Dúvidas subsistissem sobre o virtuosismo literário de João
Pinto Coelho, o autor – galardoado com o Prémio Leya em 2017– tê-las-ia
pulverizado, por completo, com o seu último romance Um Tempo a Fingir,
publicado em outubro, pela D. Quixote.
Com a Segunda Guerra Mundial a surgir como pano de fundo, é
aqui urdida uma narrativa robusta, que assenta no entremeio de relatos
distintos sobre o desenrolar da ação: ora por Annina ora
por Ulisse Bemporad, dois irmãos judeus italianos, oriundos de uma pequena
localidade montanhosa, na Toscana Italiana.
Esta é uma obra densa, repleta de factos históricos
marcantes, associados a outros nascidos a partir da imaginação do autor, e que
atuam ao serviço da progressão narrativa. Embora estejamos ante um romance de
grande fôlego, não se vislumbram aqui quaisquer pontas soltas que coloquem em
causa a coesão e/ou coerência textual, pelo contrário, tudo faz sentido, tudo é
verosímil, sem que nunca se tropece na pobreza do expectável: o leitor é
continuamente surpreendido ao longo do texto. Como se tal não fosse já
bastante, a riqueza e a pujança do discurso são notórias ao longo de toda a
obra, e, mesmo sendo profundamente marcado por sentimentos de ódio, inveja ou
vingança, e conhecendo-se as atrocidades cometidas ao povo judeu durante este
período, esta é uma obra onde, de muitas formas, é o bem que vence o mal, onde
à força bruta e máscula, muitas vezes se impõe uma sensibilidade determinada e
vestida no feminino.
João Pinto Coelho, Um Tempo a Fingir, D. Quixote, outubro de 2020
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