Começo por
congratular o Governo Regional dos Açores, a Secretaria Regional da
Educação e Cultura, assim como todas as personalidades envolvidas na
execução deste conjunto de ideias que sustentará quase todo o sistema de
ensino ao longo dos próximos anos letivos. É de realçar e de louvar,
até, a tomada de consciência de que nem tudo corre bem nas escolas
açorianas. O insucesso e abandono escolares assumem, com efeito,
proporções alarmantes no arquipélago, pelo que continuar de “olhos
fechados” para esta realidade seria já uma postura pouco sensata.
Após
a análise ao referido documento facilmente se percebe como está
idealizado: parte de estatísticas atuais e nada auspiciosas e, em
sintonia com a estratégia europeia para a educação e formação, define
metas progressivas a atingir nos anos letivos de 2020/21 e,
posteriormente, 2025/26, no que ao abandono e sucesso escolares
concerne. Para tal, são definidos três eixos de ação prioritária, a
saber: o “Foco na qualidade das aprendizagens dos alunos”, a“Promoção do
desenvolvimento profissional dos docentes” e a “Mobilização da
comunidade educativa e parceiros sociais”.
Com efeito, a criação deste ProSucesso
é reveladora das boas intenções governativas, mas vai pouco além disso
mesmo. Parece-me um documento com uma roupagem bem adornada, com
objetivos muito bem delineados, com perspetivas de sinergias múltiplas
entre pessoas e instituições mas, e carece dizê-lo, insípido no que à
forma de os alcançar diz respeito. Exceção feita a um ou outro programa
educativo isolado, e a uma ou outra medida promissora, tudo o resto me
parece perigosamente utópico e/ou a necessitar de regulamentação
urgente, para que se perceba o seu verdadeiro alcance e exequibilidade.
Analisando o eixo número um deste ProSucesso,
“Foco na qualidade das aprendizagens dos alunos”, percebe-se que o
Governo estabeleceu como prioridade a “Promoção da literacia de
leitura”, que é, indubitavelmente, algo revestido de uma enorme
importância e de inegável mais-valia ao desenvolvimento de competências
diversas. No entanto,e escrevo-o empiricamente, são muito poucos os
alunos que leem regularmente fora das salas de aula, e menos ainda os
que o fazem de forma recreativa.Creio, por isso, estarmos diante de uma
conceção utópica, faraónica, pelo menos, se temos a pretensão de
que eles comecem a ler regular e autonomamente, ao ponto de
desenvolverem de forma satisfatória a sua competência da leitura. No
dito documento vejo alusão ao programa “Ler Açores”, ao Plano Regional
de Leitura, à Rede Regional de Bibliotecas Escolares, às bibliotecas
municipais, entre outras que, sendo instituições que já existem e que
trabalham de forma séria e empenhada, deixa perceber que, no futuro
próximo, muito mais terá de ser feito sob pena dos resultados não serem
deforma nenhuma os agora expectáveis. Sugere-se, então, que se invista
claramente nesta prioridade definida para este eixo, formando mais
pessoal docente na área de biblioteca escolar, formando mais técnicos de
BAD nas bibliotecas municipais, para que, desta forma, se tornem
viáveis parcerias continuadas com as escolas, onde o livro deverá ser
levado por especialistas diretamente à sala de aula. Deve ser feito um
esforço financeiro no sentido de dotar as bibliotecas escolares com as
obras de referência ou, pelo menos, com aquelas definidas nas metas de
aprendizagem para cada um dos anos letivos. Ainda nesta linha de
pensamento, torna-se imperiosa a renovação do acervo das bibliotecas da
nossa rede escolar. Se queremos alunos motivados para a leitura,
compreenderemos que “os olhos também comem”, e uma edição antiga e, por
muitas vezes, decrépita, nunca é tão atrativa como uma atual e bem
estimada.
Relativamente à medida transversal a implementar
“Prof DA –Professores qualificados na resolução de dificuldades de
aprendizagem”, gostaria de salientar que o diagnóstico precoce de
dificuldades dos alunos deverá ser realizado sempre pelo docente que com
o aluno trabalha diariamente, e não por um técnico a formar. Relembro,
ainda, que as Unidades Orgânicas possuem professores de apoio, assim
como docentes que integram os Núcleos de Educação Especial, muitos com
formação específica nestas áreas de intervenção, pelo que, formar
outros, parece-me um gasto acrescido e despropositado de recursos, numa
altura em que os mesmos escasseiam. Assim, e sentindo-se essa
necessidade, os docentes de apoio, em estreita ligação com o Serviço de
Psicologia e Orientação– SPO, deveriam ficar incumbidos dessa
intervenção precoce junto do alunos,após o diagnóstico efetuado pelo
docente titular.
Enquadrado neste primeiro eixo, os autores partem da premissa de que “As
dificuldades de aprendizagem conduzem(…) ao insucesso escolar, à
retenção e ao consequente (…) desinteresse por parte dos alunos com
desempenhos mais fracos, com o risco de posterior abandono escolar (…) ”, para se concluir que “a retenção per se
não é uma estratégia efetiva de intervenção no sentido de melhorar os
resultados (…) a retenção não aparenta beneficiar os alunos a nível
académico”. Neste sentido, sugere o documento que a retenção seja
utilizada apenas em casos extremos. Ao contrário do que se afirma, a
retenção pode e deve funcionar como agente dissuasor de comportamentos
de risco, como sejam a falta de estudo e/ou comportamentos desviantes
dos ditos regulares. Um discente terá de ter sempre presente que, se não
cumprir com as suas obrigações, correrá o risco de ficar retido. Não
esqueçamos nunca que a função da escola não se esgota na mera
transmissão de conteúdos; nela o aluno deverá encontrar mecanismos que
possibilitem a sua formação enquanto cidadão cumpridor e responsável,
integrado numa sociedade onde terá de assumir todas as consequências dos
seus atos. Por conseguinte,refuto por completo o programa “apoio mais –
retenção zero”, proposto pelo documento no rol de projetos específicos.
Por
sua vez, o “Programa Fénix - Açores”, não sendo uma novidade, dizem-me
ser uma excelente iniciativa, que deveria ser alargada a toda a rede
escolar da Região.
De todos os outros projetos e/ou medidas
delineados, saliento os “Mediar – mediação e tutoria”, uma vez que
carecem de muitas explicações adicionais, assim como de regulamentação,
pelo que não tecerei quaisquer comentários.
Infelizmente neste
eixo foi descurado o que realmente me parece essencial em todo este
processo. Criam-se programas, inventam-se percursos alternativos,
facilita-se a permeabilidade entre cursos de nível secundário, entre
outros. É insuficiente, para não dizer completamente enganador.Há, pelo
contrário, que reduzir as turmas, manter o chamado “Crédito Horário”. Há
que criar nas escolas oficinas de estudo e apoios escolares extra
matriz curricular, isto é, “aulas de apoio” que funcionem além do
horário normal dos alunos e às quais estes tenham de assistir
obrigatoriamente. Se um aluno se encontra com dificuldades, que se
esperam ser transitórias, parece-me lógico que seja ele a envidar os
maiores esforços no sentido de ultrapassar essas lacunas. Passagens de
ano falaciosas, mudanças de curso, participação em ações de promoção da
leitura, não serão suficientes se não houver esforço por parte do
discente.
No que se refere ao segundo eixo que sustenta todo este
documento, e que se relaciona diretamente com a vertente profissional
dos docentes, comecemos por colocar em evidência a prometida
desburocratização de procedimentos, para que os professores tivessem
mais tempo para o que realmente era importante: a planificação e
lecionação das aulas. Não será assim, por certo!
Efetuando
uma leitura mais atenta a este eixo, deparamos comum texto pejado de
belas citações e lugares-comuns, mas que em nada justificam as medidas
que agora se pretendem implementar. “(…) nada substitui um bom professor (…) um bom professor serve,essencialmente, para ensinar quem não quer aprender”, ou “É importante que as famílias e a sociedade assumam as suas responsabilidades (…)”,
lê-se no início deste capítulo. De que forma irão as famílias assumir
tais responsabilidades? Por sua iniciativa,está provado que não
cooperarão, e a questão das coimas foi retirada do Estatuto do Aluno em
2013…
Tenhamos presente que este ProSucesso
surge fruto dos maus resultados escolares dos ALUNOS, e que estes
derivam da efetiva desresponsabilização dos PAIS e encarregados de
educação, no processo de ensino dos seus educandos mas, segundo a SREC,
os principais atores desta mudança terão de ser os professores. Aos
alunos pede-se apenas para que leiam mais. Aos pais que se empenhem na
elaboração colaborativa do Plano de Promoção do Sucesso da Unidade
Orgânica dos seus filhos!
É certo que formação
contínua de qualidade sempre foi um desígnio da profissão, e muito bem;
os professores terão se manter atualizados, mas para tal não é
necessário qualquer tipo de “supervisão pedagógica” ou “acompanhamento científico”. Quem
teve o pleno direito de supervisionar os docentes fê-lo a seu devido
tempo e nas instituições devidas! Ainda a este propósito, note-se que
esta supervisão e acompanhamento serão tanto mais intensos quanto menos
satisfatórios forem os resultados dos alunos! Por outras palavras, o
aluno não estuda, obtém classificações negativas, não fica retido mas,
por sua vez, é o seu professor que terá supervisão e acompanhamento
científico! Englobe-se, também, nesta grande falácia a formação a
ministrar aos próprios Conselhos Executivos, aos Psicólogos escolares,
aos professores bibliotecários, entre outros, e percebamos o risível da
situação.
Pretende a equipa promotora deste ProSucesso
que os docentes laborem em parceria; apela-se ao trabalho colaborativo.
Tanto quanto sei, e atentando às realidades que conheço, sempre o
fizeram. Uma reunião formal, um intervalo, “um furo”, um telefonema ou,
mais recentemente, um e-mail, sempre funcionaram como meios para
“afinar”estratégias conjuntas. Aliás, houve mesmo Conselhos Executivos
que envidaram esforços no sentido de construir horários de professores
com horas coincidentes, para que estes pudessem efetuar o seu trabalho
em conjunto. Há até registo de escolas que conseguiam reunir todo o
Departamento Curricular à mesma hora, pelo que o trabalho em parceria
estava salvaguardado. Contudo, a tutela, com base na gestão do horário
de trabalho no que à componente não letiva diz respeito, decretou que
essas horas não seriam cumpridas na escola, deitando por terra todo o
esforço que fora efetuado. Então, por que não coordenar os horários dos
docentes para que estes se encontrem semanalmente e possam realizar todo
o trabalho colaborativo necessário? Certamente será uma medida muito
mais abrangente, profícua e considerada do que aquela encontrada pela
SREC que pretende que se eleja um docente que coordene todo o processo a
nível pedagógico, nomeadamente nas disciplinas de Português e
Matemática. Acrescento, a este propósito, que repudio veemente a
observação de aulas por parte deste colega eleito; não creio que traga
qualquer mais-valia ao processo de ensino aprendizagem dos alunos. Será
mais um fator de perturbação adicional, para além de conduzir a uma
“perda de autoridade” pedagógica/científica do docente titular, aos
olhos dos alunos.
Enquadrada neste eixo, e numa ótica de
trabalho colaborativo, por que não assumir generalizadamente o que já
algumas Unidades Orgânicas adotaram: renunciar em larga medida às horas
de substituição nos horários de alguns docentes, e canalizá-las para o
apoio às turmas com mais necessidades? Naquelas disciplinas onde os
alunos evidenciassem maior insucesso, a escola teria o cuidado de
disponibilizar um docente da área para apoio direto à turma, ou até
mesmo a um grupo de alunos. Não é inédito, é exequível e, em muitos
casos,vantajoso.
Mesmo antes de me referir sumariamente ao
terceiro e último pilar deste documento, realço uma frase que constado
eixo em análise: “Os alunos da segunda década do século XXI são muito diferentes daqueles para que a maior parte dos nossos docentes se preparou
(…)”. Não posso aceitar esta ideia tão errada quanto redutora. É desta
forma (demasiado perigosa) que se criam na opinião pública ideias
completamente desfasadas da realidade. Qualquer pessoa menos informada
ao ler o que acima fica transcrito, facilmente retém a ideia de que o
corpo docente é constituído por uns “velhos acabados” que não são
capazes de ensinar “as pobres crianças que, coitadinhas, estão cheias de
negativas”. Há inúmeros professores com muitos anos de serviço que têm
na turma X 100% de sucesso educativo consolidado e, na turma Y, 50 a 70%
de negativas. Não é necessária qualquer interpretação mais aprofundada
para facilmente se perceber quem são os responsáveis pelo insucesso.
Senão veja-se: a docente é a mesma para ambas as turmas, a sua formação
inicial é a mesma para as duas, a sua formação complementar/contínua é a
mesma para uns e outros alunos, a capacidade de recurso a estratégias
diversificadas é a mesma, os recursos disponíveis são os mesmos, visto
tratarem-se de duas turmas da mesma escola. Logo, a responsabilidade
maior não é da docente “velhinha”, é dos alunos da turma Y que, de forma
honesta, confessam que não gostam da escola, que não estudam, nem
querem saber daquilo para nada…
No que se refere à
mobilização da comunidade educativa e parceiros sociais, nasce um novo
paradigma – “escola em parceria”. Teoricamente, parece-me uma ideia
bastante inovadora e até promissora. No entanto, não tenho quaisquer
dúvidas de que, dos três eixos, este é o menos exequível; não consigo
perspetivar uma colaboração estreita entre família, escola e parceiros
sociais. Afirmo isto sem qualquer dúvida ou receio de me equivocar; se
até à data e de uma forma mais ou menos generalizada, os pais e
encarregados de educação dos alunos imbuídos em insucessos educativos
voltaram as costas ao processo de aprendizagem dos seus filhos, por que
razão o iriam fazer agora, e até de forma mais profunda, participando
ativamente, responsabilizando-se pela realização do Plano de Promoção do
Sucesso. Simplesmente não creio. Ainda assim, e numa lógica que agora
se generaliza, a sociedade é trazida à tomada de decisões e essa
pluralidade poderá ser benéfica. No entanto, não se olvide nunca que, a
cada final de Ciclo, os alunos terão de passar por “um crivo” que
continuará a ser igual para todos, sejam açorianos, continentais ou
madeirenses. Neste contexto, parecem-me muito bem as ações programadas
junto dos pais e encarregados de educação, a colaboração com as
associações e organizações da comunidade, o incitamento ao retomar das
associações de pais nas escolas, os panfletos de sensibilização, assim
como todas as sinergias explanadas entre a SREC e as demais Direções
Regionais elencadas. Aqui sublinhava a importância da Direção Regional
do Emprego e Qualificação Profissional. Visto que há uma vontade
eminente por parte da tutela em criar bolsas de professores, que seja
criada uma denominada, Bolsa de Professores Explicadores. Esta seria
composta por docentes em situação de desemprego que, automaticamente,
sairiam das listas da Agência de Emprego e Qualificação Profissional (o
que me parece positivo para o próprio Governo), e colocados a trabalhar
nas escolas, mas diretamente nas Juntas de Freguesia, prestando apoio
educativo aos alunos, nas instalações das próprias autarquias, em
horário pós-laboral. Todos nos recordamos do ensino noturno, por
exemplo. O docente pertence aos quadros da escola, mas leciona ao fim do
dia, nas Juntas de Freguesia. Beneficiavam os alunos, os docentes
desempregados, assim como o Governo que conseguia, desta forma, diminuir
o número de desempregados na Região e elevar a taxa de sucesso escolar.
Em suma, e após análise aprofundada à informação tornada pública através do documento ProSucesso,
o sentimento que me trespassa é, sem dúvida, a desilusão. Tendo em
conta que decorre ainda uma discussão pública, oxalá não se perca aqui
uma oportunidade notável de se valorizar a Escola. Os números que se
referem ao insucesso e abandono escolares são, com efeito, assustadores,
mas as medidas lá explanadas não irão,de forma nenhuma, atenuar este
flagelo.
A génese deste massivo imbróglio em que a
Região está inserida não está bem identificada. O problema não reside na
docência, não está nos professores, nem nos conselhos executivos das
nossas Unidades Orgânicas, como nos quer fazer crer este ProSucesso; as
medidas a adotar não podem ser em função dos docentes e da sua atuação,
simplesmente porque não são eles que desempenham mal a sua função; o
foco deveria estar no aluno. Não devem ser os professores os penalizados
pelo facto da maioria dos pais não saber desempenhar as funções de
encarregado de educação, assim como também não devem ser os professores
os atingidos pelo facto dos alunos serem cada vez mais desleixados,
preguiçosos,mal-educados e, por muitas vezes, absentistas.
É
consensual que os nossos alunos deixaram simplesmente de estudar, e
deixaram de o fazer porque nada lhes acontece. Os pais não se impõem,
não os obrigam a estudar, perdeu-se o culto do estudo, o hábito
de“perguntar a matéria”. A postura da maioria dos pais é de desleixo:
“eu não aprendi isso, não o consigo ajudar”, nem é preciso! Para ensinar
lá estão os professores. No entanto, é necessário mostrar-se
interessado, questionar,inspecionar a mochila e os cadernos; é essencial
deslocar-se à escola com regularidade; é imperioso defender a escola…Se
estas práticas não tivessem sido descuradas durante anos, se os pais
educassem condignamente os seus filhos,estaríamos hoje a discutir
publicamente este ProSucesso?
Então, não penalizem os professores!
Telmo R. Nunes
Maio, 2015
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