sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Boa Sentença



Na realidade, nem sempre é nas obras mais caras e/ou mais em voga que se encontram as verdadeiras delícias à alma. Hoje deparei-me casualmente com uma que fez parte da minha infância, mas que há muito havia esquecido.
Surgiu-me à distância dum jornal de distribuição gratuita abandonado na mesa ao lado da qual me deleitava bebendo um espumoso e revigorante café.
O que não afigurava era que o verdadeiro deleite aconteceria minutos depois, assim que passei os olhos pelas “Bocas do Mundo”, assim se intitula a coluna onde reencontrei este delicioso conto tradicional que outrora fez parte da minha memória, mas que há muito se tinha desvanecido.
Não resisti, trouxe o dito jornal para casa e passo agora a reproduzir o texto, para que também vós aprecieis mais uma magnífica obra de Guerra Junqueiro.

Um homem rico, mas avarento, tinha perdido dentro de um alforge uma quantia em oiro bastante avultada. Anunciou que daria cem mil-réis de alvíssaras a quem lha trouxesse. Apresentou-se-lhe em casa um honrado camponês levando o alforge. O nosso homem contou o dinheiro, e disse:
- Deviam ser oitocentos mil-réis, que foi a quantia que eu perdi; no alforge encontro apenas setecentos; vejo, meu amigo, que recebeste adiantados os cem mil-réis de alvíssaras; estamos pagos por conseguinte.
O bom camponês, que nem por sombras tocara no dinheiro, não podia nem devia contentar-se com semelhantes agradecimentos. Foram ter com o juiz, que vendo a má-fé do avarento, deu a seguinte sentença:
- Um de vós perdeu oitocentos mil-réis; o outro encontrou um alforge apenas com setecentos. Resulta daí claramente que o dinheiro que o último encontrou não pode ser o mesmo a que o primeiro se julga com direito. Por consequência tu, meu bom homem, leva o dinheiro que encontraste, e guarda-o até que apareça o indivíduo que perdeu somente setecentos mil-réis. E tu, o único conselho que passo dar-te, é que tenhas paciência até que apareça algum que tenha achado os oitocentos mil-réis.

                                                                                                  Guerra Junqueiro 

Uma delícia sem igual!



Maio.08

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