Foi
um gosto poder participar na apresentação do livro Volta Aos Açores Em Quinze
Dias, da autoria de José Pedro Castanheira, ao lado dos Professores Onésimo
Teotónio Almeida e Vamberto Freitas.
VOLTA
AOS AÇORES EM QUINZE DIAS
“A apresentação de um livro carrega sempre uma forte carga emocional e é um momento de grande responsabilidade. Entrar no mundo de quem produz a obra e procurar entender os motivos que levaram à sua saída para o prelo nunca é tarefa fácil.”
Assim,
como mote ao que se segue, mas também como forma de contextualização, nada
melhor do que começar esta apresentação com as palavras de quem acompanhou este
projeto praticamente desde o início, e dele conhece praticamente todos os
detalhes:
José
Pedro Castanheira será por muitos reconhecido como um jornalista português que
integrou o quadro de diversos jornais, entre os quais o Expresso, onde,
durante quase trinta anos, se dedicou à grande reportagem e ao jornalismo de
investigação. Desempenhou, ao longo da sua carreira, cargos no Sindicato dos
Jornalistas e, a solo ou em coautoria, é responsável por mais de uma dúzia de
livros, dos quais emerge o título, Jorge Sampaio – Uma Biografia (Porto Editora, 2 vol. 2012 - 2017). O que talvez não seja do conhecimento do grande
público é que o autor é um apaixonado pelos Açores e, embora nascido no Continente
português, bem apartado do arquipélago, apresenta-nos aqui uma bonita
declaração de amor à Região e às suas gentes. Ao saborearmos esta obra, ao notarmos
a sensibilidade com que o autor reveste cada entrada deste diário, percebemos,
por inteiro, o sentimento ilhéu que lhe molda as ilhargas do coração. Se José
Pedro Castanheira já ganhara, há muito, o seu espaço físico na ilha, sobretudo
na do Pico, legitima agora, e de forma brilhante, o seu lugar no coração de
todos os leitores açorianos.
Volta
Aos Açores Em Quinze Dias, Diário De Bordo De Uma Viagem Para (Não) Esquecer, ou
simplesmente VA15D, como o próprio decidiu designá-lo, foi a sua primeira
incursão literária fora do âmbito do jornalismo, sendo que a mesma enquadrar-se-á
naquilo a que, por definição, designamos por Literatura de Viagem. E que viagem,
esta, navegando pelos inesperados humores do mar açoriano, onde as suas birras imprevisíveis,
mas constantes, mantêm em alerta todos sentidos dos marinheiros que por estas
bandas se aventuram.
Assumindo-se
como um Diário de Bordo, este conjunto de textos nasceu no âmbito da
concretização de um sonho acalentado durante quarenta anos, por este apaixonado
pelo arquipélago açoriano, ele queria «Dar uma volta pelas ilhas dos Açores num
barco à vela, com um grupo de amigos, e explorar as suas extraordinárias
belezas […]». Como qualquer diário de viagem,
teve como primeiro desígnio a eternização de todas as peripécias ocorridas quer
a bordo do Avanti – o veleiro alugado na marina da Horta, e que se viria
a revelar a embarcação certa para esta “empreitada” –, quer em terra, onde a jornada
ganhou inesperados motivos de interesse, dignos de figurar nestes registos
diários, inicialmente pensados para partilha com a família e amigos mais ou
menos próximos. Não resista, todavia, a ideia de fragmentação; os textos,
conexos, consubstanciam-se numa obra sólida e, sobretudo, muito harmoniosa. O
que se levou a publicação não se resume à simples transcrição das entradas
diárias. Houve o cuidado posterior da revisão textual, burilando-se cada uma
das entradas agora partilhadas com o público leitor.
Conquanto este represente um assunto esgotado para
muitos, tem-se revelado uma paixão perpétua para outros, havendo a reconhecer
que os Açores, embora avexados pela posição ocupada em diversos indicadores de
desenvolvimento económico e social, ocupam ainda uma posição cimeira, no que à
produção literária concerne, ainda que esta possa chegar de quadrantes
longínquos. Dentre estas novas vozes, muitas são as que têm sabido respeitar o
legado dos mais experientes, e que tão bem têm trilhado o seu caminho,
avolumando o corpo literário açoriano ou, pelo menos, o corpo literário que se
debruça sobre os Açores. Neste torna-se agora imperioso contar com esta obra de
José Pedro Castanheira que, mesmo à distância de um detalhe de naturalidade, (como
outrora Raul Brandão), se assume, com todo o mérito, como um dos expoentes que mais
enobrece a cada vez mais robusta literatura de viagens que tem os Açores como
palco.
José Pedro Castanheira é um açoriano de coração – por
ter nascido nas bandas de lá –, que, não sendo condição inferior, não
representa também motivo suficiente que o aparte dessa condição de ser
português ilhéu dos Açores. Tenhamos, pois, confiança e olhemos o futuro
literário do arquipélago com reforçado otimismo, até porque, como escreveu
recentemente um açoriano dos maiores, «O mau tempo nos Açores sempre ajudou os
inclinados às letras a despejarem os sonhos e os fígados no papel (agora no
ecrã).»
Na
obra, e para além de uma nota introdutória, em jeito de contextualização, e de
um prefácio assinado por Onésimo Teotónio Almeida, encontramos um total de dezoito
entradas sequenciais, que se configuram como outros tantos capítulos, cada um
coroado com uma espécie de sumário, o que se revela bem agradável, tal a
curiosidade que suscita. Já no final da obra, o leitor é surpreendido com um
texto adicional que, nas palavras do autor, surge «À laia de posfácio», e que,
de alguma forma, restitui justiça ao desfecho de toda esta jornada, que tão mal
poderia ter terminado! Permito-me sublinhar uma passagem do prefácio onde é
feita referência muito pertinente à Lei de Murphy, onde se recorda que,
também nesta viagem, «Se alguma coisa pode correr mal, vai correr.»
Ao longo das páginas, vão surgindo diversas imagens – sejam fotografias captadas pelos tripulantes do Avanti, sejam ilustrações, da autoria de David Casta –, que conferem um apoio muito interessante à leitura, ora transportando o leitor para os locais referenciados, ora prestando algum “amparo geográfico”, especialmente na representação inicial das diversas etapas que constituíram esta audaz jornada.
Esta
foi uma viagem planeada minuciosamente. Como antes se referiu, representa um
sonho com quarenta anos, e, depois, vítima de sucessivos adiamentos (considerando
a época pandémica), houve tempo suficiente para detalhar cada passo a dar, cada
milha a navegar; houve estudo e análise das rotas e da meteorologia, e,
acauteladas todas as possíveis vicissitudes, respirava-se uma certa dose de
confiança, sendo que os ânimos se mostravam de feição. Originalmente,
contemplava paragem em sete das nove ilhas do arquipélago, excluindo-se as do
grupo ocidental, dada a escassez de tempo: quinze dias seriam insuficientes. (Remete-nos
esta incompletude para uma outra obra de idêntico propósito, escrita por
Guilherme de Morais, Ilhas do Infante (Artes e Letras, 2019), onde
também se lamenta a ausência do escrito sobre a passagem pela ilha Terceira,
para dessa forma poder amplamente «[…] decorar o poema de beleza que existe em
cada uma, para escutar a alma que palpita em todas […].»).
Embora
com inúmeras passagens pela Região Autónoma dos Açores e, certamente, com um
profundo conhecimento acerca do mar e da meteorologia que por cá se faz sentir,
não contavam estes aventureiros com a maré de azares, más sortes e desventuras
que Éolo e demais deuses lhes tinham reservado. À semelhança do que aconteceu a
Ulisses no seu atribulado regresso a Ítaca, também nesta viagem, a Zéfiro se
impuseram outros ventos bem mais tormentosos e desagradáveis, condições
inesperadas que nem os mais potentes instrumentos de navegação conseguem
prever. Como qualquer açoriano dirá, nas ilhas ocorrem as quatro estações num
só dia, e, previsões, acredite nelas quem quiser!
Este
é um livro sobre os Açores, sobre o mar dos Açores e, por isso, e apesar das contrariedades
narradas, conserva uma frescura muito agradável, conferida, sobretudo, pelo
recurso a uma linguagem acessível, arejada, mas sempre muito cuidada. Arrisquemos,
pois, o embarque no Avanti, e acompanhemos em segurança este afoito
grupo de gente simpática e aventureira, numa expedição bem real por este naco
de mar plantado na imensidão do Atlântico.
A
todos muito obrigado!
José Pedro Castanheira, Volta Aos Açores Em Quinze
Dias, Tinta da China, setembro de 2022
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