Embora
seja opinião quase generalizada de que o conto é, cada vez mais, um género
literário em franco declínio, que não é vendável por já não ser atrativo ao olhar
da maioria dos leitores, cada vez mais interessados no romance, a verdade é que
continuam a chegar às livrarias obras portuguesas de qualidade assinalável, e que
nos parecem querer provar exatamente o contrário, que o género está vivo e goza
até de algum vigor literário!
Num
exercício rápido de memória, circunscrito ao universo arquipelágico recente, permito-me
rememorar obras como O Carcereiro da Vila, do próprio Tomaz Borba Vieira, Pretérito
Quase Perfeito e Outros Contos, de Paula de Sousa Lima, Corpo Triplicado, de
Maria Brandão, Contos Bizarros, de João Pedro Porto, Avenida Marginal
Ficções, Ponta Delgada, da responsabilidade da editora Maria Helena Frias, e
que segue já na sua segunda edição, e, claro, as obras O Outro Lado do Mundo,
de Paula de Sousa Lima e Mau Tempo e Má Sorte Contos Pouco Exemplares, de
Leonor Sampaio da Silva, ambas reconhecidas com a atribuição do Prémio
Humanidades Daniel de Sá.
Para
além de todos os referenciados, e outros que, injustamente, terei olvidado, é impreterível
agora referirmo-nos, também, a Lado de Cá, redigido pelo “Educador, Pintor,
Escritor, Agente Cultural” Tomaz Borba Vieira e editado recentemente pela editora
Letras Lavadas.
Mesmo
antes de quaisquer leituras ou alusões ao texto, torna-se impossível passar
indiferente ao livro-objeto, tal a sua assinalável beleza, bom-gosto, formato e
material selecionado. Há uma harmonia, dir-se-á, quase imprescindível, entre o
texto e o livro que o suporta. As mais-valias gráficas e icónicas são um
contributo fundamental para a apropriação das próprias narrativas que lá estão
inscritas. E não me refiro somente às ilustrações da autoria do próprio Tomaz
Borba Vieira, embora estas corporizem um conjunto soberbo de desenhos que surgem
a par do texto, conferindo-lhe interesse adicional. Não raras vezes há de
atrasar a leitura, por os sentidos ficarem retidos na imagem que ali acompanha
o escrito. A este propósito, refere José Maria da França Machado no prefácio da
obra, citando o próprio autor que «Uma coisa é ilustrar um livro, outra é ir
escrevendo e desenhando. Por vezes o texto aparece primeiro, outras o desenho.
Nalguns casos ambos ao mesmo tempo», o que deixa claro que, tal como acontecera
em O Carcereiro da Vila, por exemplo, a componente pictórica está longe de se
encontrar subjugada ao texto, limitando-se a ilustrá-lo. Estará antes ao
serviço das próprias diegeses, conferindo-lhes mais uma dimensão, além da que
deslindamos pela interpretação textual que vamos operando ao longo da leitura. Como
já o referi a propósito de O Carcereiro da Vila, este
é um território muito distinto da arte, e o meu conhecimento é manifestamente
curto para me poder alongar em análises com alguma comodidade. Não obstante, reitero
a ideia que foi um prazer imenso folhear o livro e corroborar na imagem a
interpretação feita a partir do texto.
Os contos aqui trazidos serão lidos de um só fôlego, considerando a
extensão e, essencialmente, o interesse que suscitam. O aproximar da última
página carrega um sentimento de frustração, e isto porque, finda a obra, povoa
o pensamento a ideia de que a leitura terá sabido a pouco…
Poder-se-á
assumir que a estrutura destas narrativas remonta à génese da própria
literatura, e à sua tradição oral, claro está! Não excluiria mesmo a hipótese
de estes contos terem sido efabulados a partir de situações reais, vivenciadas
ou relatadas ao autor e agora resgatadas pelo próprio Tomaz Borba Vieira. Na
sua aparência simples, estes contos cerzem-se com linhas fundamentais que
ajudam a perceber e a explicar a complexidade humana, a forma de ser e de estar
das nossas gentes. São histórias que se repetem ao longo da História e as quais
quis o autor eternizar em suporte apropriado.
Os contos da autoria do professor Tomaz Borba Vieira são,
para mim, motivo de encantamento. Dos que tenho lido, serão os dele os que mais
se aproximam dos afamados “casos”, a que ele próprio se refere em obras
anteriores, e aos quais também Daniel de Sá, por vezes, aludia. Os mesmos
“casos” que ganhavam vida e nuances mais açucaradas ou mais acres, consoante a
empatia pelos envolvidos na contenda. Era nas esquinas mais concorridas das
freguesias ou mesmo nos bancos de jardim, onde, abrigados do calor em tarde
soalheira, respeitáveis fregueses os repartiam com homens mais novos ou
mancebos imberbes.
Em Lado de Cá, Tomaz oferece-nos três histórias muito bem contadas. A forma como
ele no-las conta é singela e esse será o grande segredo da sua escrita. Dominar
e servir-se da simplicidade narrativa é coisa, deveras, complexa e, por isso,
ao alcance apenas de uns poucos virtuosos. Tomaz Borba Vieira é um deles e fá-lo
com mestria!
Tomaz Borba Vieira, Lado de Cá, Letras Lavadas Edições,
2020
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