sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

«Lado de Cá» – Contos de Tomaz Borba Vieira

 


Embora seja opinião quase generalizada de que o conto é, cada vez mais, um género literário em franco declínio, que não é vendável por já não ser atrativo ao olhar da maioria dos leitores, cada vez mais interessados no romance, a verdade é que continuam a chegar às livrarias obras portuguesas de qualidade assinalável, e que nos parecem querer provar exatamente o contrário, que o género está vivo e goza até de algum vigor literário!

Num exercício rápido de memória, circunscrito ao universo arquipelágico recente, permito-me rememorar obras como O Carcereiro da Vila, do próprio Tomaz Borba Vieira, Pretérito Quase Perfeito e Outros Contos, de Paula de Sousa Lima, Corpo Triplicado, de Maria Brandão, Contos Bizarros, de João Pedro Porto, Avenida Marginal Ficções, Ponta Delgada, da responsabilidade da editora Maria Helena Frias, e que segue já na sua segunda edição, e, claro, as obras O Outro Lado do Mundo, de Paula de Sousa Lima e Mau Tempo e Má Sorte Contos Pouco Exemplares, de Leonor Sampaio da Silva, ambas reconhecidas com a atribuição do Prémio Humanidades Daniel de Sá.

Para além de todos os referenciados, e outros que, injustamente, terei olvidado, é impreterível agora referirmo-nos, também, a Lado de Cá, redigido pelo “Educador, Pintor, Escritor, Agente Cultural” Tomaz Borba Vieira e editado recentemente pela editora Letras Lavadas.

Mesmo antes de quaisquer leituras ou alusões ao texto, torna-se impossível passar indiferente ao livro-objeto, tal a sua assinalável beleza, bom-gosto, formato e material selecionado. Há uma harmonia, dir-se-á, quase imprescindível, entre o texto e o livro que o suporta. As mais-valias gráficas e icónicas são um contributo fundamental para a apropriação das próprias narrativas que lá estão inscritas. E não me refiro somente às ilustrações da autoria do próprio Tomaz Borba Vieira, embora estas corporizem um conjunto soberbo de desenhos que surgem a par do texto, conferindo-lhe interesse adicional. Não raras vezes há de atrasar a leitura, por os sentidos ficarem retidos na imagem que ali acompanha o escrito. A este propósito, refere José Maria da França Machado no prefácio da obra, citando o próprio autor que «Uma coisa é ilustrar um livro, outra é ir escrevendo e desenhando. Por vezes o texto aparece primeiro, outras o desenho. Nalguns casos ambos ao mesmo tempo», o que deixa claro que, tal como acontecera em O Carcereiro da Vila, por exemplo, a componente pictórica está longe de se encontrar subjugada ao texto, limitando-se a ilustrá-lo. Estará antes ao serviço das próprias diegeses, conferindo-lhes mais uma dimensão, além da que deslindamos pela interpretação textual que vamos operando ao longo da leitura. Como já o referi a propósito de O Carcereiro da Vila, este é um território muito distinto da arte, e o meu conhecimento é manifestamente curto para me poder alongar em análises com alguma comodidade. Não obstante, reitero a ideia que foi um prazer imenso folhear o livro e corroborar na imagem a interpretação feita a partir do texto.

Os contos aqui trazidos serão lidos de um só fôlego, considerando a extensão e, essencialmente, o interesse que suscitam. O aproximar da última página carrega um sentimento de frustração, e isto porque, finda a obra, povoa o pensamento a ideia de que a leitura terá sabido a pouco…

Poder-se-á assumir que a estrutura destas narrativas remonta à génese da própria literatura, e à sua tradição oral, claro está! Não excluiria mesmo a hipótese de estes contos terem sido efabulados a partir de situações reais, vivenciadas ou relatadas ao autor e agora resgatadas pelo próprio Tomaz Borba Vieira. Na sua aparência simples, estes contos cerzem-se com linhas fundamentais que ajudam a perceber e a explicar a complexidade humana, a forma de ser e de estar das nossas gentes. São histórias que se repetem ao longo da História e as quais quis o autor eternizar em suporte apropriado.

Os contos da autoria do professor Tomaz Borba Vieira são, para mim, motivo de encantamento. Dos que tenho lido, serão os dele os que mais se aproximam dos afamados “casos”, a que ele próprio se refere em obras anteriores, e aos quais também Daniel de Sá, por vezes, aludia. Os mesmos “casos” que ganhavam vida e nuances mais açucaradas ou mais acres, consoante a empatia pelos envolvidos na contenda. Era nas esquinas mais concorridas das freguesias ou mesmo nos bancos de jardim, onde, abrigados do calor em tarde soalheira, respeitáveis fregueses os repartiam com homens mais novos ou mancebos imberbes.

Em Lado de Cá, Tomaz oferece-nos três histórias muito bem contadas. A forma como ele no-las conta é singela e esse será o grande segredo da sua escrita. Dominar e servir-se da simplicidade narrativa é coisa, deveras, complexa e, por isso, ao alcance apenas de uns poucos virtuosos. Tomaz Borba Vieira é um deles e fá-lo com mestria!

Tomaz Borba Vieira, Lado de Cá, Letras Lavadas Edições, 2020


domingo, 20 de dezembro de 2020

«Causas da Decadência dos Povos Peninsulares Nos Três Últimos Séculos», por Antero de Quental

 


(Por ocasião do recente falecimento de Eduardo Lourenço, prefaciador desta obra singular de Antero de Quental, recuperei o texto com que o açoriano abriu as Conferências do Casino, decorria, então, o ano de 1871).

Um grande filósofo, pensador e professor incentivou-me certa vez a leitura do texto «Causas da Decadência dos Povos Peninsulares Nos Três Últimos Séculos», redigido por Antero de Quental: «É fundamental! Devemos primeiro perceber o passado do nosso país, para melhor perspetivarmos o seu futuro» -, aconselhou.

Adquiri a obra, encetei a leitura e percebi por que motivo me fora recomendada, por que razão sobrevivera este texto não apenas ao constante passar do tempo, como também ao encerramento das próprias Conferências de onde brotara. Embora tido agora como atemporal, foi redigido a propósito do dia 27 de maio de 1871, por ocasião da abertura das “Conferências do Casino”, as tais dos grandes vultos do “Grupo do Cenáculo”, os da “Geração de 70”, as mesmas proibidas por Portaria do Ministério do Reino, em junho desse mesmo ano!

O texto – maravilhoso – agradou-me sobremodo, não apenas pelo retrato da sociedade civil de então, (com a qual ainda se podem estabelecer paralelos formidáveis) mas também, e essencialmente, porque me inculcou no espírito umas tantas questões às quais não consegui dar resposta imediata e me consumiram a quietude durante largo período.

Segundo Antero, as causas que estariam na base da decadência dos povos peninsulares passariam pelos Descobrimentos de novos mundos, pelo Absolutismo régio e pela transformação do Catolicismo, por via do Concílio de Trento.

As duas primeiras razões apontadas, embora inegavelmente complexas, são de clara perceção; a explanação sugerida é elucidativa e, corroborando-a ou não, ali ficam demonstrados possíveis fundamentos para o atraso no desenvolvimento da Península, comparativamente com os países europeus. A terceira e última razão aludida foi a que me suscitou grande desassossego e me conduziu a uma jornada ao âmago das minhas certezas.

Atente-se:

Ora, a liberdade moral, apelando para o exame e a consciência individual, é rigorosamente o oposto do Catolicismo do concílio de Trento, para quem a razão humana e o pensamento livre são um crime contra Deus…”

ou ainda:

Na sessão 14ª de Trento é a consciência cristã definitivamente encerrada. Sem confissão não há remissão de pecados! A alma é incapaz de comunicar com Deus, senão por intermédio do padre!”

É um texto farto em frases duras, pelo menos, para quem cresceu e foi educado no seio de uma família que se reja sob os preceitos do Catolicismo.

Então, Cristianismo ou Catolicismo? Haverá ou não lugar a ‘um Cristianismo’ fora dos ditames do Catolicismo? Este amordaça e amedronta os seguidores, os crentes? Inibe-os ou não de viver em pleno o Cristianismo; inibe-lhes ou não a vivência em Cristo? Não será já o Catolicismo uma adulteração humana daquilo que deveria ter sido a fé Cristã, pura e simples, individual e, ao mesmo tempo, coletiva?

A noção genérica em que creio passa pelo Cristianismo como a génese da religião, a base de sustentação, o pilar que conduz à crença em Deus – Pai, Jesus Cristo – Filho, acompanhados pela força de um Espírito Santo. Tenho como certa a base em Jesus Cristo e que se trata, sobretudo, de sentimento. No que ao Catolicismo concerne, instigaram-me a crença de que “caminhava lado a lado” com o Cristianismo, numa demanda que dura há já mais de dois milénios. Transmitiram-nos que uma completava a outra, mas, ponderando, necessitará o Cristianismo de qualquer complemento?

Hoje percebo mais facilmente aqueles que encaram o Catolicismo com algum distanciamento, que o veem como uma forma ou instituição, e que o reduzem a uma norma que modela a forma de viver e de sentir o Cristianismo. Percebo que o encarem como uma mera disciplina a seguir, que será (ou não) dispensável. Percebo que questionem se serão necessários estes preceitos concebidos pelos homens que nos antecederam para que se consiga viver em plenitude o Cristianismo…

Com efeito, ao olhar para todos os cerimoniais que se nos apresentam quotidianamente, o que se vê para além de encenações quase teatralizadas, e, em alguns casos, até idolatrias? Por que razão há cerimoniais e datas rigidamente estabelecidas para que se possa cumprir plenamente a vivência em Cristo? – bem sei que a qualquer altura se pode fazer a remissão dos pecados, mas naquelas datas específicas deve-se fazê-lo, sob pena de se cometer um “pecado maior”. E por que razão é necessário um intermediário para fazê-lo? Não será este um caminho de inibição? E recordemos, também, as atrocidades cometidas pelo Santo Ofício ao serviço destes preceitos católicos…

Que lugar deixa o Catolicismo às liberdades individuais? Tudo é regido por preceitos estritamente definidos: aquele que se rebele será herege, o que hoje não carregará o peso de outros tempos, é certo, mas, ainda assim, será apontado como diferente, pelo menos!

Não terá ido o Catolicismo um pouco longe de mais, adulterando as aspirações despretensiosas, simples, mas, ao mesmo tempo, plenas e sacras do Cristianismo? Esta igreja assim estruturada, que lugar deixa ao sentimento simples, espontâneo e sincero?

Naturalmente, o disserto anteriano é substancialmente mais vasto, rico e prodigioso do que aquilo que alguma vez poderia aqui deixar apontado. Na edição da obra que possuo, prefaciada pelo recentemente falecido professor Eduardo Lourenço, usam-se expressões como «memorável intervenção» ou «referência mítica» e, aludindo a ideia inicial deste escrito, creio que cumpre religiosamente a sua função maior: impelir questões, exigindo respostas!

Não será este o intento final de todo e qualquer texto de referência?

Antero de Quental, Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos, Edições Tinta da China, 2008


quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

“Ler na Livraria” ao sábado de manhã

Para além do prazeroso reencontro com pessoas que partilham o gosto pela Literatura, as sessões “Ler na Livraria”, promovidas pelos responsáveis pela icónica livraria LeyaSolmar, em Ponta Delgada, revestem-se da grande vantagem de trazerem ao conhecimento ou, pelo menos, à memória obras de referência que, por um ou outro motivo, se encontravam na obscuridade do esquecimento. Foi o caso de «Descobri Que Era Europeia», da autora açoriana Natália Correia, naquele sábado selecionado e comentado pela professora e escritora Leonor Sampaio Silva.

A edição que possuo – da editora Ponto de Fuga, março de 2018 – é a mais recente e é um pouco mais alargada do que a obra original, uma vez que se refere, ao contrário da primeira, às três viagens que a autora de «A Ilha de Circe» efetuou aos Estados Unidos da América: a primeira em 1950, com apenas vinte e seis anos, a segunda em 1978, a convite da Brown University e a última em 1983, em representação do então Presidente da República, General Ramalho Eanes, por ocasião da comemoração, naquele país, do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades.

Apesar de se reportar a três momentos temporais distintos e outras tantas viagens, o âmago do texto incide, essencialmente, no relato da primeira viagem àquele país. Nele, Natália procura retratar a essência do “american way of life”, assimilado através de inúmeras incursões por cidades da costa leste dos Estados Unidos da América, nomeadamente, Boston, Washington ou Nova Iorque, colocando-o em contraponto com a sua própria visão europeísta.

Apesar de se tratar de uma “obra de início de carreira”, como outros a catalogaram, Natália Correia adensa-a com uma interessante conjugação de géneros, pressagiando, claramente, o virtuosismo literário que lhe viria a ser reconhecido, posteriormente. Investidas pelo relato de viagem, reportagem, texto diarístico, prosa ficcional ou poesia criam um todo estruturalmente harmonioso e de leitura bastante interessante. O que poderia ter sido apenas um texto híbrido, descritivo e sem grandes linhas orientadoras, revela-se um documento profético (até no que à política económica da Europa concerne), exuberante e de uma profunda riqueza literária, onde a autora analisa comparativamente e em constância, o modo de vida de um lado e do outro do Atlântico.

Nesta viagem há ainda uma profunda jornada autorreflexiva até ao íntimo da própria autora que assume, aliás, que principia a expedição com muitas questões por responder, «Trouxe curiosidades para a América (…)», sendo que, no regresso, a poucas ou nenhumas conseguiu dar resposta plenas, «Nenhuma das minhas curiosidades foi satisfeita.». Não obstante, conclui que americanos e europeus são «estruturalmente diferentes» e o seu desapontamento com «a terra prometida» fá-la perceber que o seu lugar no mundo passará sempre pelo velho continente. Embora encontre no «Novo Mundo» laivos civilizacionais aceitáveis (quase sempre assentes em origens europeias), nomeadamente em contacto direto com algumas pessoas ou em visita a determinados espaços – galerias de arte, por exemplo – há por diversas vezes referência à falta de raízes daquele país, à superficialidade da sua cultura estética, o que lhe causa um monumental desencanto.

Serão, aliás, esses sentimentos de desilusão e frustração, cumulativamente com a sua integridade intelectual e consequente afastamento do ‘politicamente correto’, associados a uma escrita crua, corrosiva, pautada por disfemismos, ironia e por um sentido de humor apuradíssimo, que levaram a que muitos considerassem este texto «de cabal antipatia pelo american way of life (…)», como ficou registado pela mão da própria autora à partida para a sua segunda viagem aos EUA.

Natália Correia, fruto talvez da sua personalidade assumidamente mal-humorada, não se inibiu de, textualmente, apoucar muitos dos que, de certa forma, a terão exasperado durante esta viagem: ora pela vivência de situações envoltas em falta de idoneidade, «(…) percebi que a pressurosa ajuda do homenzinho, insistindo em retirar os embrulhos do táxi, obedecia a intuitos bem poucos generosos.», ora pela interação com indivíduos cujos discursos chegavam a ser insultuosos à inteligência da autora,  «O homem conhece a Europa. Esteve em Espanha e quer saber que língua se fala em Portugal. Foi a este sujeito que estive para responder que em Portugal éramos todos mudos. Mas não o fiz, com receio de que ele acreditasse…».

No atinente à segunda e à derradeira viagens àquele país, percebe-se uma certa pacificação da autora com a região: «Regresso agora à América do Norte, e o impacto europeizante que me acolhe encandeia-me logo à chegada. Que modificação se operou
nesta caminhada do tempo, não tão longa para justificar esta drástica
rutura do velho isolacionismo norte-americano face à vida europeia, ao
ponto de ter eu a sensação de me achar numa Europa que já não encontro na sua velha colocação geográfica e cultural?», no entanto, claramente insuficiente para que lhe suscite qualquer tipo de especial deslumbramento.

A terminar, deixo-vos duas citações retiradas do texto de 1950 que considero dignas de registo, talvez pela atualidade com que se revestem:

«O protesto é uma democracia de recurso.»

«(…) o meu ceticismo ante os meandros da política internacional inclinava-me a não acreditar na “pureza de intenções dos países empenhados em defender os interesses de outras nações”»

A todos, um abraço dos maiores!

Natália Correia, Descobri Que Era Europeia, Ponto de Fuga, 2018


quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

.::Mar Estéril::.



Já não há água que fecunde este mar,

Nem fogo que acalente esta chama.

Das entranhas verdes e húmidas 

(Alvíssaras prometidas)

Vertem agora prantos enlutados e inábeis.


Um vazio arrefecido e triste

Tomou lugar nas violentas vagas,

Carreando a cada preia-mar 

Vontades e desânimos.

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

.::Mar de Saudade ::.


Quando um mar inteiro

Jorrava da torneira aberta,

Ninguém ousava o revés.

Finda a torrente quente,

Fica apenas saudade

           de não sentir saudade.

sábado, 31 de outubro de 2020

Sala de Espelhos


Em boa hora se reuniu em obra única (primeiro volume da obra completa) este conjunto de textos do poeta e professor Urbano Bettencourt, escritos a propósito de «solicitações diversas» que lhe foram apresentadas: colóquios, palestras ou participações em volume coletivo.

Tal como enunciado em «Os Postes E As Linhas» - texto introito deste volume -, este Sala De Espelhos, agora lançado pela Companhia das Ilhas, «Trata-se (…), de um livro sobre literatura (e cultura) açoriana (...)». Sendo em tudo verdade, surge-me, no entanto, esta afirmação como um pouco redutora! Creio que este volume reúne todos os preceitos para se tornar uma referência que se afigurará mesmo como um documento incontornável e valioso sobre a temática. Com conhecimento e devidas cautelas, muito do que aqui fica dito, mesmo considerando a «incompletude» em termos de autores, poderá muito bem ser extrapolado para um âmbito mais abrangente, tornando redutora a ideia de que cada ensaio se cinge a determinada obra. Não será difícil, por exemplo, inferir a realidade arquipelágica a partir do texto «Raul Brandão nos Açores – um viajante abismado», escrito tendo por base a incontornável obra As Ilhas Desconhecidas. Neste sentido e considerando a erudição e minúcia impostas em cada texto (traços indissociáveis do próprio autor), creio ser de elementar justeza referirmo-nos, desde já, a este novo Sala De Espelhos como um marco referencial e de relevo maior para a compreensão da literatura produzida na Macaronésia, com especial incidência naquela que tem os Açores como solo de criação.

São quarenta os ensaios aqui partilhados, cuja leitura, estudo e considerações contribuirão sobremodo para alicerçar, disseminar e até mesmo perpetuar o conhecimento produzido a partir desta literatura de alma açórica e não só. Será esta, portanto, uma ponte que visa o encurtamento de distâncias, onde se procura dirimir a marginalização a que as literaturas de raiz insular têm sido sujeitas, de resto, como sublinha o autor numa referência a Maria Alzira Seixo, logo no início da obra.

Atendo-me ao que me dita a civilidade não irei destacar a leitura de um ou de outro ensaio, até porque essa seria uma tarefa hercúlea, considerando não apenas a heterogeneidade como também e sobretudo a riqueza de cada um em particular. Tenhamos presente que o autor lança o seu olhar sobre nomes como os de Roberto de Mesquita, Côrtes-Rodrigues, Raul Brandão, Vitorino Nemésio, Manuel Ferreira, Natália Correia, Dias de Melo, Pedro da Silveira, Eduíno de Jesus, Fernando Aires, José Martins Garcia, J. H. Santos Barros, Álamo de Oliveira, João de Melo, Daniel de Sá, Joel Neto, Nuno Costa Santos, João Pedro Porto, entre outros. Não obstante, há dois trechos que gostaria de sublinhar e partilhar convosco, ambos retirados de «Ser Ilhéu – E Salvar-se Pelos Livros», um texto incrível, de cariz autobiográfico, nascido a partir de memórias das vivências de um petiz, em plena década de cinquenta do século passado, na freguesia da Piedade, ilha do Pico e de nascença do autor:

«E nunca li o romance de Max du Veuzit. Na sua não-leitura, ele acabou, mesmo assim, por integrar o conjunto daqueles pequenos textos que me ensinaram a ultrapassar o óbvio e o imediato e a embrenhar-me na realidade outra que a imaginação nos avança (…)»

Torna-se inevitável questionar o que é feito desta capacidade de imaginar, de recriar o real a partir da leitura? Por que razão deixaram as nossas crianças de relevar mundos melhores e mais próximos daqueles que a sua pueril consciência constrói?

«(…) mas o tempo tem o dom de esculpir e dar novos contornos à matéria outrora informe, aparando as suas linhas dissonantes.»

Um simples, «Que assim seja!»

Estou convencido que, muito em breve, começaremos a ouvir e a ler sobre esta belíssima obra da autoria do virtuoso poeta e professor Urbano Bettencourt. Embora a apresentação pública ocorra a 6 de novembro, o livro já se encontra disponível nos locais habituais e plataformas digitais, pelo que urge a sua aquisição e leitura!

A todos, um abraço dos maiores!

 Urbano Bettencourt, Sala De Espelhos, Companhia das Ilhas, outubro, 2020

 

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

domingo, 25 de outubro de 2020

Outuno na Inglesa


É finitude que nos anunciam as vestes tristuras dos nossos jovens carvalhos. Em surdina, segredam-nos gratidão e despedida!

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Da ilha à América

 



Este ano ficará enodoado por razões que, de forma sobeja, todos reconhecemos, mas ficará também inscrito na história da Literatura portuguesa como um período fértil em publicações literárias, algumas, creio, em vias de ascenderem ao “Olimpo da Literatura”. Fruto de uma disponibilidade temporária conferida pelo confinamento a que todos nos vimos sujeitos, têm sido trazidas a público grandes histórias, narradas com uma pujança inusitada, e que se perfilam agora para, de forma robusta, engrandecer o corpus literário do país. Ainda bem! Ganhamos todos!

Dentre estas, torna-se inevitável referir Ilha-América, o mais recente romance de Almeida Maia, recentemente publicado pela Letras Lavadas e apresentado por dois incontornáveis vultos da literatura, especialmente daquela produzida a partir dos Açores. Autor de obras premiadas e de reconhecida qualidade como Bom Tempo No Canal: A Conspiração da Energia, Capítulo 41: A Redescoberta da Atlântida ou A Viagem de Juno, Pedro Almeida Maia presenteia agora os seus leitores com um empolgante romance urdido com base numa história verídica, robusta e de contornos surpreendentes. Não me aturdiria se esta ardente viagem de “Mané”, personagem central da narrativa, elevasse, uma vez mais, o autor até ao Plano Regional de Leitura. Com Ilha-América, Almeida Maia reclama, em definitivo, a sua posição junto dos melhores escritores portugueses contemporâneos.

Resgatando as temáticas da emigração açoriana e da busca pelo sonho americano, situando-as sensivelmente em meados do século passado, Almeida Maia dá-nos conta da arriscada história de um moço imberbe e sonhador que, por ambicionar fugir a “(…) um lugar ermo onde até às vezes a água falta (…)”, em direção às “califórnias de abundância” enceta “(…) talvez o episódio mais caricato da história da emigração.”, não olvidando neste rol a inusitada viagem descrita em O Barco e o Sonho, da autoria de Manuel Ferreira. Aliás, torna-se impossível não estabelecer paralelismos formidáveis entre estas duas narrativas já que, tanto numa como em outra, os protagonistas arriscam a vida colocando à prova a perigosidade da travessia transatlântica: uns enfrentando a fúria do mar, embarcados numa “casca de noz” de construção doméstica, outro desafiando a escassez de ar respirável a 24000 pés, oculto no vão da roda de um trem de aterragem dianteiro de um Lockheed Super Constellation. Com efeito, as possíveis similitudes e comparações que se possam efetuar entre obras, apenas virão confirmar a grandeza deste Ilha-América, ou “Ilhamérica”, como mais gostou o crítico literário e professor Vamberto Freitas que, a par do professor Onésimo Teotónio Almeida, foram os oradores convidados para a apresentação pública desta obra.

Cedo na leitura se percebe o cuidado e o rigor histórico e científico com que o autor quis alicerçar o seu novo romance, buscando, com minúcia, descrições rigorosas de cada detalhe, fossem estes de índole técnica, mormente no âmbito da aeronáutica, ou então de cariz histórico, referindo-se às vicissitudes socioeconómicas vivenciadas no país e no arquipélago nas décadas de cinquenta e sessenta do século passado. Decorrente da leitura, facilmente se perceciona uma aturada documentação por parte de Almeida Maia, confirmada no final da obra numa extensa nota de agradecimentos, o que bem revela a humildade do próprio autor. Ademais, segundo o próprio, foram dois anos a reunir informação fidedigna, de forma a que a história agora narrada fizesse jus à grande aventura do micaelense que partiu de Santa Maria rumo ao “País dos sonhos”, encafuado no bojo de um avião ao serviço de uma companhia aérea venezuelana.

Almeida Maia, servindo-se uma típica família micaelense residente no Vale das Furnas, em meados do século XX, consegue retratar uma grande porção da sociedade açoriana (e portuguesa) da época. Pobres, dominados pela autoridade paterna e sob o castrador jugo de liberdades ditado pela Ditadura salazarista buscam melhores condições de vida e partem em condições difíceis rumo à “ilha do sol”, para a designada “Little America”, ou “América emprestada aos ilhéus”, que recrudescia em torno do Aeroporto Internacional de Santa Maria, e que havia ganho grande vitalidade após o termo da 2.ª Guerra Mundial. A este propósito, e pelas mesmas razões, não é difícil trazer à memória o fluxo migratório dos pobres continentais, dirigindo-se estes para Este, com destino a países como França, Bélgica ou Luxemburgo, fugindo à fome, à pobreza, à Guerra do Ultramar e aos espartilhos instalados pela tirania nacionalista do governo de Salazar. Ainda que de forma ténue, Almeida Maia não deixa de lançar um olhar crítico sobre a sociedade política que sustinha o regime ditatorial. Expõe as atrocidades que se praticavam impunemente em prol dos desígnios da PIDE, incidindo especialmente naquelas perpetradas nas salas do Aljube, a bem da nação…

Amigo íntimo da melhor Literatura, Almeida Maia domina técnicas de escrita capazes de suster a atenção dos leitores; usa uma linguagem apurada e um discurso fluente, sobremodo cativante e apto a agarrar o leitor até à última página. Finais de capítulo em suspenso, analepses que se revelam sagazes e pertinazes são colocados ao serviço do ritmo, conferindo ao enredo a cadência desejada. Por outro lado, torna-se bastante agradável a referência a diversos temas musicais, assim como a inclusão de versos das referidas letras. O leitor regozija-se!

Não tenho dúvidas que esta será uma obra de referência para todos quantos queiram perceber o arquipélago, os açorianos, as suas vontades e ânsias mais profundas, a sua história e impulsos migratórios.

Numa troca de correspondência recente, confessava-me o autor, ainda que timidamente, julgar que crescera desde o lançamento do seu anterior romance. Não lhe respondi embora, porque lhe lera grande parte da sua já vasta obra, cri ser verdade. Neste momento e finda a leitura deste «Ilha-América», posso finalmente dizer que sim, é verdade: cresceu e ofereceu-nos um livro brilhante!

 

Pedro Almeida Maia, Ilha-América, Letras Lavadas, Setembro de 2020

 

sábado, 10 de outubro de 2020

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

EXPLICAÇÃO DA AUSÊNCIA


Desde que nos deixaste o tempo nunca mais se transformou

Não rodou mais para a festa não irrompeu

Em labareda ou nuvem no coração de ninguém.

A mudança fez-se vazio repetido

E o a vir a mesma afirmação da falta.

Depois o tempo nunca mais se abeirou da promessa

Nem se cumpriu

E a espera é não acontecer - fosse abertura -

E a saudade é tudo ser igual.


Daniel Faria, 《Poesia》, Assírio e Alvim, 2° ed., 2015

domingo, 17 de maio de 2020

RUA DE PARIS EM DIA DE CHUVA


«(…) estar morto não é relevante; o que é relevante é que as pessoas se amem.»

O meu contacto com a escrita de Isabel Rio Novo é muito recente. Aconteceu via digital e já em período de pandemia, quando a autora principiou, numa rede social, uma espécie de diário intitulado Os dias das árvores. Devo confessar que foi uma leitura esperada com entusiasmo diário, já que as quarenta entradas lá inscritas se encontram marcadas por um bom-gosto e requinte contagiantes. Fiz questão de lho transmitir. A sua escrita harmoniosa e tantas vezes sensorial estimulou-me a curiosidade e conduziu-me a outros trabalhos seus. Percebi que, não fosse a pandemia que nos assolou e a todos nos confinou, teria já acontecido o lançamento nacional do seu último romance «Rua de Paris em Dia de Chuva», publicado pela D. Quixote.
Recorrendo ao empenho, disponibilidade e bons serviços constantes da livraria Leya SolMar, consegui um exemplar, que li com avidez e raro entusiasmo. Não subsista, porém, a ideia de que esta será uma leitura rápida, porque, de facto, não é.

O romance encontra-se estruturado sobre a vida e a obra de um dos nomes mais relevantes do Impressionismo, o milionário Gustave Caillebotte, pintor, contemporâneo, amigo e, tantas vezes, mecenas de outros sequazes do movimento como Monet, Edmond Renoir, Camille Pissaro, Manet, Edgar Degas ou a americana Mary Cassatt. Longe de se esgotar numa aturada biografia do pintor, Rua de Paris em Dia de Chuva afigura-se como um documento de enorme valia no que à perceção do movimento impressionista concerne, desde logo as suas origens, os seus partidários e declarados inimigos, técnicas e motivos de pintura. Tudo isto nos é oferecido pela autora com generosidade e, a cima de tudo, com a propriedade de quem – e  justeza lhe seja dirigida – se dotou, domina e relaciona o vasto conhecimento histórico e artístico, brotado do chão parisiense, na ressaca das convulsões políticas, sociais e económicas que por ali foram perpetradas durante o século XIX e com a chegada do Segundo Império, os bombardeamentos à capital, o cerco da cidade, a consequente derrota na Guerra franco-prussiana e a sequente criação da Comuna de Paris.

Este há de ficar na história da literatura portuguesa como um daqueles romances cujo tempo ganha redobrada importância na compreensão integral da obra. A autora, através de um interessante e não menos apurado manuseamento da linha cronológica, gere a narrativa a partir de diferentes períodos, colocando-os ao serviço da própria história narrada. É entremeando o tempo da narração com o tempo dos acontecimentos factuais passados, que o texto se vai desenvolvendo, desde os primórdios da família Caillebotte, concretamente, desde o seu bisavô Pierre. Registe-se, contudo, que poder-se-ia «(…) principiar antes, mas há sempre um tempo que definimos como o princípio (…)». De sublinhar a interessante postura da narradora que, por diversas ocasiões, assume fazer parte de um tempo que não é o dela. Não será pelo distanciamento temporal, que ela deixa de se colocar em cena, de fazer parte do enredo e até de se autorresponsabilizar pelo próprio decurso dos acontecimentos, e tudo porque sente uma real aproximação a Gustave, por quem nutre um especial sentimento de amor, mesmo que à distância, porque para si «(…) estar morto não é relevante; o que é relevante é que as pessoas se amem.». Será por essa razão que considera que «(…) é por isso que vale a pena escrever livros, para poder conversar à distância com aqueles que amamos e que não são do nosso tempo. Que triste e pobre seria a vida se as nossas afeições estivessem limitadas àqueles com quem nos cruzamos realmente. Que longos nos pesariam os dias se aqueles que morreram antes de nós estivessem mesmo ausentes.»

Outro dos destaques neste romance é o espaço. Ele é múltiplo, mas, na essência, respeita, cronologicamente, o percurso da família Caillebotte, desde os primórdios em Domfront, na Normandia, passando pela toda arejada Paris de Haussmann com os seus modernos bulevares, até aos ambientes mais recatados e frescos, quer de Yerres, quer de Petit Gennevilliers. Excetuando o primeiro, todos os outros são descritos como espaços ricos, decorados de forma refinada, típicos da emergente classe burguesa da época, da qual Gustave fazia parte integrante por via da colossal fortuna alcançada pelo pai – Martial Caillebotte – um self made man, e, curiosamente, a personagem que mais interesse me despertou.

Ao longo da obra, a narradora descerra um número muito significativo de títulos de quadros, pintados pelos criadores já aqui referenciados ou por outros a quem não é atribuído tanto destaque. A acompanhá-los quase sempre algumas notas técnicas que adquirem intensificado interesse, já que da própria narrativa emerge a justificação de tais apontamentos. A este propósito, refira-se que há um constante equilíbrio entre a análise aos quadros, levada a efeito por Helena (professora de História de Arte, especialista em Caillebotte, e a quem a Autora recorre com alguma frequência para se documentar na redação do seu romance) e aquilo que vai sendo narrado pela própria narradora.

A minha leitura, e assumindo desde logo a minha diminuta erudição no que ao Impressionismo se refere, levou o seu tempo, porque fiz questão de a efetuar sempre com a Internet em modo on. Torna-se bem mais interessante a leitura quando acompanhada da referência pictórica.

Pese embora a componente ficcional inscrita por Isabel Rio Novo, este texto apresentar-se-á sempre como uma fonte privilegiada sobre o movimento impressionista e seus expoentes mais cintilantes, dos quais, durante muitos anos, se excluiu Gustave Caillebotte. Tal como o próprio movimento, que sentiu dificuldades de aceitação pela sociedade que restringia a arte àquela apresentada no “Salão”, não abrindo espaço aos novos talentos que rompiam com o ditame, também o pintor milionário, formado em Direito, engenheiro e construtor naval, horticultor e político, velejador premiado e colecionador de selos e de obras de arte (mecenas dos seus colegas, comprando-lhes os invendáveis), era apontado como um mero companheiro e financiador de pândegas dos tidos como verdadeiramente impressionistas talentosos.

Este é um grande romance, que deve ser lido com o tento devido, não colocando, no entanto, de parte uma apreciação “sem moderação”, como diria uma grande amiga da Literatura em geral e da poesia em particular, e deve começar desde logo pela capa, quadro pintado pelo próprio Gustave Caillebotte, e que, generosamente, empresta o título ao livro.

Isabel Rio Novo, Rua De Paris Em Dia De Chuva, D. Quixote, Lisboa, 2020 

terça-feira, 12 de maio de 2020

E DEUS TEVE MEDO DE SER HOMEM


- Se eu fosse Deus, não teria feito o Mundo assim.
 (in E Deus Teve Medo de Ser Homem)

Escrita pelo professor Daniel de Sá, esta novela apresenta-se como um documento singular, factualmente rico, e de tributo a um povo perseguido, humilhado e, repetidamente, dizimado!

A história do povo judeu é-nos aqui descrita em dois planos temporais distintos. São relatados dois momentos históricos de persecução, de aniquilamento, de subjugação. Resistindo a um arranjo cronológico fácil, Daniel de Sá intercala o seu relato, dando-nos conta quer do extermínio judeu levado a efeito pelos alemães Nazis de Hitler, em pleno Holocausto, ou “[…]“Shoa”, a palavra hebraica que os Judeus, mais propriamente do que nós, usam para designar o “Holocausto”, e que significa “Catástrofe”.”, quer do aniquilamento exercido pelos romanos, quase dois mil anos antes de II Guerra Mundial.

O autor centra a ação da novela nas atrocidades cometidas no Campo de Concentração de Auschwitz, e brinda-nos com um relato emocionado, vivo, comprometido com o descrito, o que não deixa de ser revelador da sua enorme sensibilidade e humanismo. Como referiu Joaquim Matos numa recensão à obra, “Ele fala-nos das coisas como se as tivesse vivido, como se as tivesse sentido em situações concretas, com as feridas delas decorrentes ainda abertas, no corpo e na alma.”.

Daniel de Sá consegue, de forma singular, intercalar factos de enorme relevância histórica para a Humanidade, com a ficção que vai, paulatinamente, imprimindo no seu discurso: “[…] o que acontece na novela de Daniel de Sá é o equilíbrio perfeito entre o historiador e os factos históricos e entre o ficcionista e a ficção.”, como afirma a amiga Susana Antunes, num olhar sobre esta obra.

Pela voz de Aharon Csánady Halévy, ou melhor dito, pelas memórias do padecimento deste sobrevivente ao Holocausto, Daniel de Sá parte para uma profunda análise sobre a condição humana, sobre os limites de sofrimento que poderá um homem experienciar no limite da sua vida, e sobre a implicação dos mesmos na sua existência posterior: “A minha debilidade era tão grande que julgava que morria a qualquer momento.”.

O autor conduz-nos, então, à reflexão sobre este padecimento através de um conjunto de memórias escritas pelo próprio Aharon. Paradoxalmente, a personagem tê-las-á escrito para delas se esquecer e, de alguma forma, se libertar de um passado medonho, aceitando-o, irremediavelmente: “Um homem não pode nunca esquecer voluntariamente. No entanto, eu quis fazê-lo, como quem apaga umas páginas mal escritas, mas quanto mais tenta o esquecimento por refúgio mais recorda o que não queria recordar.”.

É notória na personagem uma certa resiliência, uma aceitação de um passado que foi hediondo, e uma consciência de que o mesmo lhe moldará sobremodo a existência, nos anos subsequentes ao cativeiro. Percebe-se ainda que, só a aceitação imperativa desse passado, permitirá uma vivência digna, ditosa e, de uma forma muito otimista, até feliz! “E, depois disto, talvez eu consiga tocar violino novamente.”.

Em E Deus Teve Medo de Ser Homem, Daniel de Sá eterniza um extraordinário paralelo entre a humanidade separada por quase dois milénios.

Valendo-se de uma personagem mística – que afirma ser o próprio Filho de Deus –, o autor produz um relato pautado ora pelo rigor histórico, ora pela ficção, sobre o período de pregação e morte do próprio Jesus Cristo. Se, nessa altura, os romanos foram capazes das maiores crueldades, passados quase dois mil anos, os alemães Nazis não se mostraram mais humanos do que os primeiros; se aqueles não revelaram grande pudor em maltratar, perseguir e, até, crucificar judeus, sem quaisquer evidências que o justificassem, estes mostraram-se completamente impiedosos, frios e inumanos ao assassinarem milhares de judeus, só em Auschwitz. Uns mataram pela cruz, outros valeram-se dos crematórios!

E Deus Teve Medo de Ser Homem é uma novela avassaladora, um retrato cru de dois períodos particularmente negros desta humanidade em evolução. Decorrente da sua leitura, é percetível o grotesco retrocesso civilizacional a que uma mente brilhante, mas completamente perturbada, nos sujeitou, em meados do século passado.

A expensas do brutal padecimento de todo um povo, foi percebida tardiamente a ignomínia e a perigosidade de discursos racistas, xenófobos de índole separatista, e dos quais julgávamos estar a salvo. Lamentavelmente, o presente oferece-nos sinais de alerta, bem mais próximos e arreigados do que seria desejável, o que nos leva à questão: até quando estaremos seguros?

No crepúsculo da II Grande Guerra, concretamente, em 1946, Primo Levi lembrava, em A Trégua, o "breve submisso / toque da alvorada", prognosticando que “Em breve ouviremos de novo / O toque de comando estrangeiro: / «Wstawać»” ou o “chamamento”.

Estejamos alerta, portanto!

A terminar, deixo-vos transcrita a INVOCAÇÃO que o próprio Daniel de Sá nos oferece:
«Nenhum livro fica completo sem o leitor. Dos que já escrevi, este será, sem dúvida, o que mais há-de depender da maneira como for lido para que tenha valido a pena escrevê-lo.»

[publicado em nov. 16 e revisitado em maio 20]

Daniel de Sá, E Deus Teve Medo de Ser Homem, Ed. Salamandra, 1997

domingo, 3 de maio de 2020

ENLOUQUECER É MORRER NUMA ILHA

Filho da disponibilidade e bons serviços da livraria Leya SolMar, chegou-me esta semana a obra Enlouquecer É Morrer Numa Ilha, da autora micaelense Maria Brandão.
Confesso que sentia alguma curiosidade nesta leitura, fruto, sobretudo, das conceções formalizadas a partir do seu antecessor, Corpo Triplicado, (2018), ambos editados pela Companhia das Ilhas.
Este é um livro de fugas! Este é um livro de partidas! Este é um livro onde se maneia a busca da felicidade. Este é, portanto, um livro sobre a condição humana.
A diegese assenta num espaço partido em diversas geografias mundiais, embora haja uma substancial preponderância entregue à dicotomia entre um espaço ilhéu, encarado como opressivo, e a sempre airosa, cosmopolita e não menos libertadora atmosfera suíça.
Ao longo do texto, distingue-se claramente o antagonismo entre ambos; embora de natureza europeia, um e outro não se poderiam apresentar mais afastados entre si, e não apenas no que à questão económica se refere. Aliás, não será esse o principal motor de fuga de grande parte das personagens, antes a busca de uma redenção individual, bem longe do useiro insular.
A ilha é tida como espaço nefasto, castrador e do qual se torna imperioso abalar. É um espaço feio e imundo, causador de “repulsa de tão decadente”, um local onde se propaga o preconceito desmedido; onde se percebem os esgares trocistas e as risadas galhofeiras. Um sítio onde os dedos são apresentados em riste àqueles que ousam a diferença. Um local povoado por “gente feia, patibular, banhas a transbordar de gangas apertadas, bocas abertas em carantonhas desdentadas.” Ali o sufoco é em demasia e sente-se o anseio de evasão. “Doentio é este lugar. Tens de perceber uma coisa: aqui a nossa vida e examinada desde o berço, a nossa privacidade devassada com meticuloso frenesim. Aqui a mentira surge ao ritmo dos olhares cruzados dos vizinhos, os boatos propagam-se como o fedor a bosta e enxofre”.
Por outro lado, é-nos servido um cenário cosmopolita, sofisticado e liberal num dos países mais ricos do mundo, e onde convivem harmoniosamente milhões de pessoas de múltiplas nacionalidades. Um local onde as personagens se assumem integralmente, abrigadas de preconceitos, de culpas e de opressões injustificadas. Um espaço onde se dá o encontro com o tão desejado sossego, onde todos já perceberam e agem de acordo com a noção de que a diferença não é para ser tolerada, mas antes para ser aceite.
Em Enlouquecer É Morrer Numa Ilha, assiste-se à consistência de um estilo arrojado, impactante e, de alguma forma, disruptivo, inteligível já em Corpo Triplicado, e ao qual a autora parece dar preferência, colocando-o ao serviço de temáticas que, sendo controversas, são também o retrato de uma sociedade que se esforça por manter em equilíbrio as aparências que lhe conferem estabilidade.
Divórcios, traições, homossexualidade, múltiplas relações, homofobia, oportunismo, refugiados, casamento por interesse são alguns dos temas abordados e nenhum é tratado de forma simplista, ou sequer descrito com recurso a floreados ou eufemismos: “A mulher com sexo escrito na testa, determinada a não passar as noites sozinha, consumia o séquito de admiradores como triângulos de Toblerone ao domingo: com sofreguidão e um remorso difuso que combatia com uma aula de aero kick, um pai-nosso e três avé-marias.”
Em momento algum é nomeada a ilha, mas facilmente se reconhecerão similitudes com o quotidiano açoriano e micaelense, em particular. Não raras vezes, o leitor (insular e não só) sente-se arremessado para diante de um espelho e, a partir de lá, impelido a uma autorreflexão, por mais superficial que ela seja, questionando-se sobre a sua forma de ver e, sobretudo, de lidar com a diferença.

Maria Brandão, Enlouquecer É Morrer Numa Ilha, Companhia das Ilhas, 2020

domingo, 26 de abril de 2020

Flores de Quarentena

Cumpridas as cada vez mais compridas obrigações profissionais e domésticas, decidimos - a Susana e eu - dar um passeio pela mata que nos rodeia a casa. Assim que se apercebeu da saída iminente, o Filipinho ficou felicíssimo e correu de imediato para o portão. Regozijava e, em boa verdade, nós também! Nestes dias de confinamento, estes espaços circundantes granjeiam uma dimensão que até agora não possuíam. Hoje, vemo-los como uma extensão benigna da nossa própria liberdade, e facilmente percebemos a sorte que temos, comparativamente com a de alguns amigos que se veem obrigados a cumprir o distanciamento social confinados em pequenos apartamentos citadinos.
A tarde terminava, mas nem por isso se apresentava menos convidativo o passeio. O sol, ainda alto, aquecia-nos a pele acendendo uma sensação de benévolo conforto, e à medida que nos embrenhamos na vegetação, o chilrear dos pássaros convertia-se na melodia perfeita. 
Saímos com a intenção de colher flores. A Susana gosta muito de iluminar a sala com jarras vestidas de todas as cores. Embora não mo diga, sei que aprecia também o perfume que se adentra, assim que as coloca no local que lhes estava destinado há muito. Ela sabe fazer aqueles arranjos, quase profissionais, combinando verdura e flores na medida exata. Eu também gosto de as ver ali, assim como de sentir o seu perfume pela casa, mas o que mais aprecio é o tempo partilhado e, essencialmente, as memórias que, a partir delas, o Filipe e nós mesmos vamos criando.
A Susana colheu uns jarros viçosos e novos. Aguentarão uns bons dias. O Filipe e eu escolhemos uns malmequeres-amarelos.
Hoje foi um dia bom!

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Os dias adejam


Os dias adejam mais ou menos indistintos por um calendário cada vez mais comprido e de contornos sobejamente desconhecidos.
Ao contrário do que vamos lendo aqui ou vendo acolá, cá em casa, ainda não nos rebelamos contra toda esta situação: temos encarado este período de quarentena de forma tranquila, mas, ao mesmo tempo, de forma responsável e profundamente crítica, por não ser coisa pouca a que está em risco! Ao contrário do que temos percebido, consideramos pouco prudente a tomada de decisões precipitadas e denunciadoras de um cansaço excessivo, fruto do confinamento, e que se traduzem num sobejo de confiança, que nos parece injustificado e até perigoso, colocando mesmo em causa o esforço de tantos ao longo de tanto tempo. A este propósito, não percebemos como pode alguém ponderar a abertura de escolas ao mesmo tempo que se encerram de forma compelida lares de idosos e outras instituições iminentemente em risco de contágio generalizado. Simplesmente não nos parece correto…
Atendo-nos ao que podemos controlar, criámos as nossas novas rotinas e, talvez por isso, estejamos a conseguir lidar com esta realidade com relativa harmonia respirando, até, com alguma confiança. A presença constante do Filipinho tem-se revelado uma ajuda formidável; o labor e a atenção a que nos sujeita rege-nos a maior parte do dia e, depois de cuidarmos dele e de atimarmos outras responsabilidades quotidianas e profissionais, resta-nos pouco tempo, que procuramos aproveitar da melhor forma.
A Susana tem aprimorado a cozedura de pão, e eu continuo a fazer os iogurtes. O dela está cada vez melhor, os meus não passam daquilo! Para além das façanhas culinárias e dos afazeres domésticos tradicionais, temos reservado tempo para a escrita e mantido algumas leituras em dia: aguardo – com ânsia assumida – pelas entradas nos diários “Os Dias das Árvores”, de Isabel Rio Novo, e no “Mensagem do avô”, de António Mota, assim como procuro não perder um capítulo do recente projeto “Bode Inspiratório”. Para além destas preciosidades digitais, encetei a leitura de «O Beco da Liberdade», de Álvaro Laborinho Lúcio, e percebo agora por que razão o próprio fez questão de sublinhar repetidas vezes, no lançamento da obra em Ponta Delgada, que o texto em nada era autobiográfico… Um tratante, aquele juiz Guilherme Augusto Marreiro Lessa.
Temos procurado lembrar que este tempo de quarentena é também de Quaresma e que se vive, a partir de hoje, o Tríduo Pascal.
Decidimos manter as tradições que conseguirmos e, sob o olhar curioso do nosso pequeno Filipe, tingiremos hoje os ovos de Páscoa, usando, como em casa materna, cascas soltas de cebola. A Susana não conhecia esta tradição nortenha, mas vive-a com redobrado empenho, o que me deixa bastante satisfeito. Fruto dos tempos e do tempo, mercámos, por correio eletrónico, as provisões necessárias e confecionaremos um almoço pascal que se assemelhe o mais possível ao que as nossas mães fariam, com gosto redobrado, para toda a família.  Na lista incluímos um pão de ló de Margaride e um de Ovar, uns pacotinhos de amêndoas e um ovo de chocolate para o Filipe. A mãe achou-o demasiado grande, eu olho para ele e vejo um miminho em jeito de recompensa por tudo o que lhe é subtraído esta Páscoa!
O Livro dos Livros também já está aberto na página certa. O texto exposto será Evangelho da missa dominical e é segundo São João. Embora não devesse ser necessário, vem recordar-nos que a morte foi vencida pela ressurreição e que, nessa medida, há que ser paciente e ter esperança em dias melhores!

terça-feira, 14 de abril de 2020

Dias atípicos

Vivemos dias atípicos, conturbados e de certezas escassas. Editam-se umas rotinas, enquanto outras, as mais sacramentais e de razão pueril, são mantidas com afinco e alguma resiliência.
Temo-nos desdobrado: a Susana está, como eu, a trabalhar a partir de casa; o Filipe, infatigável e satisfeito como nunca o víramos, retém-nos constantemente a atenção e o olhar. Está tão bonito e mostra-se tão feliz! Temos confecionado todas as refeições e temos sabido manter a casa nos parâmetros de arrumação e limpeza a que a nossa Sónia nos habituou...
A Susana fez pão e eu iogurtes!
O relvado está aparado e sem trevo. Dei cabo das costas a mondá-lo, mas, pela primeira vez em quarenta anos, arriguei um de quatro folhas. Lembrei-me, de imediato, daquele terceto do Emanuel Jorge Botelho: "já restam poucos trevos inteiros. / daqueles que dão quatro folhas / às cinco letras da sorte.". Tão bonito! Sequei a relíquia e guardei-a junto do poema!
Os carros estão lavados, a bicicleta e a mota oleadas. Também montamos um baloiço para o petiz, oferta dos tios e que esperava há tempo o tempo certo.
Temos visto as notícias, respeitado as indicações que nos são prestadas e lamentado o evoluir desta situação. Ouvimos o número de mortos aqui e além e, de imediato, averiguamos se esse número é inferior ao do dia anterior… Atemo-nos ao número… Meu Deus, será por aqui que começa a nossa desumanização? Quero crer que não. Com efeito, fazemo-lo, porque nos queremos imbuir da esperança ingénua de que este pesadelo está a chegar ao fim. Mas não está. Não me parece que este vírus esteja a dar sinais de abrandamento.
Temos acreditado no profissionalismo das pessoas que, pela responsabilidade que assumiram, têm combatido este vírus nas linhas mais avançadas desta guerra.
 Para além de tudo isto, temos feito algumas leituras. Terminei «A Trégua», do Primo Levi e, adindo-lhe as considerações que havia formulado do «Se Isto É Um Homem» – o seu precursor – sublinhei a ideia de que a humanidade está a ser, uma vez mais, colocada à prova. As grandes batalhas travamo-las agora, com lamentáveis perdas e inevitáveis privações, enquanto a caminhada final que nos conduzirá de regresso a casa, fá-la-emos mais tarde, só mais tarde, mas munidos da certeza de que nada será igual…
Mia Couto escrevia “Não se regressa nunca (…)”, mas o trevo continuará a aparecer e o relvado continuará a precisar de monda…

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

A Vida no Campo – Os Anos da Maturidade Volume II


A propósito do diário A Vida no Campo, do escritor terceirense Joel Neto, escrevi em 2016 que, tal “Como Torga conseguiu engarrafar o sol que brilha sobre o “rio de oiro”, também Joel Neto conseguiu aprisionar em A Vida no Campo, a essência da ilha, a essência de todo um arquipélago e de tudo isto a que, comummente, designamos por ser ilhéu!”. Continua atual! Ainda bem!
Finda a leitura do volume II deste diário, parece-me justo aditar que o autor vive em demanda de uma certa redenção que lhe parece escapar a cada entrada que vai acrescentando. Ao folhear cada uma das páginas, é notória uma ânsia visceral de reencontro com o passado. Poder-se-á afirmar haver uma necessidade primária de contacto com o tempo ido, já que é desenvolvido um trabalho robusto no sentido de recuperar e perpetuar essa memória de uma realidade há muito vivenciada mas que, paralelamente, existe ainda – e bem arreigada –, constituindo o quotidiano de muitos dos que o autor conhece, respeita e quer enaltecer. No fundo, quererá exaltar a lembrança daquele que também ele já foi, bem antes das memórias lisboetas, universitárias, jornalísticas…
Não subsista, contudo, a ideia de que este segundo volume (ou o anterior) se limita a uma escrita complacente e caridosa para com os terceirenses, concretamente, para com os do lugar dos Dois Caminhos, na freguesia de Terra Chã. Ao invés, ficaram imortalizadas nestas páginas sentidas homenagens e honestos tributos aos homens e mulheres que, com o autor, repartem a serenidade bucólica que ali se pode espreitar, mas também que dali arrigam à terra, e à força do braço, o sustento de cada dia.
 Mesmo em outras obras suas, onde a trama diverge para outras geografias, é notória a relação umbilical que o autor conserva com a ilha de Jesus Cristo e com os Açores: ele parte sempre da ilha; ele sedia-se no arquipélago; ele coloca os Açores como centro do seu imaginário para, a partir desse ponto e valendo-se da mundividência que foi acumulando, encetar o relato das suas experiências com aquela voz tranquila que caracteriza as suas diegeses. Neste segundo volume de A Vida no Campo não é diferente e, seja em Lisboa ou San Jose, New Bedford ou Providence, em Ovar, Torres Novas ou Óbidos, Freiburg im Breisgu ou Porto Alegre, Joel Neto não se consegue dissociar da sua açorianidade, da sua condição de ilhéu açoriano da Terceira, da freguesia Ribeira Chã, filho pródigo do lugar dos Dois Caminhos, embora suspeite que esse nunca terá sido o seu desejo…
Tal como no outro volume, a cada entrada deste diário é-nos servido “um retrato pictórico altamente contagiante e esteticamente belo, sem abdicar, jamais, de um realismo e veracidade ímpares”, ilustrando, dessa forma, o que ainda é a vivência quotidiana em qualquer uma das nove ilhas dos Açores.
O segundo volume deste diário ganhou o apêndice «Os anos da maturidade», o que na prática lhe assenta muito bem, dada consistência que a escrita do autor vem adquirindo de obra para obra. Pese embora tenha falhado a leitura de um ou outro livro seu (dos de início de carreira literária), creio que será seguro falar de um Joel Neto anterior a Arquipélago e de um outro posterior a esse que será o seu primeiro grande sucesso nacional, a que se seguiu o incontornável Meridiano 28, na minha opinião, a sua Magnum opus até à data.
Em jeito de remate, e porque ainda me faz todo o sentido, ouso terminar da forma com que finalizei o comentário à leitura do primeiro volume deste diário:
“Com as devidas cautelas e distanciamentos que a geografia literária impõe, talvez os mais afoitos possam agora afirmar que, com o livro em punho, sair-se da ilha não mais seja a pior forma de nela ficar: poderemos agora levá-la connosco, transportá-la um pouco mais próximo do coração, à distância de uma leitura fugaz, arrebatada e, porque não, apaixonada!”
Ao autor, outra vez, os meus parabéns!

Joel Neto, A Vida no Campo – Os Anos da Maturidade, Cultura editora, 2019 
Telmo R. Nunes