segunda-feira, 24 de março de 2014

Mr. Vertigo

Mr. Vertigo Voar afinal é fácil… Walter Claireborne Rawley fê-lo aos doze anos, quando não passava dum miúdo de rua, imundo, pedinte, e completamente afagado pela reluzente noite de Saint Louis em plenos anos 20 do século passado. Walter, ou Walt o «Rapaz Prodígio», como viria a ficar conhecido por toda a América, não passa duma extraordinária criação da mente de Paul Auster, homem de sete ofícios, mas duma qualidade imensurável enquanto escritor. Neste livro retrata-nos a América dos anos vinte, época de grandes mutações sociais e políticas, mas descritas duma forma soberbamente discreta, já que a descrição é envolta numa história imaginária mas cativante que assenta na aprendizagem dum rapazinho da arte da levitação, apoiado pelo seu inseparável mestre Yehudi, com quem cria uma afeição muito semelhante à paternal. Temas que vão da espiritualidade, da crença em Deus, à Máfia de Capone, da noção do Bem/Mal às hediondas malfeitorias do Ku Klux Klan, Auster coloca a nu toda uma América obscura e manifestamente vergonhosa. A um só tempo, consegue também deixar translúcida a ideia de que todos conseguimos atingir o impensável se para isso lutarmos com o afinco necessário. Walt, muito céptico inicialmente, resistia apenas às provações pelas quais o seu Mestre o obrigava a passar, com o intuito apenas de ganhar uma aposta levada a efeito com o seu próprio professor. Qual o seu espanto quando da Terra se eleva e percebe que afinal a arte da levitação é exequível… Não houve um só momento em toda a leitura efectuada, em que o autor não me levasse a pensar na vida vista como um desafio diário, onde obstáculos vão surgindo do nada, mas que independentemente da sua dimensão têm de ser necessariamente transpostos. Nem mesmo quando tudo parece expirado, quando o fim surge diante do rápido olhar avançado, ele permite que a sua personagem desfaleça. De novo ganha ânimo, de volta lhe corre o vigor por entre as veias e novos desafios e aventuras se vislumbram na vida deste pequeno “rapaz – voador” de Saint Louis. A outra dimensão, torna-se também muito interessante fazer mentalmente o paralelo entre o crescimento de Walter e o próprio desenvolvimento de todo um país. À medida que vai crescendo e desenvolvendo as suas capacidades paranormais, também se verifica o desenvolvimento de um país a recuperar duma crise bolsista que acabaria por levar um povo à ruína. A analogia entre o fulgor do «Rapaz Prodígio» e a magnificência Americana antes do crash, e o declínio social de Walter com a queda do esplendor americano (devido à dita crise da bolsa) é particularmente interessante, assim como o é a recuperação de ambos: Walter redime-se pelo purgatório duma guerra forçada, e a América reabilita-se adoptando novas políticas muito mais coerentes e social e economicamente melhor aceites por todos. Em suma, e parafraseando o The Independent, Mr. Vertigo é, sem qualquer dúvida, “Uma grandiosa obra de Literatura pela mão de um monstro da fábula moderna Norte-Americana”. Recomendo! a 17 de junho de 2008

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