A
propósito do diário A Vida no Campo,
do escritor terceirense Joel Neto, escrevi em 2016 que, tal “Como Torga
conseguiu engarrafar o sol que brilha sobre o “rio de oiro”, também Joel Neto
conseguiu aprisionar em A Vida no Campo,
a essência da ilha, a essência de todo um arquipélago e de tudo isto a que,
comummente, designamos por ser ilhéu!”. Continua atual! Ainda bem!
Finda
a leitura do volume II deste diário, parece-me justo aditar que o autor vive em
demanda de uma certa redenção que lhe parece escapar a cada entrada que vai
acrescentando. Ao folhear cada uma das páginas, é notória uma ânsia visceral de
reencontro com o passado. Poder-se-á afirmar haver uma necessidade primária de
contacto com o tempo ido, já que é desenvolvido um trabalho robusto no sentido de
recuperar e perpetuar essa memória de uma realidade há muito vivenciada mas que,
paralelamente, existe ainda – e bem arreigada –, constituindo o quotidiano de muitos
dos que o autor conhece, respeita e quer enaltecer. No fundo, quererá exaltar a
lembrança daquele que também ele já foi, bem antes das memórias lisboetas,
universitárias, jornalísticas…
Não
subsista, contudo, a ideia de que este segundo volume (ou o anterior) se limita
a uma escrita complacente e caridosa para com os terceirenses, concretamente, para
com os do lugar dos Dois Caminhos, na freguesia de Terra Chã. Ao invés, ficaram
imortalizadas nestas páginas sentidas homenagens e honestos tributos aos homens
e mulheres que, com o autor, repartem a serenidade bucólica que ali se pode
espreitar, mas também que dali arrigam à terra, e à força do braço, o sustento
de cada dia.
Mesmo em outras obras suas, onde a trama diverge
para outras geografias, é notória a relação umbilical que o autor conserva com
a ilha de Jesus Cristo e com os Açores: ele parte sempre da ilha; ele sedia-se no
arquipélago; ele coloca os Açores como centro do seu imaginário para, a partir
desse ponto e valendo-se da mundividência que foi acumulando, encetar o relato
das suas experiências com aquela voz tranquila que caracteriza as suas diegeses.
Neste segundo volume de A Vida no Campo não é diferente e, seja em Lisboa ou San Jose, New Bedford ou Providence, em Ovar,
Torres Novas ou Óbidos, Freiburg im Breisgu ou Porto Alegre, Joel Neto não se
consegue dissociar da sua açorianidade,
da sua condição de ilhéu açoriano da Terceira, da freguesia Ribeira Chã, filho
pródigo do lugar dos Dois Caminhos, embora suspeite que esse nunca terá sido o
seu desejo…
Tal
como no outro volume, a cada entrada deste diário é-nos servido “um retrato
pictórico altamente contagiante e esteticamente belo, sem abdicar, jamais, de
um realismo e veracidade ímpares”, ilustrando, dessa forma, o que ainda é a
vivência quotidiana em qualquer uma das nove ilhas dos Açores.
O
segundo volume deste diário ganhou o apêndice «Os anos da maturidade», o que na
prática lhe assenta muito bem, dada consistência que a escrita do autor vem
adquirindo de obra para obra. Pese embora tenha falhado a leitura de um ou
outro livro seu (dos de início de carreira literária), creio que será seguro
falar de um Joel Neto anterior a Arquipélago e de um outro posterior a esse que será o seu primeiro grande sucesso nacional,
a que se seguiu o incontornável Meridiano
28, na minha opinião, a sua Magnum
opus até à data.
Em
jeito de remate, e porque ainda me faz todo o sentido, ouso terminar da forma
com que finalizei o comentário à leitura do primeiro volume deste diário:
“Com
as devidas cautelas e distanciamentos que a geografia literária impõe, talvez
os mais afoitos possam agora afirmar que, com o livro em punho, sair-se da ilha
não mais seja a pior forma de nela ficar: poderemos agora levá-la connosco,
transportá-la um pouco mais próximo do coração, à distância de uma leitura
fugaz, arrebatada e, porque não, apaixonada!”
Ao
autor, outra vez, os meus parabéns!
Joel Neto, A Vida no Campo – Os Anos da Maturidade, Cultura editora, 2019
Telmo R. Nunes
Sem comentários:
Enviar um comentário