quinta-feira, 17 de junho de 2021

«UM TEMPO A FINGIR», de João Pinto Coelho



Dúvidas subsistissem sobre o virtuosismo literário de João Pinto Coelho, o autor – galardoado com o Prémio Leya em 2017– tê-las-ia pulverizado, por completo, com o seu último romance Um Tempo a Fingir, publicado em outubro, pela D. Quixote.

Com a Segunda Guerra Mundial a surgir como pano de fundo, é aqui urdida uma narrativa robusta, que assenta no entremeio de relatos distintos sobre o desenrolar da ação: ora por Annina ora por Ulisse Bemporad, dois irmãos judeus italianos, oriundos de uma pequena localidade montanhosa, na Toscana Italiana.

Esta é uma obra densa, repleta de factos históricos marcantes, associados a outros nascidos a partir da imaginação do autor, e que atuam ao serviço da progressão narrativa. Embora estejamos ante um romance de grande fôlego, não se vislumbram aqui quaisquer pontas soltas que coloquem em causa a coesão e/ou coerência textual, pelo contrário, tudo faz sentido, tudo é verosímil, sem que nunca se tropece na pobreza do expectável: o leitor é continuamente surpreendido ao longo do texto. Como se tal não fosse já bastante, a riqueza e a pujança do discurso são notórias ao longo de toda a obra, e, mesmo sendo profundamente marcado por sentimentos de ódio, inveja ou vingança, e conhecendo-se as atrocidades cometidas ao povo judeu durante este período, esta é uma obra onde, de muitas formas, é o bem que vence o mal, onde à força bruta e máscula, muitas vezes se impõe uma sensibilidade determinada e vestida no feminino.


João Pinto Coelho, Um Tempo a Fingir, D. Quixote, outubro de 2020