terça-feira, 14 de janeiro de 2020

A Vida no Campo – Os Anos da Maturidade Volume II


A propósito do diário A Vida no Campo, do escritor terceirense Joel Neto, escrevi em 2016 que, tal “Como Torga conseguiu engarrafar o sol que brilha sobre o “rio de oiro”, também Joel Neto conseguiu aprisionar em A Vida no Campo, a essência da ilha, a essência de todo um arquipélago e de tudo isto a que, comummente, designamos por ser ilhéu!”. Continua atual! Ainda bem!
Finda a leitura do volume II deste diário, parece-me justo aditar que o autor vive em demanda de uma certa redenção que lhe parece escapar a cada entrada que vai acrescentando. Ao folhear cada uma das páginas, é notória uma ânsia visceral de reencontro com o passado. Poder-se-á afirmar haver uma necessidade primária de contacto com o tempo ido, já que é desenvolvido um trabalho robusto no sentido de recuperar e perpetuar essa memória de uma realidade há muito vivenciada mas que, paralelamente, existe ainda – e bem arreigada –, constituindo o quotidiano de muitos dos que o autor conhece, respeita e quer enaltecer. No fundo, quererá exaltar a lembrança daquele que também ele já foi, bem antes das memórias lisboetas, universitárias, jornalísticas…
Não subsista, contudo, a ideia de que este segundo volume (ou o anterior) se limita a uma escrita complacente e caridosa para com os terceirenses, concretamente, para com os do lugar dos Dois Caminhos, na freguesia de Terra Chã. Ao invés, ficaram imortalizadas nestas páginas sentidas homenagens e honestos tributos aos homens e mulheres que, com o autor, repartem a serenidade bucólica que ali se pode espreitar, mas também que dali arrigam à terra, e à força do braço, o sustento de cada dia.
 Mesmo em outras obras suas, onde a trama diverge para outras geografias, é notória a relação umbilical que o autor conserva com a ilha de Jesus Cristo e com os Açores: ele parte sempre da ilha; ele sedia-se no arquipélago; ele coloca os Açores como centro do seu imaginário para, a partir desse ponto e valendo-se da mundividência que foi acumulando, encetar o relato das suas experiências com aquela voz tranquila que caracteriza as suas diegeses. Neste segundo volume de A Vida no Campo não é diferente e, seja em Lisboa ou San Jose, New Bedford ou Providence, em Ovar, Torres Novas ou Óbidos, Freiburg im Breisgu ou Porto Alegre, Joel Neto não se consegue dissociar da sua açorianidade, da sua condição de ilhéu açoriano da Terceira, da freguesia Ribeira Chã, filho pródigo do lugar dos Dois Caminhos, embora suspeite que esse nunca terá sido o seu desejo…
Tal como no outro volume, a cada entrada deste diário é-nos servido “um retrato pictórico altamente contagiante e esteticamente belo, sem abdicar, jamais, de um realismo e veracidade ímpares”, ilustrando, dessa forma, o que ainda é a vivência quotidiana em qualquer uma das nove ilhas dos Açores.
O segundo volume deste diário ganhou o apêndice «Os anos da maturidade», o que na prática lhe assenta muito bem, dada consistência que a escrita do autor vem adquirindo de obra para obra. Pese embora tenha falhado a leitura de um ou outro livro seu (dos de início de carreira literária), creio que será seguro falar de um Joel Neto anterior a Arquipélago e de um outro posterior a esse que será o seu primeiro grande sucesso nacional, a que se seguiu o incontornável Meridiano 28, na minha opinião, a sua Magnum opus até à data.
Em jeito de remate, e porque ainda me faz todo o sentido, ouso terminar da forma com que finalizei o comentário à leitura do primeiro volume deste diário:
“Com as devidas cautelas e distanciamentos que a geografia literária impõe, talvez os mais afoitos possam agora afirmar que, com o livro em punho, sair-se da ilha não mais seja a pior forma de nela ficar: poderemos agora levá-la connosco, transportá-la um pouco mais próximo do coração, à distância de uma leitura fugaz, arrebatada e, porque não, apaixonada!”
Ao autor, outra vez, os meus parabéns!

Joel Neto, A Vida no Campo – Os Anos da Maturidade, Cultura editora, 2019 
Telmo R. Nunes

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