quinta-feira, 31 de outubro de 2013

no picnic today


A Toca




Em pouco mais de duas semanas li, reli e voltei a ler o conto A Toca de Franz Kafka. Três foram as vezes e a cada uma delas a angústia em mim aumentou de forma vertiginosa. Não sou capaz de assimilar a mensagem na sua íntegra… A cada leitura “nasce” uma interpretação ligeiramente diferente da que havia feito anteriormente, e isso incomoda-me de uma forma que me é completamente estranha, nova e que, devo dizer, não gosto!
Percepciono parte missiva: o formato metafórico homem – bicho; a tentativa de isolamento da humanidade cruel; a busca incessante da perfeição; a criação de um refúgio imperscrutável ao próximo; o desgaste físico e o desleixo/arrependimento advindos da idade, tudo isso concebo, mas creio que algo mais há…
Há um “ruído” no final da obra, um factor tormento ao narrador… Hum… Não consigo alcançar o seu conteúdo, não leio essas entrelinhas e sinto-me agastado!
Para além da sinopse oficial, encontrei alguma informação adicional à obra mas diminuta e de qualidade deveras questionável, o que mais me acrescenta uma certa revolta!
É do meu conhecimento que o Sr. K. pereceu antes de terminar o texto, mas há autores que ousam escrever que “a obra fala por si (…)”, fala? - Comigo murmura apenas!
Bem gostaria de a recomendar, mas assim…

fev. 2010

sábado, 26 de outubro de 2013

Zonas Húmidas



Férias são férias… 
Com este pensamento em mente e porque tive um ano escolar deveras trabalhoso, decidi estas férias não ler qualquer título que considerasse mais cerebral. Fiz questão de optar pela chamada Literatura Light (mania esta que temos de catalogar tudo e todos… mas isso daria outro post, logo não me interessa agora). Assim, e lendo as sugestões semanais da Visão deparei com uma crítica algo peculiar… Ora, parafraseando um jornal da especialidade, escrevia a revista que muitos dos leitores menos avisados não conseguiram ultrapassar o primeiro capítulo do dito livro, e que outros se tinham literalmente vomitado, dado o grau de realismo das descrições apresentadas.
            Prendeu-me a atenção. Continuei e descobri que se trata do livro mais vendido de sempre da Alemanha, que havia sido escrito pela apresentadora de televisão radicada naquele país, a inglesa Charlotte Roche, e que fora já traduzido em mais de 30 línguas. Um milhão e meio de exemplares espalhados por esse mundo. Com todos estes predicados, o próximo exemplar deveria ser meu! E foi mesmo.
            Os temas abordados na obra são contados em primeira pessoa, são muito dispersos mas todos relacionados com as vivências e com as excentricidades de uma jovem (Helen Memel) que se debate com muitos confrontos sociológicos que nos levam a questionar ao longo de todo o texto sobre muitos dos “padrões e tabus” da sexualidade feminina.
            Zonas Húmidas é um relato sexual feito de forma franca e despido de qualquer preconceito. Aqui não há rodeios, eufemismos nem metáforas quando se fala de hábitos ou experiências de cariz sexual e não só. Também a higiene corporal é assumida de forma, no mínimo, pouco ortodoxa por esta jovem de 18 anos. Ela que assume, por exemplo, usar diariamente os seus próprios fluidos corporais para se perfumar!
            É um livro chocante, com uma linguagem que considero por muitas vezes brejeira, e daí compreenda a razão porque alguns livreiros optam por selar o livro não o deixando dessa forma à vista de olhos mais infantis.
            «Desde que me conheço que tenho hemorróidas», assim se inicia este que é só maior best-seller em língua alemã!

                                                                                                                                                 agosto.09

sábado, 19 de outubro de 2013

Rosa Vermelha em Quarto Escuro



            «Tenho a ideia de que, para escrever, é preciso sair da vida para falar dela. De certa maneira, é preciso já ter morrido uma parte de nós e foi, com certeza, isto que aconteceu comigo. Aconteceu, muito cedo, qualquer coisa de muito violento e é isso que provoca, que pede que eu escreva, porque essa é a maneira de proteger a solidão em que vivo»

            As palavras transcritas pertencem a Pedro Paixão, ao autor do Romance cujo título empresta o nome a este Devaneio.
            Muito sinceramente não consigo descortinar se sinto ou não pesar pelo autor, já que uma das interpretações possíveis a este parágrafo resulta numa triste leitura da sua vida em solidão, para além disso, o Homem é aquilo que é, desde que nasce até que morre. Nunca a meio do seu percurso terreno deveria perder componentes de si, tal como o autor julga ter perdido desde cedo… Ainda assim, e correndo o risco de parecer um pouco egoísta, ainda bem que esse fenómeno o assolou, visto ser esse o preço por tal fabulosa capacidade de escrita. Ele tem mesmo de sair da vida, para escrever dela desta forma…
            Já o admirava por outras obras lidas, mas mais me fascina agora, após concluir a primeira de muitas leituras a “Rosa Vermelha em Quarto Escuro”, um romance completamente diferente de todos os outros, pela história, pela acção (ou falta dela), mas mormente pela suavidade da escrita. Pedro escreve com paixão. Tem de escrever!
            “Nada há mais de verdadeiro que o nada. É de onde vêm todas as coisas. Para onde depois regressam apressadas. Tanto quanto possível a presença do nada deve ser anulada.” – Apenas um pequeno excerto de uma total obra-prima redigida ao estilo do que já nos habituara em obras anteriores.
            Não tanto pela história narrada, que nem é assim tão densa como inicialmente augurara, mas mais pela forma de a transmitir, Pedro Paixão consegue agarrar o leitor desde a primeira página até à última pela musicalidade da sua escrita. A forma! Sim, a forma tão própria que usa para pôr em escrito aquilo que lhe vai na alma. Cativa-me imenso esta harmonia entre conteúdo e forma, entre o narrado e o aspecto da narração. É genial! Quase todas as palavras querem dizer mais do que aquilo que significam, quase todos os parágrafos escondem ideias que só o leitor mais atento consegue vislumbrar logo, na minha opinião, este é um livro que transmite uma mensagem, não em 257, mas num imensurável número de páginas. Seriam necessários um sem número de volumes para conseguir compilar toda a mensagem sugerida…
            O romance centra-se na vida duma bissexual nova – iorquina, nas suas dúvidas, medos, angústias, amores e desamores. O interdito mas apetecível, o ópio, o amor proibido, enfim, é-nos dada a conhecer toda a intimidade duma alma completamente à deriva neste mundo tão real, neste mundo tão profundamente ilógico.
            Num espaço repartido, tri – polarizado entre Nova-Iorque, Sintra e uma das ilhas dos Açores, a heroína vive aventuras homo e heterossexuais com os que com ela se vão cruzando. Vive angústias, temores mas também verdadeiras loucuras, que não só a metamorfoseiam como também acabam por conduzi-la às origens, renegando-as, contudo!
            Tal como em outros títulos seus, também aqui Pedro Paixão escreve prosa em forma poética, os seus inesgotáveis recursos literários fazem-nos crer que é um poema que temos diante dos olhos, e não um romance prosaico, tal como na realidade se verifica…

            "Não tenho qualquer imaginação. Tudo o que escrevo são coisas que vivi ou vi ou me contaram. Tem tudo a ver comigo”. – Pedro Paixão

            Se realmente há falta de imaginação nele, tem de haver, no entanto, um conjunto riquíssimo de vivências que a colmata e encobre por completo…
            Adorei, não hesito em recomendar!
jun.08

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A Hora Má



          
A minha segunda incursão pelo mundo de García Márquez levou-me ao encontro da obra que presta título a este texto.
            Já o havia escrito e volto a sublinhar que não terá sido por mero acaso que Márquez foi laureado com o Prémio Nobel da Literatura. Consegue uma escrita fabulosa, é capaz de transportar qualquer leitor seu ao espaço onde decorre a acção narrada. Se no anterior (“Memória das minhas putas tristes”) me criou essa sensação, neste melhor o conseguiu. Se é descrita a chuva, temos a impressão de estarmos encharcados, se é narrado o calor abrasador parece que o sentimos na pele. Ele consegue, de alguma forma fantástica, prender o leitor desde a primeira à última página, sem que para isso se veja obrigado a imaginar um emaranho muito avultado ou volumoso, o que na perspectiva de muitos dos seus críticos é uma lacuna sua. É verdade que tanto num como noutro livro lidos, o enredo não é denso, mas é aprimorado. É simples, e julgo que o próximo também o será…
            Neste, é relatado o dia-a-dia duma pequena povoação Sul-americana, muito provavelmente da sua Colômbia natal, uma aldeia perdido junto a um rio, onde começam a surgir pela madrugada pasquins, bilhetes anónimos, nas portas dos vários habitantes, onde se denunciam antigos segredos de família, traições, filhos bastardos, corrupções, enfim, segredos que todos sabem mas que ninguém ousa pronunciar. Ora, um destes pasquins é motivo de um cruel assassinato, e a partir daí surge uma descrição absolutamente genial dos receios que pobres e eminentes cidadãos sentiam de serem os próximos a estar na berlinda, todos tinham de alguma forma “o rabo preso”, pelo que cair na “boca do povo” dessa forma, nunca seria pelos motivos mais bonançosos.
            É feita uma descrição social riquíssima. Márquez traz a público a corrupção policial e judicial, satiriza com o clero, coloca a nu a pobreza extrema de milhares em perfeita sintonia com a abundância, com a riqueza de alguns apenas, revela fortunas conseguidas à custa de operações fraudulentas, por outras palavras, é aqui elaborada uma sátira extremamente sagaz à maioria dos governos Sul-americanos da altura.
            Mais uma vez gostei, e por isso nada como o recomendar, até porque é uma obra que se lê com muita facilidade e sobretudo com muito entusiasmo.
dez.08