segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Uma dor tão desigual



Isto de optar pela vivência mágica nas ilhas acarreta as suas desvantagens. Os livros, por exemplo, chegam acompanhados pela demora da novidade. «Bom, esse é um livro editado este mês. Já o encomendámos à editora, pelo que devemos estar prestes a recebê-lo», o que na prática significa esperar por ele uns quinze a vinte dias, pelo menos.
Não refilo, nem tão-pouco fico chateado. Aprecio muito o esforço que as nossas livrarias fazem por manter providos os anseios dos seus leitores. À distância de um telefonema rápido, ‘encomendo-o’ à minha mãe que, por norma, compra um para si, também, e recebo-o em dois ou três dias.
Com este foi assim! Queria reencontrar o Nuno Camarneiro, o Gonçalo M. Tavares, o Richard Zimler… Mas queria, sobretudo, ler sobre o “Jaca”, o personagem que empresta o nome ao título do conto do ‘nosso’ Joel Neto. Queria saber por que razão havia “Jaca” de integrar este rol de contos fabulosos, num projeto tão peculiar quanto este, instigado pela Ordem dos Psicólogos Portugueses.
Estou feliz porque não esperei. Em boa hora o ‘encomendei’ à minha mãe. Espero que, como eu, também ela se tenha arrepiado ao lê-lo!  

Telmo R. Nunes
17|outubro|2016

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

A Vida no Campo, de Joel Neto



Como Torga conseguiu engarrafar o sol que brilha sobre o “rio de oiro”, também Joel Neto conseguiu aprisionar em, “A Vida no Campo”, a essência da ilha, a essência de todo um arquipélago e de tudo isto a que, comummente, designamos por ser ilhéu!


Tal como o fizera em “Arquipélago”, o autor volta a engalanar a ilha. Por ele, e valendo-se da sua escrita – aparentemente simples e escorreita –, a Terceira torna-se ainda mais bela e apetecível:
«Viemos por quatro ou cinco anos e, agora, quatro ou cinco anos não vão bastar.» 

Cada entrada deste diário surge-nos como um retrato pictórico altamente contagiante e esteticamente belo, sem abdicar, jamais, de um realismo e veracidade ímpares, do que será a vivência quotidiana no Lugar dos Dois Caminhos, na ilha Terceira:
 «Se me pedirem para reduzir ao essencial a diferença entre o campo e a cidade, então aí está ela: o efeito que tem em nós uma sirene no horizonte. Na cidade, é apenas mais uma sirene. Aqui, há uma boa hipótese de se tratar de alguém que conhecemos, talvez até de alguém que estimamos.» 

 O seu ato discursivo, verdadeiramente apaixonado e completamente comprometido com a ilha, não deixa de ser revelador do longo êxodo a que o autor se viu sujeito. Dir-se-á que o seu regresso é aqui amplamente festejado, mesmo sem o ser verdadeiramente:
«Mas comê-la [alcatra] na cozinha da infância, servida desta vez não a um filho de visita mas a um filho regressado, foi como começar de novo. Sabia-me a terramotos e a redenção.», ou ainda, «Tornei-me um turista em Lisboa e, de súbito, Lisboa ficou linda.»  

Pela sua capacidade insigne de mapear sentimentos, pela aptidão em transformar casuais reencontros em quadros verdadeiramente afetivos, pela forma como o próprio autor se oferece à ilha – aos seus costumes e tradições –, não será, pois, desacertado afirmar-se que Joel Neto está indelevelmente ligado à sua própria ilha, e ainda bem, arrisco!

Com as devidas cautelas e distanciamentos que a geografia literária impõe, talvez os mais afoitos possam agora afirmar que, com o livro em punho, sair-se da ilha não mais seja a pior forma de nela ficar: poderemos agora levá-la connosco, transportá-la um pouco mais próximo do coração, à distância de uma leitura fugaz, arrebatada e, porque não, apaixonada!

Ao autor, os meus parabéns!
Vale a pena ler autores açorianos!