Sempre que conversávamos sobre Literatura o diálogo recaía
invariavelmente no mesmo autor: Haruki Murakami.
- Já leste
algum livro dele? Qual o que mais gostaste? – Perguntava com um brilho nos
olhos, com um entusiasmo que nunca lho reconhecia noutros escritores.
- Não!
Ainda não o li. – Respondia com uma pontinha de vergonha pautada por um trago
seco e tímido, típico de quem deveria já ter feito alguma coisa importante mas
que, sem qualquer razão aparente, ainda não o fez... O meu constrangimento
adensava-se à medida que o seu alvoroço crescia nos relatos que ia fazendo de
todas as obras suas que lera. Contava-me praticamente todo o enredo dos livros,
fazia-o mesmo sem se aperceber, para no final rematar com a frase “ (…) mas não
me quero alongar mais, não vá demolir-te agora o prazer de uma excelente
leitura!”.
Confesso
que numa das últimas vezes que procurei a minha livraria, lembrei-me dessa
minha grande amiga e, por ela, estive com uma obra dele entre mãos, “Kafka à
Beira-Mar”, um texto de 2006 e, porventura, o seu maior sucesso, mas devo dizer
que não o trouxe, embora não me assole agora o motivo pelo qual isso aconteceu.
Em abono da verdade não me recordo do título pelo qual o decidi trocar, conquanto
nunca o tenha revelado antes.
Incrédula
com a minha quase teimosia, com a minha forte resistência em ler o seu herói,
essa grande amiga e companheira de viagens literárias, decidiu ofertar-me com,
segundo ela, uma relíquia, uma obra-prima do seu autor predilecto. – “Já não
tens desculpa! Agora lê e diz qualquer coisa depois. Se não valesse a pena não
te falaria nele” – aditou ela ao embrulho que me acabava de dar.
Num
aspecto, pelo menos, sabia que tinha razão, se não houvesse ali qualidade,
nunca me iria falar dele!
Assim, o
título da oferta era o mesmo que presta título a este texto, “After Dark – Os
Passageiros da Noite” – e devo dizer que até a composição exterior é bastante
agradável à vista, o que, infelizmente, não consigo ainda deixar de prestar
atenção no momento da compra.
Claro está
que antes de começar, procurei aqui e ali por informação relativa ao que iria
ler e, devo dizer que a primeira impressão com que fiquei foi pouco auspiciosa.
Lembro-me mesmo de pensar que o enredo desta obra era manifestamente pouco
interessante – um relato iniciado e terminado numa noite apenas. Como pano de
fundo a cidade de Tóquio e todas as vivências possíveis numa noite/madrugada
sombria e fria – não era bem isto que esperava! Ainda assim comecei e devo dizer
que em poucas páginas alterei por completo a minha postura face ao que lia. Ela
tinha razão! Murakami é mesmo um escritor de excelência, é dotado duma
capacidade rara de “fazer brotar magia do nada”. A narração é efectivamente feita
num espaço temporal demasiado curto, mas nem por isso deixa de ser um texto
sublime, fantástico, com uma riqueza poética absolutamente divinal. Um músico
pouco prendado com queda para o Direito, uma estudante brilhante de dezanove
anos extremamente reflexiva para a idade, sua irmã que, estranhamente dorme há
meses, a poderosa e sanguinária máfia japonesa, um Love Hotel de qualidade duvidosa, “escoltados” pelos crimes que só
a noite consegue esconder, formam em uníssono uma trama que é, sem qualquer
dúvida, um gáudio à alma. É uma narração que tem tanto de imaginário como de
autêntico, é o relato de enredos de um mundo tão real que poderia muito bem ser
o nosso!
Foram duzentas e vinte páginas de
puro regozijo, de descoberta e de admiração por este autor que agora me deram a
conhecer. Foi o início de uma leitura que se vislumbra agora como duradoira,
dada a obra que o mesmo possui. Fico extremamente agradecido a quem mo
apresentou e, por isso mesmo, não posso deixar de o recomendar a quem ainda não
o conhece – vale muito a pena!
Telmo R. Nunes
03/Março /2009
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