segunda-feira, 12 de junho de 2023

CHÁ NOS AÇORES UMA TARDE NA GORREANA



Nunca é demais difundir e valorizar o património cultural de uma região, sobretudo se essa ocupar um lugar na cauda de quase todos os índices de desenvolvimento humano. Contribuir para o aperfeiçoamento da democracia cultural deve ser um desígnio cívico claramente assumido e, por nada, nos devemos alhear dele, sob pena de contribuirmos para o embrutecimento dos espíritos, já tão apoucados pelo uso excessivo de redes sociais e consequente consumo de informação de qualidade duvidosa.

Foi com este intento que, num fim de tarde primaveril, na vetusta, mas sempre muito estimada, Fábrica de Chá Gorreana (1883), foi lançado o livro «Chá Nos Açores Uma Tarde Na Gorreana», da responsabilidade da Araucária, uma editora que se tem afirmado nos Açores e em São Miguel, em particular pela qualidade que empresta aos livros com que trabalha. É digna de realce a forma como é tratado cada livro, olhado sempre como peça una e, por isso, valiosa, que importa mimar desde a sua conceção até ao ponto de venda. De facto, existem ainda editores nos Açores que trabalham com garbo, apontando o fito à qualidade daquilo que apresentam. Note-se que esta é a mesma editora de «Laudalino da Ponte Pacheco 1963-1975», uma obra singular, muito aclamada pelo público-leitor e muito bem acolhida pela crítica regional e nacional; um livro muito bonito, rico, um verdadeiro sucesso cultural, que, tal como este agora lançado, almeja elevar desde as profundezas do esquecimento ou pelo menos da memória de uns poucos, as velhas usanças e comportamentos sociais e económicos de um passado não tão longínquo, procurando resgatá-lo até aos nossos dias, difundindo-o por todos quantos se preocupem com o futuro.

Em simbiose perfeita, a elevada qualidade do texto, entremeando ficção com factos históricos, sociais, geográficos e económicos, da responsabilidade de Maria Emanuel Albergaria, aliada à exuberância e inegável riqueza da imagem (sobrecapa incluída), da autoria de Mariana Rio, unem-se para dar a conhecer a um público mais jovem a origem do chá na ilha de São Miguel. Esta associação recíproca entre palavra e imagem eleva-se a tal qualidade que se torna completamente impossível afirmar se será a imagem ilustrar o texto, ou se será o texto legendar o desenho. Em boa verdade, não é que haja grande interesse em perceber isso, uma vez que, ao apreciar o conjunto, uma vai complementando a outra, sem que se sinta a necessidade de perceber qual a prevalecente e qual a suplementar. Unem-se ao serviço dos mais novos, proporcionando momentos de agradável leitura sensorial.

Num registo cuidado, mas percetível à literacia dos mais petizes, é abordada a proveniência do chá, assim como quais foram os  principais impulsionadores e razões que sustentaram a busca por novas formas de negócio; são levantadas questões sobre a forma de cultivo, havendo mesmo uma pequena deriva até aos antecedentes que marcaram a introdução da planta no arquipélago, reportando-se a autora aos finais do século XVIII e à primeira metade do século XIX, elucidando o jovem leitor sobre aquele que ficou conhecido na história dos Açores como “Ciclo da Laranja”, sem olvidar, claro está, a importância económica e a influência cultural que os ingleses tiveram sobre os açorianos. 

Para além do texto e das ilustrações anteriormente mencionados, faz parte ainda deste «Chá Nos Açores Uma Tarde Na Gorreana» um interessante número de fotografias que percorre a história das gerações que fizeram daquela fábrica o que ela representa atualmente. Além disso, este conjunto dilata sobremaneira a importância documental de todo o volume, permitindo novas formas de granjear informação. Adite-se que houve ainda o cuidado de legendar e datar cada fotografia, conferindo ao leitor a possibilidade de visualização pictórica daquilo que vai retendo ao longo da leitura. Outro detalhe que capta a atenção do leitor é o tratamento dado às notas de rodapé, que deixam de o ser, uma vez que, habilmente e servindo-se da excelência da conceção gráfica, as mesmas surgem como que integradas no próprio texto, fazendo com o jovem leitor as procure, ao invés (como é habitual) de as evitar.

Este será um volume que, a par de outros, como «O Barco e o Sonho» de Manuel Ferreira, adaptado por Sandra Bairos, ou «Mandem Saudades», de Mário Augusto facilmente poderão integrar o conjunto de obras a trabalhar nas escolas, no âmbito da disciplina de História Geografia e Cultura dos Açores, tal a riqueza nele existente, mormente no que aos aspetos culturais concerne.

A terminar, sublinhamos o repto, reiterado por muitos, lembrando que seria muito interessante reunir apoios na persecução da tradução da obra para língua inglesa, não apenas atendendo ao elevado número de turistas que nos visitam, mas, sobretudo, considerando a aproximação emocional de toda a diáspora açoriana à exploração do chá na ilha de São Miguel e àquela fábrica , em particular.

Maria Emanuel Albergaria, «Chá Nos Açores Uma Tarde Na Gorreana», Araucária, 2023

#livrosecoisasdessas

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