É certo que me é impossível escolher o meu livro de eleição, mas consigo apontar alguns que disputam os lugares cimeiros, e este é um deles. Numa palavra: MAGISTRAL!
Quantos de nós
não somos já uns Gregor Samsa sem que
nos apercebamos disso? Quem, a partir de determinada idade física, não sente a
necessidade de viajar pelo mundo para se alimentar a si e em muitos casos os
seus? (Obviamente não me refiro aqui a bens essenciais e de primeira
necessidade).
A metamorfose
a que estamos sujeitos neste processo de vida ao qual somos arremessados pelo
nascimento é sempre inevitável e surge como uma necessidade física e/ou moral,
ou então acabamos por embater contra ela sem que possamos fazer algo contra.
Foi o caso
deste caixeiro-viajante, personagem criada por Franz Kafka, que acorda numa
manhã e se vê subjugado à transformação horrenda de homem em insecto repugnante,
afinal, em tantas ocasiões é apenas isso que representamos aos olhos dos que
nos rodeiam, daí a intemporalidade do texto…
É uma obra
riquíssima, legível em poucas horas, mas que vale pela durabilidade a que nos
obriga. Cada linha é capaz de nos trazer à realidade e proporcionar-nos
imagens, comparações, similitudes perfeitamente hediondas mas perfeitamente
aceites por um pensamento alargado e pleno de razão social. São páginas
escritas em 1912, mas indissolúveis da realidade quotidiana. É deveras aterrador!
Evidencia-se a
essência máxima da solidão humana, mesmo quando o indivíduo é plenamente
acompanhado na sua existência por um conjunto de outros indivíduos, seus pares
pelo sangue que lhes corre. Enfatiza-se a necessidade de isolamento do ser
quando este é avassalado, oprimido e explorado pela sociedade/família,
recria-se um conjunto de situações que, atingindo o seu clímax, conduzem o
protagonista a uma fuga em si mesmo, ao mais recôndito do seu íntimo,
reproduzem-se tais relações de desumanidade, de desprezo e de distanciamento
das necessidades do outro, que culminam numa crueldade expressa pela própria
metamorfose sofrida.
Não foi um
homem forte. Não foi um homem suficientemente perspicaz para antever os
acontecimentos vindouros. Foi antes um ser humilde, enclausurado pelas necessidades familiares, foi um ser decadente e sem força para lutar por si e
pelo seu destino. Um ser angustiado! Não se daria aqui o caso de os seus o fazerem
por si? Não seria aqui expectável que os seus o ajudassem nas vivências cada
vez mais pesarosas? – Talvez…
A
transformação de Gregor em algo
substancialmente diferente do tido como normal representou um factor de dor,
ódio mas mormente revolta em todos aqueles que o diziam amar. Até então, ele
contribuíra com a maquia indispensável ao bem-estar comum mas, dada a
impossibilidade dessa continuidade, passou a ser encarado como algo repugnante,
viscoso e indigno de sequer ser visto. Passou a ser o alvo de arremesso de todo
o ódio acumulado, surge como o culpado do infortúnio de todo um conjunto de
parasitas, mais insectos do que ele próprio, arrisco!
A transposição
desta ideia à realidade, com as devidas supressões do fantástico, é o cerne
desta obra. O interesse no ganho transformado no ódio advindo pela dependência,
são sentimentos sórdidos, maquiavélicos mas, infelizmente, separados por uma
linha tão ténue e actual que só nos podem deixar, no mínimo, aturdidos!
Qual o real
valor dos esforços advindos se um ser em transformação, quando é nos outros que
reside a verdadeira capacidade de sermos algo mais?
É fantástico, leiam!
nov.09
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