Chegados ao final do ano letivo, impõe-se um balanço à opção tomada pela Tutela e que determinou o uso dos manuais digitais, nas turmas de quinto e oitavo anos de escolaridade, nas escolas da Região.
Confesso que suspeitei dos benefícios pedagógicos que esta
opção prometia logo desde o início deste processo. Mesmo antes de efetuar
formação especializada com pessoal qualificado, era possível antecipar muitos
dos problemas que, neste momento, se verificam, e que, inevitavelmente,
condicionaram as avaliações finais destes alunos.
Concordo que à escola caiba um papel fundamental na
preparação do indivíduo para a digitalização que se operacionaliza na sociedade
atual, mas creio também que ela (a escola) não se deve reduzir a isso, nem que
essa preparação possa colocar em causa o progresso harmonioso de determinadas
competências, tidas como fundamentais para o desenvolvimento integral do
indivíduo.
Considerando que, por tantas vezes, os países do norte da Europa
são tomados como exemplo, veja-se o desconforto do Ministério da Educação sueco
ante a digitalização na escola, chegando mesmo a Senhora Ministra da Educação a
afirmar que nenhum «tablet» pode substituir as vantagens de um livro. Aliás,
foram um pouco mais longe, e solicitaram relatórios técnicos a 60 especialistas
(!) na matéria, sendo que todas as organizações envolvidas chegaram à mesma
conclusão: “Todos os estudos sobre o cérebro das crianças mostram que elas não
beneficiam com o ensino baseado em ecrãs”.
Por cá, e tanto quanto pudemos ler na comunicação social
açoriana (Açoriano Oriental de 13 de junho de 2023), está o Tribunal de Contas
a verificar a eficácia material e financeira da implementação destes Manuais
Escolares Digitais e, quanto a essa vertente, nada me apraz acrescentar, por
representar algo que me transcende, todavia, na mesma notícia, cita-se a
Senhora Secretária Regional da Educação e dos Assuntos Culturais, que afirma
que “Em termos de resultados educativos, ainda é muito prematuro nós podermos
fazer essa aferição”.
Estou longe de me assumir contra a digitalização, e mais
ainda contra a mudança de paradigmas, não sou extremista ao ponto de pedir que
se extingam os «tablet» ou outros dispositivos dentro da sala de aula. Quando
bem utilizados, são úteis e isso é irrefutável. Todavia, o que me pareceu
extemporâneo e muito perigoso foi a retirada imediata dos manuais escolares das
salas de aula. Lamentavelmente, houve alunos que, este ano letivo, raramente
tocaram um livro e lê-lo, enfim… Deixou de se sentir as páginas e o cheiro do
livro.
O recurso exclusivo a «tablet» ou computadores potencia a
falta de atenção e concentração, advindas, não apenas das incontáveis
funcionalidades que a máquina possui, mas também das constantes notificações,
barulhos, falta de bateria ou outros, que a dita emite. Pelo contrário, nos
manuais físicos essa interrupção é residual, aumentando inversamente o tempo e
a qualidade da atenção e concentração, que redundam, naturalmente, numa maior
retenção de informação e consequente produção de conhecimento. Num breve
esforço, recordemos os motivos que estiveram na base da opção pelas aulas
assíncronas, aquando dos sucessivos confinamentos a que os nossos alunos
estiveram sujeitos. Se me recordo, na altura, garantia-se que a exposição
excessiva dos miúdos aos ecrãs era muito cansativa e perniciosa e, por isso,
muito menos proveitosa e recomendável. Minimizaram-se esses problemas
recorrendo à assincronia das aulas.
Embora me tenham chegado inúmeros relatos de colegas de
outras áreas, não quero generalizar, mas no que à lecionação das áreas
curriculares disciplinares de Português e Inglês concerne, e concretamente em
momentos de leitura, os alunos revelaram mais cansaço e mais dificuldades de
acompanhamento da leitura em voz alta, comparativamente com o mesmo exercício
em manual físico. Dizem-me que noutras áreas também foi assim, concretamente na
leitura e compreensão de enunciados escritos. Depois, e reportando-me somente
aos mais pequenos, tiveram sempre muitas dificuldades em articular a leitura
com o modo de «Zoom», tantas vezes necessário, dadas as dificuldades de
visualização do próprio texto.
Passada a euforia inicial de ter um «tablet», pela primeira
vez, houve alunos que desmotivaram logo à segunda semana: demoravam a encontrar
a página correta ou o exercício a realizar; o seu equipamento não permitia
determinada funcionalidade ou não lia determinado tipo de ficheiro que era lido
pelo do colega do lado; houve o constantemente o problema da falta de bateria,
o que, parecendo que não, prejudicou sobremodo o aluno, que, naquela aula, não
conseguiu acompanhar o lecionado, nem mesmo olhando para o do colega do lado;
houve os problemas recorrentes com a rede, seja em casa ou mesmo na escola, o
que impossibilitou totalmente o seu uso; recordo o lamentável processo de
redação no próprio manual, com recurso à caneta digital, que foi
verdadeiramente anedótico, pelo que, em pouco tempo, os alunos deixaram de usar
esta forma de escrita, optando pelo registo das respostas nos seus cadernos
diários.
Tenhamos presente que os alunos do 5.º ano são crianças de
dez ou onze anos e não têm desenvolvidas competências, dentre as quais a
autonomia, para o manuseio desta máquina, e em casa, o problema agudiza-se, por
não terem quem os acompanhe condignamente. É certo que à escola cabe ministrar
essa aprendizagem, mas não substituindo o livro pelo «tablet» ou computador.
Permitam-me a comparação, mas não é durante a batalha que se ensina a manusear
a arma.
Que coexistam máquina e livro. A favor da tecnologia,
podemos falar de sustentabilidade, da comodidade, da personalização ou da
acessibilidade, pelo que o ideal era mesmo que coexistissem, num complemento
harmonioso.
A bem das aprendizagens dos alunos, esta não foi uma medida
prudente e, considerando a realidade com que trabalho, não sou o único a pensar
dessa forma. Note-se que, ao longo do ano letivo, recebi várias solicitações de
pais e encarregados de educação para que os seus educandos passassem a utilizar
os manuais físicos, em detrimento dos manuais digitais. Invariavelmente,
respondi que o «tablet» era obrigatório, sob pena de não cumprirem com aquilo a
que se propuseram aquando do início de ano letivo. Todavia, houve casos em que
permiti que os discentes trouxessem os dois suportes para as aulas, sendo que
os relatos desses pais, garantiam que as aprendizagens dos seus educandos
haviam melhorado a partir desse ponto. Eu, enquanto professor desses alunos,
atesto a veracidade do que os seus pais afirmaram. Ademais, houve outros pais e
encarregados de educação que, na semana passada, durante o momento da entrega
das avaliações finais, solicitaram que, no próximo ano letivo, os seus
educandos não tivessem os «tablet», ao que lhes respondi que se deveriam
dirigir ao Conselho Executivo da Unidade Orgânica e que lá apresentassem as
suas exigências, uma vez que essa decisão extravasava as minhas competências.
Sei de alguns que o fizeram.
Recolhidas as opiniões dos vários Departamentos Curriculares
da minha escola, redigimos um documento onde manifestámos profunda preocupação
com todas estas questões, sendo que, até à data, não obtivemos quaisquer
respostas. Por outro lado, em diálogo com os colegas de profissão de outras
unidades orgânicas, não encontrei ainda um que me garantisse preferir o digital
sobre o manual físico, pelo que estou expectante para ver o que acontece no
próximo ano letivo.
Sei de antemão que os recursos são finitos e que a utopia da
opção por ambos os suportes será incomportável, todavia, oxalá nunca se olvide
aquela máxima que garante que os gastos em educação são sempre um investimento
e nunca uma despesa; oxalá se devolva o manual às salas de aula, oxalá se
devolva o livro aos nossos alunos.
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