segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

INSULARIDADE E "ILHARIZAÇÃO"


Numa das suas, cada vez mais interessantes, crónicas, escrevia Nuno Costa Santos que nunca lhe fizera confusão viver numa ilha, nunca sentira claustrofobia nem nunca agoniara por se ver rodeado de mar. Animava a premissa com o assombro dos seus amigos continentais, ao perceberem essa sua pacificação com o natural isolamento criado pelo mar imenso e, rematando com afinco, lançava: «A ideia de que o ilhéu é um ser prisioneiro entre vagas vem-se tornando cada vez mais num cliché que convém mais a uma poesia gasta da vivência insular do que à realidade quotidiana.». 
Dei comigo a pensar sobre o assunto e, vejo-me impelido a confessar que sinto uma certa inveja sã daqueles que, como ele, são imunes ao sentimento de clausura ilhoa.
Eu sou açoriano de coração – por ter nascido nas bandas de lá –, que, não sendo condição inferior, é talvez suficiente para me apartar dessa pacificação que o cronista parece sentir. Não será, naturalmente, sentimento exclusivo dos nados e criados ilhéus, mas parece andar mais arredado dos que aqui arribam e procuram assentar, mesmo daqueles que muito desbravem em sentido inverso (e tem sido uma constante, a todos os níveis). Por vezes, só por vezes, invade-me esse sentimento de aprisionamento, misturado, é certo, com a inevitável saudade nial. Quem a conhece saberá que é uma sensação tramada, quase depressiva, mitigada apenas com a colaboração da nossa Sata Internacional!
Dir-me-ão que estarei a caldear identidade, génese, saudade. Talvez tenham razão, mas o que me sobra dessa amálgama parece ser precisamente o sentimento referenciado na aludida crónica, aquela vontade de levantar âncora e abalar, ainda que por curto período…
Há muitas formas de viver os Açores, e a minha, não sendo a mais benévola, não me faz sentir, de forma alguma, um ser marginal nestas ilhas onde todos cabem! Muito me dá a ilha e prefiro encarar essa mescla de sentimentos como um “apelo da terra que me pariu”, ou um aguçar do sentimento de pertença, que jamais quero perder. Prefiro justificá-la assim a procurar na ilha insuficiências que expliquem a minha vontade de existir também do lado de lá!
Sim, sinto a insularidade, mas procuro viver bem com ela. 
Daniel de Sá falava-nos de uma “dupla insularidade”, quando se referia às ilhas orientais, eu estarei ainda (e para sempre) em processo de "ilharização"… 

Ao Nuno, um especial agradecimento!

Sem comentários: