sábado, 20 de novembro de 2021

PONTA DELGADA EM FOTOGRAFIA


Sebastião Salgado, consagrado fotógrafo brasileiro, afirmava que as suas «fotografias são um vetor entre o que acontece no mundo e as pessoas que não têm como presenciar o que acontece». Dito de outra forma, certamente mais tosca e simplista, uma das conveniências da fotografia passará pela representação de pontes, de travessias que nos permitem chegar até realidades distintas e, muitas vezes, inalcançáveis, seja pela acentuada lonjura geográfica, ou pela eternização de um rasgo histórico temporalmente distante. É precisamente o que acontece na obra em apreço. Num livro-objeto de qualidade superior e graficamente muito bonito são-nos oferecidas perspetivas sobre urbe de Ponta Delgada, desde 1860 até 1960, melhor dito, são-nos dadas a conhecer as diversas reconfigurações da cidade de Ponta Delgada, que se compreendem entre meados do século XIX, até meados do século XX, ou como previne o autor, será um trabalho «balizado por dois eventos marcantes na memória da cidade: primeiro a construção do porto artificial, cuja pedra inicial foi lançada em Setembro de 1860, e, segundo, a obra da Avenida Infante Dom Henrique, cujos trabalhos, iniciados em 1948, se prolongaram por toda a década de 1950-1960».

O lançamento deste álbum de memória ocorreu recentemente na Igreja de Todos-os-Santos, reconhecida por muitos como Igreja do Colégio dos Jesuítas, um espaço singular, carregado de história e que, curiosamente, surge também retratado em algumas das composições que integram o livro. Segundo Pedro Pascoal de Melo, o autor, em nota preliminar, a obra «Ponta Delgada: Memórias Fotográficas (1860-1960) pretende consubstanciar, em papel e de forma perene, a exposição com o mesmo nome – inserida nas comemorações do 475º aniversário da elevação de Ponta Delgada a cidade (…) numa organização conjunta da Câmara Municipal de Ponta Delgada e do Instituto Cultural de Ponta Delgada».


A obra surge-nos dividida em capítulos, ocupando-se cada um com determinado espaço geográfico ou perspetiva o que, em boa verdade, se afigura como um suporte de enorme valia na perceção e localização exata dos espaços. Para mais, cada fotografia é acompanhada por informações adicionais, em formato de legenda (em muitos casos cruciais, considerando realidades profundamente transformadas), onde, além de aspetos técnicos a considerar, se poderão também colher informações históricas de relevo e que nos guiam através de uma viagem ao passado dos nossos próprios lugares, acrescentando-lhes substância, conferindo-lhes interesse, ou, em muitos casos, revelando particularidades até agora ocultadas pela névoa do desconhecimento.


Pela quantidade e, sobretudo, pela qualidade do acervo aqui trabalhado, apresentado e documentado, esta obra assume-se como um marco referencial no estudo histórico-cultural da cidade de Ponta Delgada, não apenas no que ao edificado concerne, mas também no âmbito dos seus usos e costumes, tradições e festividades. Algumas das imagens que fazem desta obra uma obra tão singular eram já conhecidas do grande público, outras há que, sendo parte integrante de coleções particulares, se apresentam como inéditas, pelo que apreciá-las se revelou um gosto imenso. Neste particular, permito-me destacar a espetacularidade das imagens presentes no capítulo «A Cidade Vista do Céu», assim como um friso, em formato de apêndice, composto por um conjunto de seis imagens e que representa toda a orla marítima de Ponta Delgada, entre o Forte de São Brás e a Calheta de Pêro de Teive, vista, naturalmente, do mar.


Ponta Delgada: Memórias Fotográficas (1860-1960) é a representação atual e perpétua da vontade e da tenacidade daqueles que, antes de nós, mostraram querer e saber fazer mais da nossa cidade; é a prova evidente de que o progresso e a adaptação dos espaços são possíveis de forma harmoniosa e sustentável e que essa capacidade está na evolução das próprias pessoas. Como refere Maria José Lemos Duarte, antiga Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada, em nota introdutória, «Que este livro (…) nos orgulhe pelo seu caminho percorrido e nos inspire pela coragem do seu sonho feito obra».  


A terminar, um especial agradecimento aos fotógrafos e colecionadores destas belíssimas imagens que aqui nos são emprestadas, assim como uma particular congratulação ao autor, aos promotores da obra e à respetiva editora pelo magnífico trabalho concebido.


Pedro Pascoal de Melo, Ponta Delgada: Memórias Fotográficas (1860-1960), Artes e Letras Editora, setembro de 2021

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