sexta-feira, 20 de maio de 2022

Laudalino, o Fotógrafo da Maia

 


           
            Embora já a tenha citado a propósito de uma outra obra, justifica-se recuperar a frase de Sebastião Salgado, consagrado fotógrafo, reconhecido à escala global, que assumia que as suas «fotografias são o vetor entre o que acontece no mundo e as pessoas que não têm como presenciar o que acontece.»

Uma das vantagens da fotografia será a de tomar forma de pontes que nos permitam viajar até geografias distantes ou, mais maravilhoso ainda, viajar até aos nossos próprios espaços e que tão bem conhecemos, mas rasgando o tempo e mergulhando num pretérito tantas vezes surpreendente. Olhar fotografias antigas e ver outras representações daquilo que nos pertence em tempo presente, assumindo as várias reconfigurações sofridas até à data, revela-se um exercício extraordinário.

É o que acontece ao folhear o livro, Laudalino da Ponte Pacheco 1963-1975, da responsabilidade de Maria Emanuel Albergaria, Margarida Medeiros e João Leal, e brilhantemente editado pela Araucária Edições, em 2021, num volume muito cuidado, robusto e esteticamente muito bonito.

A obra surge divida em três partes, ocupando-se cada autor com uma vertente distinta: “O fotógrafo da Maia”, por Maria Emanuel Albergaria; “Continuar a viver – imagens de um quotidiano açoriano (1963-1975)”, por Margarida Medeiros; e “Os Açores dos anos 1960. As fotografias de Laudalino em contexto”, por João Leal. Estas três vertentes ou visões mantêm em comum entre elas o espaço. Embora também dediquem atenção a outros locais ilhéus ou não, nacionais ou internacionais, a freguesia da Maia, no concelho da Ribeira Grande e de origem do fotógrafo, mantem-se invariavelmente como espaço de partida (mas também de chegadas) em toda a narrativa.

Muitas das fotografias que integram este álbum são acompanhadas por informações adicionais, em jeito de legenda, e que se revelam muito úteis atendendo ao valor histórico, antropológico, social e cultural que as mesmas permitem colher. Lamenta-se que em tantas outras, essa informação tão pertinente já se tenha perdido na névoa do esquecimento. Todavia, há que reconhecer o notável esforço no sentido de dotar as imagens destes pequenos apêndices tão profícuos, considerando pessoas e/ou realidades profundamente modificadas pelo tempo.

Considerando as condições atmosféricas próprias do arquipélago (a humidade, em particular), e sabendo do efeito que as mesmas produzem sobre este tipo de material, é admirável e digno de registo a quantidade mas, sobretudo, a qualidade das fotografias eternizadas neste volume, mérito, claro está, dos conhecimentos e cuidados tidos primeiro por Laudalino da Ponte Pacheco, depois pela família herdeira e finalmente pelos responsáveis da Santa Casa da Misericórdia da Maia, (depositária de um espólio com cerca de 155.000 fotografias), que as souberam e têm sabido proteger, não obstante as condições adversas em que vivemos.

Ao folhearmos as páginas deste livro, torna-se quase inevitável a eclosão de um sentimento de empatia para com o “fotógrafo da Maia”, como era amavelmente reconhecido Laudalino Pacheco. Descrito explicitamente como um homem dinâmico, muito divertido e trabalhador, facilmente se infere a sua extrema perspicácia e cultura. Hão de perdoar-me o lugar-comum, mas falamos de um homem bem à frente do seu tempo, um visionário e uma pessoa multifacetada. Para além da dedicação à família, às suas funções profissionais na Fábrica de Tabaco da Maia e à fotografia, Laudalino da Ponte Pacheco apoiou militares durante a Guerra, desempenhou funções de socorrista, foi dirigente desportivo e membro da Junta de Freguesia da Maia. Arrendava quartos a profissionais deslocados ou a turistas, era carpinteiro, cobrava e distribuía o Açoriano Oriental e o Correio dos Açores. Vendia rádios e distribuía tabaco pelos estabelecimentos comerciais da época.  Era um homem curioso e sagaz: montou na sua casa toda a instalação elétrica anos antes da eletricidade chegar à freguesia da Maia.

A nível histórico e antropológico, este será sempre um contributo formidável, já que nos oferece a representação pictórica detalhada de diversas vivências culturais e sociais de um passado que, embora nos pareça muito longínquo quer no tempo quer no espaço, a verdade é que não se passaram assim tantos anos desde aquela realidade que ali vem documentada. Por outro lado, a evolução das vias de comunicação permitiu encurtar distâncias, pelo que o locais retratados ficam sempre a poucos minutos de viagem.

 Esta obra deverá ser encarada como um veículo de conhecimento atual e perpétuo da vontade e da tenacidade daqueles inconformados que, antes de nós, mostraram querer e saber fazer mais pela sua terra. É a prova clara de que o progresso e a alteração de comportamentos e costumes são possíveis de forma harmoniosa e sustentável e que essa capacidade está na evolução das próprias pessoas.

Maria Emanuel Albergaria, Margarida Medeiros, João Leal, Laudalino da Ponte Pacheco 1963-1975, Araucária Edições, 2021

#livrosecoisasdessas



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