Confesso que, de uma
forma geral, não me habituei ainda a esta nova realidade turística que se vive no
arquipélago e em São Miguel, em particular. Desde a liberalização do espaço
aéreo, em março de 2015, a face da ilha mudou significativamente: há mais pessoas
em qualquer lugar que se visite, demasiado trânsito, uma pressão ambiental que
merece preocupações legislativas, os preços galoparam desenfreadamente em áreas
tão distintas como a hotelaria, a restauração ou a habitação, colocando um
travão em alguns dos hábitos que nos eram possíveis num passado não muito
remoto.
Reconheço e
compreendo, todavia, os argumentos embandeirados a favor desta nova “galinha de
ovos de oiro”, concretamente as mais-valias económicas geradas em diversos
setores da frágil economia açoriana: dinamizou-se a construção civil,
gerando-se novos empreendimentos que resultaram em mais emprego, maior
circulação de capital, novas formas de negócio e, consequentemente, melhores
condições de vida para muitos. É o mais importante, não tenho grandes dúvidas.
Ainda assim, para aqueles que, como eu, não estão de forma alguma ligados a
esses setores, há que reconhecer uma acentuada quebra na qualidade de vida que
a ilha vinha oferecendo a quem aqui vive.
Mas nem tudo é mau,
convenhamos. Se é verdade que esses aviões desprovidos de grande conforto
atulham a ilha com gente, não é menos verdade que a alargam trazendo-nos a
realidade de novos mundos, carreando diferentes culturas, formas de estar e
hábitos distintos daqueles que reconhecemos como nossos. Ninguém discordará que
se tornou muito interessante calcorrear ruas da Baixa de Ponta Delgada e, em
poucos metros, cruzar com pessoas diferentes, cada uma a falar a sua própria
língua, ou então numa das muitas esplanadas da moda, ouvir alguém que, em esforço,
procura ler em português, aquela frase que salta do guia turístico tido entre
mãos e que lhe trará o desejado bolo lêvedo com queijo de São Jorge,
acompanhado pela tradicional meia-de-leite ou mesmo a famosa Kima, vista já
como uma bebida tradicional micaelense. É também verdade que, por via do
turismo, muitos estrangeiros se fixaram cá e vivem entre nós, enriquecendo
culturalmente a ilha e os seus habitantes. São proveitos assinaláveis.
Fruto dos tempos e
destes mais recentes paradigmas, muitos são os empreendedores e os novos
conceitos de negócio que se vão desenvolvendo e que procuram o seu espaço de
mercado. Alguns conseguem afirmação plena, tornando-se mesmo numa referência na
área, como é exemplo a “Casa Improvável”, um espaço cultural dedicado à arte em
geral, instalado na improbabilidade da zona das Socas, na freguesia do
Livramento, em Ponta Delgada. Uma antiga taberna onde antes se juntava a
comunidade na alegria do convívio, convertida numa galeria de arte “[…] para
ficar, criar e mostrar […]” o trabalho desenvolvido por quem lá se queira
quedar. É uma aposta de sucesso no âmbito da promoção e descentralização
cultural que se vai operando em São Miguel. Falo de um espaço ímpar, acolhedor
e dinâmico, muito versátil, sendo capaz de se transmutar, mantendo, todavia, a
sua marca distintiva a cada atividade promovida. Trata-se de um espaço
agregador, tendo já fidelizado um público muito diverso, que vai desde os
fregueses do Livramento, até ao turista que chega vindo do outro lado do mundo.
O trabalho dinamizado pelos seus promotores – Bruno Gomes e Marco Costa –
tem-se pautado por essa capacidade de atrair artistas locais, regionais, mas
também outros de latitudes internacionais. Se numa semana é possível apreciar o
trabalho da artesã Maria da Conceição (vizinha do lado da própria galeria de
arte), noutra podemos deparar-nos com as magníficas fotografias subaquáticas da
reconhecida artista e fotógrafa polaca Martina Trepczyk. Como os próprios
responsáveis deste projeto adiantam, “um lugar para mentes criativas, para
viver e experimentar a vida na ilha, ao mesmo tempo que se inspiram para fazer
coisas novas […].” Aqui não há uma agenda preconcebida, e as ideias vão
surgindo a partir de conversas informais ou então nascem das sinergias criadas
através da interação entre amigos. É exemplo a próxima exposição, a decorrer a
partir de 30 de setembro, com trabalhos da autoria da artista continental Ana
Félix.
Esta será, certamente,
uma das vertentes positivas deste Boom turístico. Ante a exigência, a ilha ajeita-se
para bem receber quem chega (e mesmo quem por cá reside) e procura responder às
novas necessidades que o público, cada vez mais heterogéneo e ambicioso,
procura.
(Diário dos Açores, 30
de setembro de 2023)
Marco Costa