quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

MADALENA

 



O primeiro contacto com a escrita de Isabel Rio Novo aconteceu não há muito tempo. Vivia-se já em época pandémica e ocorreu quando a autora principiou, numa rede social, uma espécie de diário intitulado Os Dias das Árvores. Estimulado pela sua escrita, seguiram-se as leituras dos romances Rio do Esquecimento, A Febre das Almas Sensíveis e, sobretudo, Rua de Paris em Dia de Chuva, um dos livros que mais apreciei naquele ano, aliás, finalista do Prémio Europeu de Literatura e do Prémio de Narrativa do PEN Clube, o que tão bem atesta a qualidade literária ali conferida.

Madalena (vencedor do Prémio Literário João Gaspar Simões) é o título do novo livro da autora, um empolgante romance lançado recentemente pela D. Quixote e que vem cimentar a posição cimeira que a autora ocupa no panorama literário português mais recente.

Servindo-se de um interessante manuseio da linha cronológica, Isabel Rio Novo assenta este romance em três momentos narrativos, expondo com detalhe e inquestionável brilhantismo, não apenas a história de uma professora doente oncológica, como também de grande parte da sua ascendência materna, até aos idos de 1920. Acontecimentos passados, outros presentes e outros ainda “vivenciados” sob a forma de sonho são desfiados ao longo da diegese, acabando por criar entre si sinergias temporais, que depois assomam a um tempo presente, onde tudo se integra e faz sentido, «como um rio certo, que corre da nascente à foz».

Iniciada a leitura de Madalena são percetíveis traços característicos da autora, destacando-se, desde logo, o recrudescido cuidado com que se mune, domina e relaciona informação detalhada e fidedigna sobre o narrado, conferindo-lhe, dessa forma, uma veracidade, dir-se-ia, quase sensorial. Noutros trabalhos seus, sublinhou-se a mescla entre uma «(…) escrita romanesca e escrita biográfica, em aliança, com um surpreendente registo autobiográfico», neste particular, considerando a invocação prévia da memória dos avós, tem-se como possível que a autora tenha combinado factos reais, fundindo-os com expediente ficcional.

Se em termos temáticos poderíamos ser levados a pensar que a obra se atém a um sofrido rol das vivências oncológicas desta jovem professora de História, a verdade é que somos amplamente surpreendidos por uma robusta análise à condição humana e à forma como encaramos a vida e a morte. Somos chamados à razão quando nos mostram que o tempo que nos resta na âmbula da vida pode «assumir novas dimensões»; é-nos dado o alerta, a todos nós – incautos –, que pensamos «na morte como numa dívida distante». Isabel Rio Novo soca-nos as convicções e as falsas seguranças, lançando à vitrina da vida a imprevisibilidade da nossa própria finitude, «Se as pessoas soubessem que iam morrer, se as pessoas soubessem que iam morrer, não suportariam as suas vidas.» Todavia, são também narradas histórias de vida e formas mais ou menos dignas de as vivermos. São apresentadas relações marcadas pelo mistério, pela traição, pela tragédia e pela morte, mas também outras pautadas pela dedicação familiar e pelo amor conjugal. Para tal, é desenvolvida a eterna dicotomia entre o bem e o mal, entre o correto e o pernicioso, consubstanciando-se estas posições pelo antagonismo que representam personagens extremamente bem caracterizadas e que assumem posições antípodas perante vivências múltiplas, como sejam o matrimónio ou a parentalidade, por exemplo.

Uma palavra ainda para a capa do livro, adornada por uma belíssima reprodução da obra «Les feuilles mortes», uma escolha absolutamente pertinente e que, de todas as formas, introduz o leitor pela temática do próprio texto.  

Apropriando-me de uma expressão utilizada bastas vezes por um crítico literário português, creio ser seguro afirmar que, hoje, ler Isabel Rio Novo já se tornou numa «experiência literária» de excelência, dada a sua constante pertinência e originalidade. Embora não tenha lido ainda toda a sua obra ficcional, não me custa reconhecer que a mesma se sustenta em níveis de qualidade evidentes e ao alcance de uns poucos virtuosos.

 

Isabel Rio Novo, Madalena, D. Quixote, 2022


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