terça-feira, 12 de abril de 2022

CONTUDO, ELA MOVE-SE… ELA, A MINORIA…

 


A publicação da revista “Atlântida” (edição LXVI), da responsabilidade do Instituto Açoriano de Cultura, assim como a chegada aos escaparates do número 5 da revista literária “Grotta”, surgida no âmbito do projeto “Arquipélago de Escritores”, foram motivos mais do que suficientes para trazer à lembrança a velhinha “Memória da água-viva”, dinamizada pelo “G.I.C.A. – Grupo de Intervenção Cultural Açoreano”, uma “revista açoreana de cultura” que tanta polémica espoletou no seio do mundo literário de então.

Por curiosidade, logo no editorial do número 0, datado de março de 1978, fazia-se referência a Galileu, citando-se a sua célebre tirada, “contudo, ela move-se…”, para se complementar, de imediato, “Ela, a minoria…”

Contornando-se quaisquer leituras políticas que possam chegar acopladas, há que reconhecer e lamentar que, tal como à data, também hoje aqueles que acreditam nestas coisas da Literatura, aqueles que ainda se deixam encantar pelas peças bonitas que se podem construir a partir das palavras representam uma ínfima minoria num oceano imenso de indiferença. É uma realidade e, por mais esforço que se faça, por mais que se trabalhe em sentido inverso, e há que reconhecer que muito se tem feito na ânsia de educar nessa vertente, os resultados tardam. É indesmentível o esforço que se faz no sentido de desenvolver nos jovens o gosto pela leitura, promovendo ao mesmo tempo o seu sentido estético e crítico; é inequívoco o dinamismo das nossas livrarias, assumindo não raras vezes o papel normalmente entregue aos centros de cultura; não olvidemos as editoras regionais que têm sido incansáveis no apoio e na promoção dos autores regionais, mais próximos do leitor; temos à disposição um Plano Regional de Leitura e uma Rede Regional de Bibliotecas Escolares que tanta diferença poderiam fazer nos hábitos dos nossos jovens alunos e leitores, houvesse nisso interesse político e fundos ajustados; existem diversas plataformas digitais que nos facilitam o acesso aos livros; temos diversas feiras do livro; recordemos os prémios literários que procuram homenagear aqueles que se fizeram maiores entre os pares. Lamentavelmente, ao nível das políticas educativas, e num arriscado relancear aos movimentos dos últimos anos, enveredou-se por caminhos sinuosos, arremessando-se milhões sobre o problema mas, quase quarenta e cinco anos após esse movimento minoritário, os indicadores educativos, culturais e sociais estão aí para quem os quiser analisar. O número que se queria aumentado, continua teimosamente num patamar menor, bastante aquém do que seria desejável numa região como os Açores.

Mas tenhamos fé. Continuemos a resistir e não esqueçamos de olhar e enaltecer aqueles que nos precederam; aqueles que, como então, continuam a remar contra a maré do alheamento e, em demonstração clara de vigor, continuam a semear, em nome de um bem maior, para além de seduzir outros a percorrer um trilho que se sabe árduo e de retorno curto.

“contudo, ela move-se…”, “Ela, a minoria…”

Move-se e tem desempenhado um trabalho assinalável. Dentre esses poucos, não há como deixar de referir os responsáveis e dinamizadores das revistas “Atlântida” e “Grotta” que, num esforço contínuo têm conseguido manter as respetivas publicações em patamares de considerável riqueza, manifestando-se no campo literário, de criação ou análise, no âmbito das Ciências Humanas ou outras. Nas edições deste ano, a aposta na vertente pictórica é também uma mais-valia considerável, sendo que, no caso da “Atlântida” vem toda engalanada com diversos trabalhos da autoria de Carlos Carreiro e, no caso da “Grotta”, se apresenta toda aperaltada com ilustrações de Pedro Evangelho Lopes.

 

Nuno Costa Santos (direção de), Grotta 5, Publiçor / Letras Lavadas Edições 2021/2022

Carlos Bessa (direção-geral), Atlântida LXVI, Instituto Açoriano de Cultura, 2021

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