Numa recente entrevista (Correio dos Açores, 16.10.22),
elencava Eduíno de Jesus, notável poeta e professor, alguns traços que
sustentarão a ideia da existência de uma literatura açoriana, incluída na
portuguesa, mas, necessariamente, diferente desta. Referia ser necessário
encontrar algo que a distinguisse e lhe desse matéria própria, diferenciando-a
de todas as outras. Animava o pensamento, com a questão da “historiabilidade”
de “um conjunto de obras de um determinado local”, o que significará que, para nos
referirmos a uma literatura açoriana, tornar-se-ia imperioso alicerçar o
pensamento num corpo de obras literárias originais, que houvesse prevalecido ao
longo do tempo e que se encontrasse munido de determinadas características.
Confesso que apreciei esta ideia da “historiabilidade”, como
condição à existência de uma literatura açoriana, mormente porque nos implica
na sua própria definição, levando-nos a cumprir a nossa parte e, dessa forma,
prevenindo a abertura de brechas na história que está por vir, e por onde
pudessem medrar possíveis hiatos, que redundassem em confusões desnecessárias.
Conquanto este represente um assunto esgotado para muitos, tem-se
revelado uma paixão perpétua para outros, havendo a reconhecer que os Açores,
embora avexados pela posição ocupada em diversos indicadores de desenvolvimento
económico e social, ocupam uma posição cimeira, no que à produção literária
concerne. Destes, muitos representarão as novas vozes que têm sabido respeitar
o legado dos mais experientes, e que tão bem têm trilhado o seu caminho,
avolumando o corpo literário açórico e perpetuando as tais características
consideradas por Eduíno de Jesus como indispensáveis à eternização da
literatura açoriana. Tenhamos, pois, confiança e olhemos o futuro literário do
arquipélago com reforçado otimismo, até porque, como escreveu recentemente um
açoriano dos maiores, “O mau tempo nos Açores sempre ajudou os inclinados às
letras a despejarem os sonhos e os fígados no papel (agora no ecrã)”.
Uma dessas vozes pertence ao escritor terceirense Diogo
Ourique. Reconhecido por muitos pela sua colaboração na revista literária Grotta,
é também o autor do romance Tirem-me Deste Livro, publicado pela Letras Lavadas
edições, em 2019. Com efeito, Diogo Ourique tem revelado grande versatilidade, abalançando-se,
ao longo dos últimos anos, por diferentes géneros literários. A par do romance,
das crónicas, do conto, do texto humorístico ou da epistolografia, o escritor surpreende-nos
agora com a sua primeira incursão pelo mundo da literatura infantojuvenil, e
apresenta-nos este Ainda Não É Bem Isto, um texto muito interessante,
pedagogicamente rico, ajaezado com recurso à rima e narrando a história de um
petiz que procura, pela experimentação, decidir que instrumento escolher para
integrar as fileiras da filarmónica do seu coração: a Sociedade Filarmónica
Espírito Santo da Agualva, curiosamente, a mesma que integra o autor, e que lhe
lançou o desafio de escrever este texto, por forma a comemorar o centésimo
aniversário da instituição. Com desenhos de Abel Mendonça e pintura da
responsabilidade das crianças que integram o CATL da Agualva, este livro
integrará com todo o mérito o “conjunto de obras de um determinado local”, não apenas
pelo seu carácter pedagógico, mas também, e sobretudo, por se encontrar munido
das tais características distintivas e que convêm valorizar. O resto,
encarregar-se-á a história de confirmar!
Diogo Ourique, Ainda Não É Bem Isto, Sociedade Filarmónica
Espírito Santo da Agualva, 2022
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