Uma das vantagens da fotografia será a de tomar forma de pontes que nos
permitam viajar até geografias distantes ou, mais maravilhoso ainda, viajar até
aos nossos próprios espaços e que tão bem conhecemos, mas rasgando o tempo e
mergulhando num pretérito tantas vezes surpreendente. Olhar fotografias antigas
e ver outras representações daquilo que nos pertence em tempo presente,
assumindo as várias reconfigurações sofridas até à data, revela-se um exercício
extraordinário.
É o que acontece ao folhear o livro, Laudalino da Ponte Pacheco
1963-1975, da responsabilidade de Maria Emanuel Albergaria, Margarida
Medeiros e João Leal, e brilhantemente editado pela Araucária Edições, em 2021,
num volume muito cuidado, robusto e esteticamente muito bonito.
A obra surge divida em três partes, ocupando-se cada autor com uma
vertente distinta: “O fotógrafo da Maia”, por Maria Emanuel Albergaria;
“Continuar a viver – imagens de um quotidiano açoriano (1963-1975)”, por
Margarida Medeiros; e “Os Açores dos anos 1960. As fotografias de Laudalino em
contexto”, por João Leal. Estas três vertentes ou visões mantêm em comum entre
elas o espaço. Embora também dediquem atenção a outros locais ilhéus ou não,
nacionais ou internacionais, a freguesia da Maia, no concelho da Ribeira Grande
e de origem do fotógrafo, mantem-se invariavelmente como espaço de partida (mas
também de chegadas) em toda a narrativa.
Muitas das fotografias que integram este álbum são acompanhadas por
informações adicionais, em jeito de legenda, e que se revelam muito úteis
atendendo ao valor histórico, antropológico, social e cultural que as mesmas
permitem colher. Lamenta-se que em tantas outras, essa informação tão
pertinente já se tenha perdido na névoa do esquecimento. Todavia, há que
reconhecer o notável esforço no sentido de dotar as imagens destes pequenos
apêndices tão profícuos, considerando pessoas e/ou realidades profundamente
modificadas pelo tempo.
Considerando as condições atmosféricas próprias do arquipélago (a
humidade, em particular), e sabendo do efeito que as mesmas produzem sobre este
tipo de material, é admirável e digno de registo a quantidade mas, sobretudo, a
qualidade das fotografias eternizadas neste volume, mérito, claro está, dos
conhecimentos e cuidados tidos primeiro por Laudalino da Ponte Pacheco, depois pela
família herdeira e finalmente pelos responsáveis da Santa Casa da Misericórdia
da Maia, (depositária de um espólio com cerca de 155.000 fotografias), que as souberam
e têm sabido proteger, não obstante as condições adversas em que vivemos.
Ao folhearmos as páginas deste livro, torna-se quase inevitável a eclosão
de um sentimento de empatia para com o “fotógrafo da Maia”, como era amavelmente
reconhecido Laudalino Pacheco. Descrito explicitamente como um homem dinâmico, muito
divertido e trabalhador, facilmente se infere a sua extrema perspicácia e cultura.
Hão de perdoar-me o lugar-comum, mas falamos de um homem bem à frente do seu
tempo, um visionário e uma pessoa multifacetada. Para além da dedicação à
família, às suas funções profissionais na Fábrica de Tabaco da Maia e à fotografia,
Laudalino da Ponte Pacheco apoiou militares durante a Guerra, desempenhou
funções de socorrista, foi dirigente desportivo e membro da Junta de Freguesia
da Maia. Arrendava quartos a profissionais deslocados ou a turistas, era
carpinteiro, cobrava e distribuía o Açoriano Oriental e o Correio dos
Açores. Vendia rádios e distribuía tabaco pelos estabelecimentos comerciais
da época. Era um homem curioso e sagaz: montou
na sua casa toda a instalação elétrica anos antes da eletricidade chegar à
freguesia da Maia.
A nível histórico e antropológico, este será sempre um contributo
formidável, já que nos oferece a representação pictórica detalhada de diversas
vivências culturais e sociais de um passado que, embora nos pareça muito
longínquo quer no tempo quer no espaço, a verdade é que não se passaram assim tantos
anos desde aquela realidade que ali vem documentada. Por outro lado, a evolução
das vias de comunicação permitiu encurtar distâncias, pelo que o locais
retratados ficam sempre a poucos minutos de viagem.
Esta obra deverá ser encarada como
um veículo de conhecimento atual e perpétuo da vontade e da tenacidade daqueles
inconformados que, antes de nós, mostraram querer e saber fazer mais pela sua
terra. É a prova clara de que o progresso e a alteração de comportamentos e
costumes são possíveis de forma harmoniosa e sustentável e que essa capacidade
está na evolução das próprias pessoas.
Maria Emanuel Albergaria, Margarida Medeiros, João Leal, Laudalino
da Ponte Pacheco 1963-1975, Araucária Edições, 2021
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