terça-feira, 12 de janeiro de 2021

After Dark: Os Passageiros da Noite

 


Sempre que conversávamos sobre Literatura o diálogo recaía invariavelmente no mesmo autor: Haruki Murakami.

            - Já leste algum livro dele? Qual o que mais gostaste? – Perguntava com um brilho nos olhos, com um entusiasmo que nunca lho reconhecia noutros escritores.

            - Não! Ainda não o li. – Respondia com uma pontinha de vergonha pautada por um trago seco e tímido, típico de quem deveria já ter feito alguma coisa importante mas que, sem qualquer razão aparente, ainda não o fez... O meu constrangimento adensava-se à medida que o seu alvoroço crescia nos relatos que ia fazendo de todas as obras suas que lera. Contava-me praticamente todo o enredo dos livros, fazia-o mesmo sem se aperceber, para no final rematar com a frase “ (…) mas não me quero alongar mais, não vá demolir-te agora o prazer de uma excelente leitura!”.

            Confesso que numa das últimas vezes que procurei a minha livraria, lembrei-me dessa minha grande amiga e, por ela, estive com uma obra dele entre mãos, “Kafka à Beira-Mar”, um texto de 2006 e, porventura, o seu maior sucesso, mas devo dizer que não o trouxe, embora não me assole agora o motivo pelo qual isso aconteceu. Em abono da verdade não me recordo do título pelo qual o decidi trocar, conquanto nunca o tenha revelado antes.

            Incrédula com a minha quase teimosia, com a minha forte resistência em ler o seu herói, essa grande amiga e companheira de viagens literárias, decidiu ofertar-me com, segundo ela, uma relíquia, uma obra-prima do seu autor predilecto. – “Já não tens desculpa! Agora lê e diz qualquer coisa depois. Se não valesse a pena não te falaria nele” – aditou ela ao embrulho que me acabava de dar.

            Num aspecto, pelo menos, sabia que tinha razão, se não houvesse ali qualidade, nunca me iria falar dele!

            Assim, o título da oferta era o mesmo que presta título a este texto, “After Dark – Os Passageiros da Noite” – e devo dizer que até a composição exterior é bastante agradável à vista, o que, infelizmente, não consigo ainda deixar de prestar atenção no momento da compra.

            Claro está que antes de começar, procurei aqui e ali por informação relativa ao que iria ler e, devo dizer que a primeira impressão com que fiquei foi pouco auspiciosa. Lembro-me mesmo de pensar que o enredo desta obra era manifestamente pouco interessante – um relato iniciado e terminado numa noite apenas. Como pano de fundo a cidade de Tóquio e todas as vivências possíveis numa noite/madrugada sombria e fria – não era bem isto que esperava! Ainda assim comecei e devo dizer que em poucas páginas alterei por completo a minha postura face ao que lia. Ela tinha razão! Murakami é mesmo um escritor de excelência, é dotado duma capacidade rara de “fazer brotar magia do nada”. A narração é efectivamente feita num espaço temporal demasiado curto, mas nem por isso deixa de ser um texto sublime, fantástico, com uma riqueza poética absolutamente divinal. Um músico pouco prendado com queda para o Direito, uma estudante brilhante de dezanove anos extremamente reflexiva para a idade, sua irmã que, estranhamente dorme há meses, a poderosa e sanguinária máfia japonesa, um Love Hotel de qualidade duvidosa, “escoltados” pelos crimes que só a noite consegue esconder, formam em uníssono uma trama que é, sem qualquer dúvida, um gáudio à alma. É uma narração que tem tanto de imaginário como de autêntico, é o relato de enredos de um mundo tão real que poderia muito bem ser o nosso!

Foram duzentas e vinte páginas de puro regozijo, de descoberta e de admiração por este autor que agora me deram a conhecer. Foi o início de uma leitura que se vislumbra agora como duradoira, dada a obra que o mesmo possui. Fico extremamente agradecido a quem mo apresentou e, por isso mesmo, não posso deixar de o recomendar a quem ainda não o conhece – vale muito a pena!

 Haruki Murakami, After Dark : Os Passageiros da Noite», Casa das Letras, 2008

Telmo R. Nunes

03/Março /2009

Sem comentários: