Já o havia escrito e volto a
sublinhar que não terá sido por mero acaso que Márquez foi laureado com o
Prémio Nobel da Literatura. Consegue uma escrita fabulosa, é capaz de
transportar qualquer leitor seu ao espaço onde decorre a acção narrada. Se no
anterior (“Memória das minhas putas tristes”) me criou essa sensação, neste
melhor o conseguiu. Se é descrita a chuva, temos a impressão de estarmos
encharcados, se é narrado o calor abrasador parece que o sentimos na pele. Ele
consegue, de alguma forma fantástica, prender o leitor desde a primeira à
última página, sem que para isso se veja obrigado a imaginar um emaranho muito
avultado ou volumoso, o que na perspectiva de muitos dos seus críticos é uma
lacuna sua. É verdade que tanto num como noutro livro lidos, o enredo não é
denso, mas é aprimorado. É simples, e julgo que o próximo também o será…
Neste, é relatado o dia-a-dia duma
pequena povoação Sul-americana, muito provavelmente da sua Colômbia natal, uma
aldeia perdido junto a um rio, onde começam a surgir pela madrugada pasquins,
bilhetes anónimos, nas portas dos vários habitantes, onde se denunciam antigos
segredos de família, traições, filhos bastardos, corrupções, enfim, segredos
que todos sabem mas que ninguém ousa pronunciar. Ora, um destes pasquins é
motivo de um cruel assassinato, e a partir daí surge uma descrição
absolutamente genial dos receios que pobres e eminentes cidadãos sentiam de
serem os próximos a estar na berlinda, todos tinham de alguma forma “o rabo
preso”, pelo que cair na “boca do povo” dessa forma, nunca seria pelos motivos
mais bonançosos.
É feita uma descrição social
riquíssima. Márquez traz a público a corrupção policial e judicial, satiriza
com o clero, coloca a nu a pobreza extrema de milhares em perfeita sintonia com
a abundância, com a riqueza de alguns apenas, revela fortunas conseguidas à
custa de operações fraudulentas, por outras palavras, é aqui elaborada uma
sátira extremamente sagaz à maioria dos governos Sul-americanos da altura.
Mais uma vez gostei, e por isso nada
como o recomendar, até porque é uma obra que se lê com muita facilidade e
sobretudo com muito entusiasmo.
dez.08
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