quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

A Nova Índia aos Olhos de Anamika

 


Não há muito tempo li um livro que adorei. Babyji, exemplarmente redigido por Abha Dawesar, escritora indiana duma capacidade de escrita muito acima da média. É daqueles livros que nos agarram desde a primeira página até à última (340).

Devo dizer que quando o comprei, tinha apenas como referência uma breve, mas muito cativante sinopse publicada na Visão, mas decorrendo a acção na Índia, mais me “aguçou o apetite”, isto porque sou simplesmente doido por aquele país, aquela cultura fascina-me desde longa data.

Anamika, ou Babyji, como carinhosamente é chamada pelos que lhe são mais próximos, vive em Nova Deli e é uma estudante excepcional, é genial a Física Quântica, adora estudar, e procura sempre superar tudo e todos para não desapontar ninguém, já que é olhada por seus pares como exemplo a seguir. Mantém com a directoria da escola onde estuda uma relação muito próxima, já que representa todos os estudantes do seu colégio. Sente-se orgulhosa disso mesmo, é o orgulho dos seus pais, mas sente o peso que acarreta, a posição que ocupa na sua micro – sociedade.

“Em casa, lê o Kamasutra às escondidas e, no seu esforço para crescer, atrai as atenções de homens e mulheres, rapazes e raparigas. Ávida de experiências e saber, questiona a justiça e a relevância do sistema de castas indiano, o conservadorismo do país e questões morais e intelectuais tais como a homossexualidade e a religião.” É descrita uma adolescente que para além de sofrer com as mudanças próprias inerentes à sua idade, é ainda perturbada por uma inteligência e espírito crítico muito acima da média, muito além do que a sua idade lhe deveria exigir! Os próprios amigos de Anamika não a entendem quando os questiona sobre algo, está quase sempre para além do seu conhecimento, mas não a criticam por isso. Admiram-na!

Babyji, não encontrando as respostas que pretende pelos meios convencionais, procura-as de outras formas. Será através da prática sexual que vai encontrar muitas das soluções aos seus problemas.

Ousada, já que o sexo é, ainda hoje, tema tabu neste país de raízes tão peculiares, esta adolescente, em busca de si própria envolve-se em diversas relações de amor, umas hetero, outras homossexuais, o que lhe poderia valer a qualquer momento fortes reprimendas e mesmo castigos demasiado pesados para a sua inocência. Desafiou toda uma moral intrínseca, duma sociedade ultra – conservadora, uma família regida pelos velhos costumes, mas descobre sempre aquilo a que se propõe.

Romances com as mais cobiçadas colegas do colégio, com o detestável rufia da escola, com a empregada da sua casa, amores escaldantes com amigas de sua mãe ou com o pai do seu melhor amigo, Anamika, passa a encarar cada relação sua como uma panóplia, como uma fonte de respostas à sua mente tão ávida de conhecimento adulto, conhecimento que não considera de forma nenhuma ser precoce.

Realmente a não perder. É adorável, entusiasmante, embora considere que por algumas vezes a autora se tenha deixado levar pela paixão, pelo querer expor o que tanto se preza naquele país por manter escuso ao resto do mundo: o preconceito ou em última análise o racismo advindo única e simplesmente de forma hereditária ou por via das tradições.

A história em si é mesmo bastante agradável à leitura recreativa, mas o que mais me apaixonou nesta obra foi indubitavelmente a forma como a Abha tão bem soube caracterizar a sociedade indiana actual.

Muito embora não tenha sido uma nova descoberta, a forma como é descrita a estratificação da sociedade em castas é deveras adorável. O preconceito dos Brâmane (ricos e nobres) face ao pobre e às profissões consideradas menos relevantes, a superstição daqueles em relação aos desfavorecidos e o nojo com que são olhados os Párias ou os condenados aos trabalhos mais sórdidos e mal pagos, é retratada de uma forma avassaladora, muito cuidada e extremamente elucidativa.

Abha Dawesar consegue despir todo um país de forma sensual, e põe a nu, aos olhos do mundo, todo o preconceito que em pleno século XXI ainda existe no seu país natal.

Objectivo alcançado, já que segundo a própria, foi a isso mesmo que se propôs inicialmente.

Eu recomendo!

 Abha Dawesar, Babyji, Edições Asa, 2007

Telmo R. Nunes a 18/04/08


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