Não há muitos dias, e a propósito de um outro livro,
contrariei a opinião, cada vez mais arreigada, de que o conto estaria
ultrapassado, que se encontraria em franco declínio e de morte anunciada por
não ser vendável nem atrativo aos olhos dos leitores. Continuo a pensar da
mesma forma. O género está vivo e a verdade é que nos têm chegado obras de
qualidade superior que comprovam esse vigor literário.
O mais recente exemplo e, seguramente, um dos mais aguardados,
foi o Avenida Marginal - Ficções, Ponta Delgada, que segue já no seu segundo
número, sucedendo ao do ano de 2019 e que inaugurou uma série fascinante e que
se espera duradoira.
Se a estreia da coletânea se deu com a pujança e sucesso que
todos reconhecemos, colocando o desafio dos “novos” num patamar de excelência, os
contistas deste ano não se atrapalharam e conseguiram manter a fasquia o que,
em abono da verdade, se afigurava tarefa hercúlea.
Assumindo novamente o ar de homenagem à cidade mais populosa
dos Açores, esta compilação reúne a voz de onze autores tão singulares como
João de Melo, Judite Canha Fernandes, Catarina Ferreira de Almeida, João Pedro
Porto, Eleonora Marino Duarte, Daniela Sousa Medeiros, Bernardo Rodrigues,
Diogo Ourique, Gina Ávila Macedo, Ana Monteiro ou Daniel Gonçalves. Tal como no
número que lhe antecede, repete-se a aposta numa mescla de nomes consagrados
com outros que, não sendo escolhas óbvias, se mostraram capazes de, fruto do
trabalho, empenho e, inevitavelmente, bastante talento, conferirem aos seus
textos versatilidade criativa, assumindo-se aptos a “criar ficções densas e
muito bonitas, enredos curtos mas largos em significado, o que me parecem ser
condições fundamentais na produção textual dentro desta tipologia ou género
literário de características tão peculiares”.
Como diria uma amiga e profunda conhecedora da literatura de
raiz açoriana, confesso que apreciei sem qualquer moderação os onzes contos que
nos são apresentados e, de todos, retive considerações que guardarei apenas na
memória, assim me instiga a civilidade e o facto de não querer assumir o
ingrato papel de spoiler perante os futuros leitores da obra. Não obstante,
quero sublinhar a coragem com que se traz à esfera literária (e também pública)
temáticas que, por representarem lutas pessoais, ganham aqui redobrado valor!
Com este segundo número de Avenida Marginal – Ficções,
Ponta Delgada, esta coletânea cimenta a sua posição no rol de iniciativas que engrandecem
literariamente o arquipélago, a par de outras, das quais se destacariam os
Colóquios da Lusofonia, o Arquipélago de Escritores, os diferentes Prémios
Literários, a Festa do Livro dos Açores ou o Plano Regional de Leitura.
Esta obra vem corroborar a ideia, cada vez mais assumida, de
que urge olhar o arquipélago literário dos Açores além de Antero Quental,
Natália Correia ou de Vitorino Nemésio. Apesar de considerar que a estes se
devam reservar lugares cimeiros e reguladores, há muitos valores a despontar e
outros já bem vincados neste chão a que muitos já arriscam chamar de literatura
açoriana. Procuremo-los, com a garantia de que as nossas ânsias literárias não
sairão defraudadas, bem pelo contrário.
Está de parabéns a editora Artes e Letras, na pessoa da
Maria Helena Frias, que soube “resistir e insistir”, apesar de todas as
adversidades. Como ela: “Queremos literatura. Queremos cultura.”
Sem comentários:
Enviar um comentário