Vejo-me na Praça Dr. Luís, a
chegar ao antigo edifício da Câmara Municipal e lanço-me até à janela da minha
infância: a mais baixa e mais à esquerda para quem sobe a antiga escadaria que
se ergue desde a estátua da Venerável Sílvia Cardoso.
Paro.
Varrido pela lembrança, recordo,
com nostalgia, as inumeráveis vezes que lá me dirigi em busca da figura materna que, do outro lado do vidro e por mais de três décadas, ali se
debateu pelo conforto das nossas vidas. Umas vezes, rogando-lhe moedas com
sabor a morango fresco e baunilha crocante, outras, por intuitos de somenos
importância, e de que agora não tenho memória.
Chegado ao limiar da janela, que
erradamente recordava de guilhotina, percebo que já não preciso subir ao beiral
inferior da fachada para vislumbrar o interior de toda a sala. O tempo
encarregou-se de me poupar a esse esforço. Aproximo-me e percebo, com alguma tristeza,
a madeira corroída e implacavelmente pelada pela força dos elementos. Num toque
que busca outro tempo, deslizo os dedos pela ombreira e noto que caem por terra
lascas de madeira solta e gasta, adornadas, ainda, por um verde que é escuro, salpicado
por memórias de uma infância feliz.
Sentindo os pés assentes num chão
que é o meu, perpasso a nobreza do edifício e corporizo a memória do mais
intenso contentamento: vislumbro o velhinho Carvalho de Paços! Ele, que conta
com mais de três séculos, guarda segredos e memórias para sempre caladas, e
resiste, estoicamente, ao passar do tempo.
Ao contrário dos gladíolos de
Sophia, o meu Carvalho jamais deixará de estar na moda. Dado como morto três ou
mais vezes, outras tantas foi trazido à vida pela feitiçaria mais bondosa de
que há conhecimento, e foi, em boa hora, imortalizado na heráldica pacense. Dizem que de lá do alto interpreta a “firmeza e longevidade” do meu povo.
Pois que assim seja!
Telmo R. Nunes
19 de abril de 2017
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