segunda-feira, 15 de setembro de 2014

in Açoriano Oriental




A obra O Carcereiro da Vila e Outras Estórias, da autoria do ‘Mestre’ Tomaz de Borba Vieira surgiu-me quase por um acaso. Aliás, será por esse feliz acaso que agora se dá este caso mas, previno, ao contrário do enunciado na obra, onde a narradora inicial seria “(…) trôpega na idade, mas ágil na arte de dizer.”, aqui encontrarão um trôpego, não pelos anos que carrega, mas antes em virtudes, especialmente as literárias que lhe escapam mais do que desejaria, pelo que faltar-lhe-ão, com toda a certeza, palavras suficientemente ajustadas ao comentário que agora é encetado.
As narrativas, oito no total, são de uma riqueza sublime! Revestidas de uma amálgama de temas, de cheiros e ambientes, de uma sucessão de personagens e espaços, de uma fusão exímia de perspetivas entre verdades que são nossas – açóricas – e um todo universal, advindo, por certo, da mundividência angariada ao longo de anos em viagem: se nos deparamos com um “Zé do Pico”, pescador e ex-combatente colonial, ou um repatriado de nome “John”, batizado João antes da família emigrar para a América, encontramos também um “Gino Martelli”, cozinheiro de profissão em Itália e especialista em “História e Estética da Escultura Florentina”. Tomaz consegue então ‘ser ilha’ sem nunca renunciar uma indelével cosmovisão, o que lhe enobrece sobremaneira o ser ilhéu!
Além das temáticas, o autor destaca-se também na minúcia do detalhe conseguindo, assim, sobrelevar o texto a um realismo que diria, quase sensorial. Em Bus Stop, por exemplo,narrativa dedicada a Daniel de Sá – o personagem, a quem se chama apenas o homem, “porque não interessa o nome dele”  “(…) viajava de tal maneira apertado que não precisava procurar apoio para se equilibrar (…)”, assim como os “sons [que] voavam em todos os sentidos, rente às orelhas (…)”. Desta forma, torna-se praticamente impossível ao leitor fugir ao incómodo, ao aperto ou ao barulho; Tomaz consegue com uma perícia indizível transportá-lo para dentro da narrativa e transformá-lo num dos passageiros daquele autocarro pejado de gente, trespassado por sons e povoado por cheiros, maus cheiros, arrisco…
Ainda a propósito desta narrativa, torna-se interessante salientar o recurso do autor a uma técnica de escrita muito pouco frequente, mas utilizada com um brilhantismo soberbo. A determinada altura, o protagonista – o homem – “(…) decidiu, sem mais desculpas, abandonar [a] estória. (…) [desistiu] de continuar em cena (…)” e, num ápice, cedeu o seu lugar ao narrador que o desempenhou até à conclusão da narrativa. Uma transição curiosa, geradora de uma perturbação quase inexplicável…
            O Carcereiro da Vila é ainda e também um espaço de declarada e acérrima recriminação política e ideológica. Quer na narrativa que empresta título ao livro, quer em Noites de Moscovo são criticadas com crueza (e com um refinado humor, diga-se) não apenas a ditadura salazarista, como também a incompetência das instituições que a serviam. Colocam-se em evidência as agruras e represálias impostas à pessoa que, de certa forma, se afastasse dos cânones impostos, o que a transformava em “inimigo do Estado (…) que convinha ser mantida debaixo d’olho.”, ou “O facto de a polícia estar convencida fosse lá do que fosse, era igual a estarem confirmadas todas as provas disso mesmo…”.
            Além de toda a riqueza temática e textual, há que evidenciar, ainda, a qualidade das ilustrações realizadas pelo próprio Tomaz Borba Vieira. Neste território tão distinto da arte, dá-se o infeliz acaso de pouco poder explanar, já que, embora seja admirador confesso, o meu conhecimento é manifestamente curto para o poder fazer com alguma segurança. No entanto, devo dizer que foi um verdadeiro gáudio poder folhear o livro e perceber na imagem a interpretação feita a partir do texto, o que revela, no mínimo, uma perícia ímpar por parte do ilustrador, já que é também isso que se espera de uma boa ilustração textual.
Por tudo quanto fica supradito, ainda bem que, por acaso, se deu o caso de me encontrar com O Carcereiro da Vila; foi, deveras, um acaso muito bem-vindo.
Vale a pena ler autores açorianos!

Telmo Rodrigo Nunes
a 12 de setembro de 2014

4 comentários:

mariam [Maria Martins] disse...

A ler ! Parabéns pela excelente divulgação :)

Telmo R. Nunes disse...

Espero que goste tanto quanto eu gostei!

Fico à espera de feedback!

Obrigado :)

Anónimo disse...

Agora sinto ainda mais saudades de casa.. Aqui nao há o azul dos Acores, o cheiro do verde húmido e sobretudo a música das palavras de ecritores como tu e dos que te inspiram. Aqui, nem uma FNAC da Ribeira Funda!

Telmo R. Nunes disse...

Obrigado pelas palavras... Reconheço-te na expressão e na saudade!! Um beijinho; espero que estejas bem!