terça-feira, 27 de junho de 2023

MANUAIS DIGITAIS: SIM OU NÃO?


Chegados ao final do ano letivo, impõe-se um balanço à opção tomada pela Tutela e que determinou o uso dos manuais digitais, nas turmas de quinto e oitavo anos de escolaridade, nas escolas da Região.

Confesso que suspeitei dos benefícios pedagógicos que esta opção prometia logo desde o início deste processo. Mesmo antes de efetuar formação especializada com pessoal qualificado, era possível antecipar muitos dos problemas que, neste momento, se verificam, e que, inevitavelmente, condicionaram as avaliações finais destes alunos.

Concordo que à escola caiba um papel fundamental na preparação do indivíduo para a digitalização que se operacionaliza na sociedade atual, mas creio também que ela (a escola) não se deve reduzir a isso, nem que essa preparação possa colocar em causa o progresso harmonioso de determinadas competências, tidas como fundamentais para o desenvolvimento integral do indivíduo.

Considerando que, por tantas vezes, os países do norte da Europa são tomados como exemplo, veja-se o desconforto do Ministério da Educação sueco ante a digitalização na escola, chegando mesmo a Senhora Ministra da Educação a afirmar que nenhum «tablet» pode substituir as vantagens de um livro. Aliás, foram um pouco mais longe, e solicitaram relatórios técnicos a 60 especialistas (!) na matéria, sendo que todas as organizações envolvidas chegaram à mesma conclusão: “Todos os estudos sobre o cérebro das crianças mostram que elas não beneficiam com o ensino baseado em ecrãs”.

Por cá, e tanto quanto pudemos ler na comunicação social açoriana (Açoriano Oriental de 13 de junho de 2023), está o Tribunal de Contas a verificar a eficácia material e financeira da implementação destes Manuais Escolares Digitais e, quanto a essa vertente, nada me apraz acrescentar, por representar algo que me transcende, todavia, na mesma notícia, cita-se a Senhora Secretária Regional da Educação e dos Assuntos Culturais, que afirma que “Em termos de resultados educativos, ainda é muito prematuro nós podermos fazer essa aferição”.

Estou longe de me assumir contra a digitalização, e mais ainda contra a mudança de paradigmas, não sou extremista ao ponto de pedir que se extingam os «tablet» ou outros dispositivos dentro da sala de aula. Quando bem utilizados, são úteis e isso é irrefutável. Todavia, o que me pareceu extemporâneo e muito perigoso foi a retirada imediata dos manuais escolares das salas de aula. Lamentavelmente, houve alunos que, este ano letivo, raramente tocaram um livro e lê-lo, enfim… Deixou de se sentir as páginas e o cheiro do livro.

O recurso exclusivo a «tablet» ou computadores potencia a falta de atenção e concentração, advindas, não apenas das incontáveis funcionalidades que a máquina possui, mas também das constantes notificações, barulhos, falta de bateria ou outros, que a dita emite. Pelo contrário, nos manuais físicos essa interrupção é residual, aumentando inversamente o tempo e a qualidade da atenção e concentração, que redundam, naturalmente, numa maior retenção de informação e consequente produção de conhecimento. Num breve esforço, recordemos os motivos que estiveram na base da opção pelas aulas assíncronas, aquando dos sucessivos confinamentos a que os nossos alunos estiveram sujeitos. Se me recordo, na altura, garantia-se que a exposição excessiva dos miúdos aos ecrãs era muito cansativa e perniciosa e, por isso, muito menos proveitosa e recomendável. Minimizaram-se esses problemas recorrendo à assincronia das aulas.

Embora me tenham chegado inúmeros relatos de colegas de outras áreas, não quero generalizar, mas no que à lecionação das áreas curriculares disciplinares de Português e Inglês concerne, e concretamente em momentos de leitura, os alunos revelaram mais cansaço e mais dificuldades de acompanhamento da leitura em voz alta, comparativamente com o mesmo exercício em manual físico. Dizem-me que noutras áreas também foi assim, concretamente na leitura e compreensão de enunciados escritos. Depois, e reportando-me somente aos mais pequenos, tiveram sempre muitas dificuldades em articular a leitura com o modo de «Zoom», tantas vezes necessário, dadas as dificuldades de visualização do próprio texto.

Passada a euforia inicial de ter um «tablet», pela primeira vez, houve alunos que desmotivaram logo à segunda semana: demoravam a encontrar a página correta ou o exercício a realizar; o seu equipamento não permitia determinada funcionalidade ou não lia determinado tipo de ficheiro que era lido pelo do colega do lado; houve o constantemente o problema da falta de bateria, o que, parecendo que não, prejudicou sobremodo o aluno, que, naquela aula, não conseguiu acompanhar o lecionado, nem mesmo olhando para o do colega do lado; houve os problemas recorrentes com a rede, seja em casa ou mesmo na escola, o que impossibilitou totalmente o seu uso; recordo o lamentável processo de redação no próprio manual, com recurso à caneta digital, que foi verdadeiramente anedótico, pelo que, em pouco tempo, os alunos deixaram de usar esta forma de escrita, optando pelo registo das respostas nos seus cadernos diários.

Tenhamos presente que os alunos do 5.º ano são crianças de dez ou onze anos e não têm desenvolvidas competências, dentre as quais a autonomia, para o manuseio desta máquina, e em casa, o problema agudiza-se, por não terem quem os acompanhe condignamente. É certo que à escola cabe ministrar essa aprendizagem, mas não substituindo o livro pelo «tablet» ou computador. Permitam-me a comparação, mas não é durante a batalha que se ensina a manusear a arma.

Que coexistam máquina e livro. A favor da tecnologia, podemos falar de sustentabilidade, da comodidade, da personalização ou da acessibilidade, pelo que o ideal era mesmo que coexistissem, num complemento harmonioso.

A bem das aprendizagens dos alunos, esta não foi uma medida prudente e, considerando a realidade com que trabalho, não sou o único a pensar dessa forma. Note-se que, ao longo do ano letivo, recebi várias solicitações de pais e encarregados de educação para que os seus educandos passassem a utilizar os manuais físicos, em detrimento dos manuais digitais. Invariavelmente, respondi que o «tablet» era obrigatório, sob pena de não cumprirem com aquilo a que se propuseram aquando do início de ano letivo. Todavia, houve casos em que permiti que os discentes trouxessem os dois suportes para as aulas, sendo que os relatos desses pais, garantiam que as aprendizagens dos seus educandos haviam melhorado a partir desse ponto. Eu, enquanto professor desses alunos, atesto a veracidade do que os seus pais afirmaram. Ademais, houve outros pais e encarregados de educação que, na semana passada, durante o momento da entrega das avaliações finais, solicitaram que, no próximo ano letivo, os seus educandos não tivessem os «tablet», ao que lhes respondi que se deveriam dirigir ao Conselho Executivo da Unidade Orgânica e que lá apresentassem as suas exigências, uma vez que essa decisão extravasava as minhas competências. Sei de alguns que o fizeram.

Recolhidas as opiniões dos vários Departamentos Curriculares da minha escola, redigimos um documento onde manifestámos profunda preocupação com todas estas questões, sendo que, até à data, não obtivemos quaisquer respostas. Por outro lado, em diálogo com os colegas de profissão de outras unidades orgânicas, não encontrei ainda um que me garantisse preferir o digital sobre o manual físico, pelo que estou expectante para ver o que acontece no próximo ano letivo.

Sei de antemão que os recursos são finitos e que a utopia da opção por ambos os suportes será incomportável, todavia, oxalá nunca se olvide aquela máxima que garante que os gastos em educação são sempre um investimento e nunca uma despesa; oxalá se devolva o manual às salas de aula, oxalá se devolva o livro aos nossos alunos.

📷 https://www.alagoinhashoje.com

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