia das Ilhas, 2019

terça-feira, 20 de agosto de 2019

O Carteiro de Pablo Neruda

Negociadas umas curtas tréguas com fraldas e biberões, e considerando o outono que, assim parece, arribou antes do calendário o ditar, consegui pegar num dos livros que, há tempo, sentia vontade de ler. Já há anos lhe relanceara os sentidos, mas sem lhe prestar a merecida atenção.
Terminada agora a leitura desta extraordinária novela, de Antonio Skármeta, era meu intuito encetar um comentário mais rigoroso sobre o texto, mas as tréguas que me permitiram a leitura da obra terminaram e chegou a hora do biberão das cinco!
Seja como for, leiam-na! A minha edição é a da fotografia e, segundo me dizem, nasceu da comemoração do cinquentenário da editora Dom Quixote!
De resto, um abraço a cada um!

Antonio Skármeta, O Carteiro de Pablo Neruda, Dom Quixote, 2015

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

grotta #3


Apesar de serem muitos os motivos de interesse, não há como deixar de destacar a esplêndida entrevista ao professor Emanuel Jorge Botelho, assim como todo o seu belíssimo texto poético! Com efeito, o seu discurso é revelador “ de quem, com os anos, foi depurando a palavra, conservando só o essencial aos olhos do leitor.”

Aos promotores deste projeto, muitos parabéns! A evolução é evidente e a continuidade impõe-se!



quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Predo-me


Predo-me
Por não poder partir a palavra,
Pondo-a no patamar da emoção,
Pronunciá-la como me surge
                                          aos olhos,
A beleza vestida de perfeição.