sexta-feira, 27 de outubro de 2023

9 Poetas 9 Línguas


É gosto participar neste projeto e integrar este conjunto de pessoas que tanto admiro e cuja escrita tanto gosto. Não sendo poeta, confesso que me deu gozo ver a singeleza dos meus versos traduzida em 8 línguas tão distintas como o francês, inglês, alemão, castelhano, neerlandês, esloveno, italiano e tétum. 

É um volume muito bonito, asseado por uma belíssima fotografia de capa da autoria de Marco Costa, meu amigo de sempre.

Está de parabéns a coordenadora desta edição, a infatigável e muito querida Professora Helena Chrystello, por mais este trabalho, que tanto dignifica a cultura e literatura açorianas.

domingo, 8 de outubro de 2023

Os Últimos do Estado Novo



José Pedro Castanheira será por muitos reconhecido como um dos grandes nomes do jornalismo português, sobretudo a partir do último quartel do século XX e até aos nossos dias. Embora com formação de base em Economia, desde cedo enveredou pelo jornalismo, tendo feito uma pós-graduação na área e trabalhado em jornais de grande destaque, como são exemplos “A Luta”, “O Jornal” e, durante quase trinta anos, o “Expresso”, onde se dedicou afincadamente à grande reportagem e ao indispensável, mas cada vez mais raro, jornalismo de investigação. 

Vencedor de inúmeros prémios, de onde se destacam alguns dos mais prestigiados atribuídos em Portugal, é autor e coautor de diversas obras de referência, das quais sobressaem «Jorge Sampaio: uma biografia» (2 vol., 2012/2017) e «Volta aos Açores em 15 Dias» (2022), a sua primeira incursão literária fora do âmbito jornalístico e que lhe valeu a distinção com o “Grande Prémio de Literatura de Viagem APE – Maria Ondina Braga”. A propósito deste, o autor esteve recentemente em périplo pelo nosso arquipélago (pelo qual sente especial atração), dando a conhecer a todos esta obra singular, que granjeia, com toda a justiça, o seu lugar junto dos mais belos livros de viagens que têm os Açores como ponto de referência. Como se escreveu a propósito desse extraordinário diário de bordo, VA15D - como o autor decidiu nomeá-lo - é «o sentimento ilhéu [que] lhe molda as ilhargas do coração.»

Volvido praticamente um ano após essa publicação, chega agora aos escaparates das melhores livrarias nacionais «Os Últimos Do Estado Novo», um extraordinário volume editado pela Tinta da China e que tem como móbil primário um olhar completamente inusitado sobre diferentes protagonistas do Estado Novo: seus colaboradores e apoiantes, mas também aqueles que lutaram contra a opressão e as políticas intimidatórias e de repressão. Castanheira não inclina a sua atenção para os de sempre, para os grandes vencedores e que, a cada ano, são justamente lembrados aquando da comemoração da Revolução dos Cravos. Ao invés, o autor lança o seu olhar sobre os perdedores. «Dos fracos não reza a história», assim se abre a apresentação do livro assinada pelo próprio José Pedro Castanheira, acrescentando pouco depois que, «Dos fracos, mas também dos acabados, dos abatidos, dos esgotados, dos desistentes, dos covardes, dos derrotados – dos últimos.» Efetivamente, se nos detivermos a pensar, quando mencionados, são-no meramente para servir de contraponto à glória investida nos lutadores vitoriosos. 

Durante os vinte e oito anos de trabalho no semanário “Expresso”, coube ao autor a tarefa de organizar a fórmula comemorativa da data, preferencialmente uma que se distinguisse pela diferença e inovação. Sendo partidário da ideia de que o «25 de Abril foi o acontecimento mais marcante do século XX português, não apenas para [si], mas para a esmagadora maioria dos portugueses», foi-se interrogando que diferentes razões teriam justificado uma tão prolongada ditadura no nosso país, «a mais longa ditadura pessoal do século XX». Mantendo por premissas estas dúvidas, partiu «à procura das razões que explicariam a espantosa longevidade do Estado Novo», ao que se seguiram diversos contactos, telefonemas, viagens, muitas conversas com pessoas pertencentes “à máquina” que manteve toda aquela estrutura a funcionar durante tantos anos, pessoas ligadas ao partido único, à PIDE, e a outras estruturas de grande relevo. Desses trabalhos, realizados ao longo dos anos, destacam-se o último diretor da censura, o último presidente do partido único, o último responsável do campo de concentração do Tarrafal, os membros do último Governo da ditadura, o último secretário pessoal de Marcello Caetano, o último deportado, os últimos presos políticos, a última entrevista dada por Oliveira Salazar. 

É a partir desses trabalhos jornalísticos que surge o título do livro agora em apreço, assumindo-se imediatamente como inevitável: «Os Últimos do Estado Novo».

A obra chega dividida em capítulos, que surgem organizados numa linha cronológica invertida, ou seja, abre o volume o acontecimento mais recente, “O Último Diretor do Campo do Tarrafal”, encerrando-o o acontecimento mais longínquo na linha temporal, “O Último Plenário Dos Sindicatos Corporativos”.

Este é um livro surpreendente e factualmente muito rico, recheado de inúmeros pormenores extremamente interessantes que, por motivos que ultrapassam a compreensão, não surgem nos compêndios escolares e, por isso, facilmente passam ao lado do conhecimento da maior parte da população portuguesa atual. 

Não raras vezes, para não arriscar todos os anos, ouvimos que a comemoração da efeméride se encontra gasta, que já não prende a atenção nem  motiva a participação dos mais jovens, que são sempre os mesmos intervenientes, tendência que poderia ser contrariada se o ensino desta importantíssima página da nossa história se assumisse um pouco mais completa, lançando os dois lados da contenda aos jovens alunos, relatando-lhes todos os pormenores que se vieram a assumir de grande relevo, como corajosamente o faz José Pedro Castanheira, assumindo, desde logo, que não se cansa «de dizer que o mundo, na vida, na história e, portanto, no jornalismo, como relato que deve ser da realidade e do quotidiano, há muito mais cores e matizes para além do preto e do branco (…)». Dar voz aos outros, àqueles que não venceram, não significa glorificá-los, muito menos dar-lhes razão.

Ao longo desta aliciante leitura, não se sentem quaisquer tendências para incriminar ou mesmo para desculpar quem quer que seja. Há, ao longo de toda a obra, uma notória isenção por parte do autor. Ele questiona, relata, cita documentos e entrevistas, pelo que o leitor terá sempre a possibilidade de muito bem ajuizar a história, agora que toma conhecimento de todos os contornos.

Outra das grandes vantagens deste volume é a vivacidade impregnada na própria leitura, sobretudo, pelo recurso e integração de diversas tipologias de texto. Há, naturalmente, o narrativo, com peças jornalísticas ricas e de elevado valor histórico, o descritivo, com inclusão de trechos absolutamente incríveis, destacando-se dois, por muitos, completamente desconhecidos: o episódio da rendição de Marcello Caetano, que pega numa arma sugerindo o seu próprio suicídio, caso o poder não fosse entregue a Spínola e, o melhor deles todos, a última entrevista de Oliveira Salazar, concedida a Roland Faure, destacado jornalista francês que já o entrevistara antes por duas vezes, tendo o caudilhe assumido que ainda era o Presidente do Conselho, quando, na prática, já havia sido substituído em setembro de 1968, portanto, vários meses antes, encontrando-se o velho ditador a viver, desde então, uma farsa encenada por todos quantos o rodeavam, membros do Governo inclusivamente. A contribuir para a cadência da leitura, destaca-se ainda uma fabulosa entrevista a Pedro Feytor Pinto – o último porta-voz de Marcello Caetano –, de onde sobressai a pertinácia e o arrojo de um homem fiel ao regime e preocupado com as questões mais prementes do seu tempo: a Guerra do Ultramar e as relações internacionais de Portugal. Ainda nesta entrevista e de elevado grau de interesse, é a sua perspetiva sobre os acontecimentos ocorridos em Moçambique, no final de 1972, naquele que ficou conhecido como o Massacre de Wiryamu, um horrendo vexame internacional para Portugal, e do qual, incompreensivelmente, ainda hoje pouco se fala…

De interesse suplementar, refira-se ainda a possibilidade que o autor concedeu a antigos presos políticos, para que estes pudessem, anos depois, colocar perguntas diversas aos seus carcereiros, nomeadamente a Eduardo Fontes, o último diretor do campo do Tarrafal. As respostas são singulares, e conduzem o leitor à dúvida, pelo que se reitera o interesse de se escutar ambos os lados da contenda.

Já o capítulo “Os Últimos Presos Políticos” oferece diversas vantagens, mas destaca-se a ignomínia de que eram capazes alguns agentes da PIDE que, mesmo sabendo da queda do regime, procuraram extorquir avultadas maquias aos presos que ainda mantinham sob custódia e isto, mesmo sabendo que, em breves horas, os teriam de libertar. 

De “O Último Governo da Ditadura” extrai-se informação muito vasta sobre o destino das 36 pessoas que integravam o dito elenco governativo, Marcello Caetano, inclusivamente. É um trabalho um pouco mais exaustivo, embora em nada maçador, pelo contrário, e que nos dá a perspetiva não apenas dos receios daqueles que perderam, mas também da condescendência e do humanismo dos que tomaram posse. Aliás, torna-se muito interessante perceber a abertura do novo estado democrático ante alguns dos protagonistas da caída ditadura, integrando-os em cargos públicos e alguns de grande destaque nacional. 

Uma palavra breve de reconhecimento pela disponibilização de bastos registos fotográficos, grande parte deles integrante de arquivos particulares, pelo que, não fosse o profissionalismo do autor, certamente nunca chegariam ao conhecimento do público. De registo ainda a completude do índice onomástico, que, por certo, tanto jeito trará a quem se debruce sobre este livro numa perspetiva de estudo mais aprofundado. 

Está de parabéns o autor pela compilação de todos estes trabalhos, alguns agora melhorados e aumentados, contribuindo desta forma tão enriquecedora e rigorosa para aclarar dúvidas, desfazer imbróglios ou, pelo menos, para lançar novas perspetivas sobre o desenrolar dos acontecimentos deste importantíssimo naco da história recente do nosso País.


José Pedro Castanheira, «Os Últimos Do Estado Novo», Tinta da China, 2023

P.S.  O lançamento de «Os Últimos do Estado Novo», acontece esta segunda-feira, dia 9 de Outubro, às 19h00, na Fundação Calouste Gulbenkian, e será apresentado pelos filhos de Mário Soares e Marcello Caetano, Isabel Soares e Miguel Caetano, respetivamente.


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