quarta-feira, 15 de abril de 2020

Os dias adejam


Os dias adejam mais ou menos indistintos por um calendário cada vez mais comprido e de contornos sobejamente desconhecidos.
Ao contrário do que vamos lendo aqui ou vendo acolá, cá em casa, ainda não nos rebelamos contra toda esta situação: temos encarado este período de quarentena de forma tranquila, mas, ao mesmo tempo, de forma responsável e profundamente crítica, por não ser coisa pouca a que está em risco! Ao contrário do que temos percebido, consideramos pouco prudente a tomada de decisões precipitadas e denunciadoras de um cansaço excessivo, fruto do confinamento, e que se traduzem num sobejo de confiança, que nos parece injustificado e até perigoso, colocando mesmo em causa o esforço de tantos ao longo de tanto tempo. A este propósito, não percebemos como pode alguém ponderar a abertura de escolas ao mesmo tempo que se encerram de forma compelida lares de idosos e outras instituições iminentemente em risco de contágio generalizado. Simplesmente não nos parece correto…
Atendo-nos ao que podemos controlar, criámos as nossas novas rotinas e, talvez por isso, estejamos a conseguir lidar com esta realidade com relativa harmonia respirando, até, com alguma confiança. A presença constante do Filipinho tem-se revelado uma ajuda formidável; o labor e a atenção a que nos sujeita rege-nos a maior parte do dia e, depois de cuidarmos dele e de atimarmos outras responsabilidades quotidianas e profissionais, resta-nos pouco tempo, que procuramos aproveitar da melhor forma.
A Susana tem aprimorado a cozedura de pão, e eu continuo a fazer os iogurtes. O dela está cada vez melhor, os meus não passam daquilo! Para além das façanhas culinárias e dos afazeres domésticos tradicionais, temos reservado tempo para a escrita e mantido algumas leituras em dia: aguardo – com ânsia assumida – pelas entradas nos diários “Os Dias das Árvores”, de Isabel Rio Novo, e no “Mensagem do avô”, de António Mota, assim como procuro não perder um capítulo do recente projeto “Bode Inspiratório”. Para além destas preciosidades digitais, encetei a leitura de «O Beco da Liberdade», de Álvaro Laborinho Lúcio, e percebo agora por que razão o próprio fez questão de sublinhar repetidas vezes, no lançamento da obra em Ponta Delgada, que o texto em nada era autobiográfico… Um tratante, aquele juiz Guilherme Augusto Marreiro Lessa.
Temos procurado lembrar que este tempo de quarentena é também de Quaresma e que se vive, a partir de hoje, o Tríduo Pascal.
Decidimos manter as tradições que conseguirmos e, sob o olhar curioso do nosso pequeno Filipe, tingiremos hoje os ovos de Páscoa, usando, como em casa materna, cascas soltas de cebola. A Susana não conhecia esta tradição nortenha, mas vive-a com redobrado empenho, o que me deixa bastante satisfeito. Fruto dos tempos e do tempo, mercámos, por correio eletrónico, as provisões necessárias e confecionaremos um almoço pascal que se assemelhe o mais possível ao que as nossas mães fariam, com gosto redobrado, para toda a família.  Na lista incluímos um pão de ló de Margaride e um de Ovar, uns pacotinhos de amêndoas e um ovo de chocolate para o Filipe. A mãe achou-o demasiado grande, eu olho para ele e vejo um miminho em jeito de recompensa por tudo o que lhe é subtraído esta Páscoa!
O Livro dos Livros também já está aberto na página certa. O texto exposto será Evangelho da missa dominical e é segundo São João. Embora não devesse ser necessário, vem recordar-nos que a morte foi vencida pela ressurreição e que, nessa medida, há que ser paciente e ter esperança em dias melhores!

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