sábado, 24 de março de 2018

Mercado tradicional


Há dois tipos de pessoas no mundo: os que apreciam os mercados tradicionais ao sábado de manhã, e os outros. Agrada-me pertencer ao primeiro grupo -- fascina-me a paleta de cores servida e à disposição do olhar; inebria-me o cheiro fresco a fruta colhida há pouco; seduz-me o pulsar das gentes que ali procuram a recompensa pela tez marcada pelo trabalho!

quinta-feira, 1 de março de 2018

Vamos falar de Literatura?



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Independentemente do que se possa sentir pela Literatura produzida nos Açores ou pelos autores açorianos, permitir-me-ei julgar que, com toda a justeza, estes deveriam ser acarinhados por todos, sem exceção. No entanto, tenho lido que, por cá, não haverá uma divulgação adequada ou, pelo menos, suficiente das obras dos autores regionais. Não sei se corroboro esta ideia, mas, confrontando-a com a realidade de outras regiões do país, parece-me, pelo menos, digna de reflexão séria.
Entremos, por exemplo, na livraria Bertrand de Ponta Delgada e vejamos, com algum cuidado, a prateleira que espreita ao fundo, anunciando a todos quantos ali passem: “Autores Locais”. Ora, não conheço estante com propósito similar em qualquer outra loja desta distribuidora nacional.
Depois, recorde-se o dinamismo da livraria Leya Solmar, esse “centro cultural” ao serviço da literatura de raiz açoriana, bem no centro da cidade de Ponta Delgada: lançamentos, tertúlias, “Livros do ano”, encontro com escritores, montras permanentes e exclusivamente dedicadas aos nossos autores.
Recordemos, também, a pujança que agora demonstra o Centro Natália Correia, no que ao lançamento de obras de autores locais diz respeito.
Por outro lado, entrando numa das mais concorridas superfícies comerciais da ilha de São Miguel e dos Açores – Solmar, em São Gonçalo –, facilmente somos cativados pelas estantes exclusivas e repletas de livros de autores açorianos. Adite-se que as mesmas se encontram em local de grande destaque. Embora, pessoalmente, não aprecie a compra de literatura nestes espaços, a verdade é que eles existem, e são, efetivamente, uma forma prática de colocar o livro próximo do leitor.
Tenhamos em mente, também, o espaço semanal que os principais jornais da ilha conferem à recensão literária, tantas vezes dedicada à literatura produzida no arquipélago. Não sendo o ótimo, é já significativo e digno de registo!
Relembremos, entre tantas atividades de grande valia promovidas pelas editoras regionais, a “Festa do Livro dos Açores”, dinamizada pela Publiçor/Letras Lavadas, onde, à beira-mar e em plena época turística, centenas de títulos de autores açorianos puderam ser dados a conhecer…
Considere-se o destaque que “Temática Açores” traz aos autores locais! Um apêndice da CDU (Classificação Decimal Universal), a “Temática Açores” cataloga e deposita as obras de autores e temas açorianos em prateleira própria, conferindo-lhes claro destaque. Isto não é frequente fora do arquipélago! Em qualquer biblioteca fora dos Açores iremos encontrar a poesia de Antero bem próxima da do Camões, por ambos serem dois grandes poetas portugueses. Por cá, em algumas bibliotecas, um é açoriano, outro é português, e, por isso, “habitam” estantes distintas.
Atentemos no empenho que a Associação de Antigos Alunos do Liceu Antero de Quental tem vindo a despender junto dos atuais discentes e respetiva comunidade educativa, no sentido de promover a obra e o patrono daquela instituição.
Consideremos as Antologias de Autores Açorianos Contemporâneos (ed. AICL, Calendário de Letras) lançadas recentemente, uma, inclusivamente, bilingue, numa tentativa de fazer chegar aos nossos emigrantes o que de melhor se escreve pelos Açores, e outra privilegiando o texto dramático, tantas vezes encarado como “parente pobre” da nossa Literatura. Não esqueçamos os “Cadernos (e suplementos) de Estudos Açorianos”, onde vida e obra de 33 autores (!) são disponibilizados para consulta gratuita. Recordemos, ainda, a recente edição da “Bibliografia Geral da Açorianidade”, que contempla cerca de 19500 verbetes, inscritos em dois tomos de 800 páginas cada, totalmente dedicadas ao trabalho literário produzido sobre os Açores, açorianos e tudo que à Açorinidade respeita.
Por outro lado, tenhamos presente o empenho da SREC na integração da disciplina de História Geografia e Cultura dos Açores, na matriz curricular dos alunos açorianos. Creio tratar-se de um espaço onde facilmente se disseminarão os principais textos dos maiores vultos da Literatura produzida no arquipélago.
Contemos com os prémios literários (dois, pelo menos, de âmbito nacional) que privilegiam obras inéditas, referenciáveis aos Açores.
Tenhamos em mente que os Açores dispõem de um Plano Regional de Leitura próprio que, aproveitado em subaproveitamento, destaca dezenas de obras de alguma forma relacionadas com o arquipélago.
E depois, bem, depois há o esforço desenvolvido em cada Unidade Orgânica do sistema regional de educação. Embora creia que o oposto também possa ocorrer, julgo que, na grande maioria das escolas do arquipélago, os escritores açorianos são muito acarinhados, quer por alunos, quer pela generalidade do pessoal docente. Na realidade que conheço, são colocadas em prática diversas atividades específicas de promoção da Literatura produzida por cá. A cada ano letivo são trabalhados muitos autores, seja a nível biobibliográfico, seja através de oficinas de escrita ou a partir da sua própria produção textual, no apoio ao desenvolvimento de competências fundamentais. Sob a orientação dos professores de Português, algumas destas atividades são realizadas pelos alunos, em estreita colaboração com os próprios escritores, o que favorece sobremodo a aquisição de conceitos e/ou desenvolvimento de competências. Outras são levadas a efeito com a cooperação de Bibliotecas e outras entidades exteriores à escola. Refiram-se, também, os sempre enriquecedores encontros de alunos com autores, onde se incendeiam de curiosidade auditórios a abarrotar. Não menos importantes são as atividades desenvolvidas no interior das salas de aula, onde o professor de Português coloca em prática a silenciosa responsabilidade de difundir junto dos mais jovens aqueles textos de raiz açoriana de reconhecida qualidade literária.
Por tudo isto e mais, não creio que o problema esteja na difusão deficiente ou desadequada da obra dos autores açorianos. Eventualmente, considerando o todo nacional, até concebo que essa dúvida se coloque, mas, convenhamos, também não há especial destaque conferido aos escritores minhotos, alentejanos ou algarvios. É certo e desejável que mais e melhor poderá ser feito, mas é, também, inegável o esforço que se tem produzido no sentido de engrandecer os “nossos nomes de referência”!
Do meu ponto de vista, o motivo de tais considerações encontra-se no fraco volume de vendas que estas obras arrecadam. No entanto, a explicação encontrar-se-á a jusante de todo este processo. De uma forma geral, as pessoas leem muito pouco, e, quando por algum motivo o fazem, dão preferência, quase sempre, aquele escritor da moda, aquele que até escreve umas “frases bonitas”, e as transforma em posts coloridos por essas redes sociais fora.
Bem sabemos que, tendencialmente, não valorizamos o que é nosso, mas, no que à Literatura produzida nos Açores diz respeito, parece-me até que muito se tem conseguido, e ainda bem! Tudo aquilo que se puder fazer para engrandecer a Literatura de raiz açoriana será, com certeza, bem-vindo por todos aqueles que honram este “arquipélago de escritores”!
Afinal, como já afirmou um reputado crítico literário português, “Há qualidade açoriana para um Prémio Nobel”.
A todos, boas leituras!
Telmo R. Nunes
a 28 de fevereiro de 2018