sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A Hora Má



          
A minha segunda incursão pelo mundo de García Márquez levou-me ao encontro da obra que presta título a este texto.
            Já o havia escrito e volto a sublinhar que não terá sido por mero acaso que Márquez foi laureado com o Prémio Nobel da Literatura. Consegue uma escrita fabulosa, é capaz de transportar qualquer leitor seu ao espaço onde decorre a acção narrada. Se no anterior (“Memória das minhas putas tristes”) me criou essa sensação, neste melhor o conseguiu. Se é descrita a chuva, temos a impressão de estarmos encharcados, se é narrado o calor abrasador parece que o sentimos na pele. Ele consegue, de alguma forma fantástica, prender o leitor desde a primeira à última página, sem que para isso se veja obrigado a imaginar um emaranho muito avultado ou volumoso, o que na perspectiva de muitos dos seus críticos é uma lacuna sua. É verdade que tanto num como noutro livro lidos, o enredo não é denso, mas é aprimorado. É simples, e julgo que o próximo também o será…
            Neste, é relatado o dia-a-dia duma pequena povoação Sul-americana, muito provavelmente da sua Colômbia natal, uma aldeia perdido junto a um rio, onde começam a surgir pela madrugada pasquins, bilhetes anónimos, nas portas dos vários habitantes, onde se denunciam antigos segredos de família, traições, filhos bastardos, corrupções, enfim, segredos que todos sabem mas que ninguém ousa pronunciar. Ora, um destes pasquins é motivo de um cruel assassinato, e a partir daí surge uma descrição absolutamente genial dos receios que pobres e eminentes cidadãos sentiam de serem os próximos a estar na berlinda, todos tinham de alguma forma “o rabo preso”, pelo que cair na “boca do povo” dessa forma, nunca seria pelos motivos mais bonançosos.
            É feita uma descrição social riquíssima. Márquez traz a público a corrupção policial e judicial, satiriza com o clero, coloca a nu a pobreza extrema de milhares em perfeita sintonia com a abundância, com a riqueza de alguns apenas, revela fortunas conseguidas à custa de operações fraudulentas, por outras palavras, é aqui elaborada uma sátira extremamente sagaz à maioria dos governos Sul-americanos da altura.
            Mais uma vez gostei, e por isso nada como o recomendar, até porque é uma obra que se lê com muita facilidade e sobretudo com muito entusiasmo.
dez.08

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