sexta-feira, 23 de junho de 2023

JÉNIFER, OU A PRINCESA DA FRANÇA As Ilhas (Realmente) Desconhecidas


Este é um livro diferente. Em boa verdade, não é apenas um livro, assume-se também como uma fotografia; um fidelíssimo retrato do pobre estado em que todos nos encontramos, sim, porque este é um desígnio comum, um problema que nos diz respeito a todos, e pelo qual todos devemos assumir responsabilidade.

 A cada página, um esmurrar de estômago pelo confronto com aquilo que, efetivamente, é a realidade de tantos açorianos. Por trabalhar há muitos anos (talvez há demasiados) numa zona arredada dos grandes centros urbanos e culturais, assumo com relativa segurança que, o que nos é dado a ver nas urbes açorianas, Ponta Delgada, Lagoa, Ribeira Grande, Angra do Heroísmo, Praia da Vitória ou Horta, está longe, bem longe da realidade e das verdadeiras condições de vida de grande parte (quiçá, a maior parte) dos açorianos. E é pena que assim seja, e mais ainda que não se vislumbrem alterações significativas nos anos vindouros. 

A ação deste texto ocorre na ilha Terceira e de Jesus Cristo, mas foi com relativa facilidade que, através desta leitura, calcorreei ruas e percorri bairros em São Miguel. Vi micaelenses com os quais interajo quotidianamente a fazerem exatamente o que fazem todos os dias, e questionei-me sobre como poderia o autor discorrer sobre  aquilo. É triste e deveras preocupante a facilidade com que se replica esta pesarosa narrativa por tantos espaços, talvez até pelos nove que compõem o arquipélago, mas, por não os conhecer a todos, não posso ousar a generalização.

Ao longo das últimas duas décadas, e a cada ano letivo, invariavelmente, tanto eu, como qualquer um dos meus colegas, temos duas ou três “Jénifers” dentro das nossas salas de aula. Entram atrasadas, vêm mudas e sentam-se na secretária do fundo. Chegam sempre com muito sono. Nunca querem estudar e motivá-las para quaisquer atividades escolares nunca é tarefa fácil. E os motivos? Bem, em boa verdade, todos os conhecemos.

Por há muito ser assim, oxalá não falte ânimo nem virtude ao escritor, para que a denúncia possa voar um pouco mais alto e se oiça um pouco melhor. Que continue a trazer à lupa do mediatismo a pobreza em que os Açores estão mergulhados.

Joel Neto, «Jénifer, ou a Princesa da França As Ilhas (Realmente) Desconhecidas», Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2023


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