quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Ainda Não É Bem Isto

 


Numa recente entrevista (Correio dos Açores, 16.10.22), elencava Eduíno de Jesus, notável poeta e professor, alguns traços que sustentarão a ideia da existência de uma literatura açoriana, incluída na portuguesa, mas, necessariamente, diferente desta. Referia ser necessário encontrar algo que a distinguisse e lhe desse matéria própria, diferenciando-a de todas as outras. Animava o pensamento, com a questão da “historiabilidade” de “um conjunto de obras de um determinado local”, o que significará que, para nos referirmos a uma literatura açoriana, tornar-se-ia imperioso alicerçar o pensamento num corpo de obras literárias originais, que houvesse prevalecido ao longo do tempo e que se encontrasse munido de determinadas características.

Confesso que apreciei esta ideia da “historiabilidade”, como condição à existência de uma literatura açoriana, mormente porque nos implica na sua própria definição, levando-nos a cumprir a nossa parte e, dessa forma, prevenindo a abertura de brechas na história que está por vir, e por onde pudessem medrar possíveis hiatos, que redundassem em confusões desnecessárias.

Conquanto este represente um assunto esgotado para muitos, tem-se revelado uma paixão perpétua para outros, havendo a reconhecer que os Açores, embora avexados pela posição ocupada em diversos indicadores de desenvolvimento económico e social, ocupam uma posição cimeira, no que à produção literária concerne. Destes, muitos representarão as novas vozes que têm sabido respeitar o legado dos mais experientes, e que tão bem têm trilhado o seu caminho, avolumando o corpo literário açórico e perpetuando as tais características consideradas por Eduíno de Jesus como indispensáveis à eternização da literatura açoriana. Tenhamos, pois, confiança e olhemos o futuro literário do arquipélago com reforçado otimismo, até porque, como escreveu recentemente um açoriano dos maiores, “O mau tempo nos Açores sempre ajudou os inclinados às letras a despejarem os sonhos e os fígados no papel (agora no ecrã)”.

Uma dessas vozes pertence ao escritor terceirense Diogo Ourique. Reconhecido por muitos pela sua colaboração na revista literária Grotta, é também o autor do romance Tirem-me Deste Livro, publicado pela Letras Lavadas edições, em 2019. Com efeito, Diogo Ourique tem revelado grande versatilidade, abalançando-se, ao longo dos últimos anos, por diferentes géneros literários. A par do romance, das crónicas, do conto, do texto humorístico ou da epistolografia, o escritor surpreende-nos agora com a sua primeira incursão pelo mundo da literatura infantojuvenil, e apresenta-nos este Ainda Não É Bem Isto, um texto muito interessante, pedagogicamente rico, ajaezado com recurso à rima e narrando a história de um petiz que procura, pela experimentação, decidir que instrumento escolher para integrar as fileiras da filarmónica do seu coração: a Sociedade Filarmónica Espírito Santo da Agualva, curiosamente, a mesma que integra o autor, e que lhe lançou o desafio de escrever este texto, por forma a comemorar o centésimo aniversário da instituição. Com desenhos de Abel Mendonça e pintura da responsabilidade das crianças que integram o CATL da Agualva, este livro integrará com todo o mérito o “conjunto de obras de um determinado local”, não apenas pelo seu carácter pedagógico, mas também, e sobretudo, por se encontrar munido das tais características distintivas e que convêm valorizar. O resto, encarregar-se-á a história de confirmar!

Diogo Ourique, Ainda Não É Bem Isto, Sociedade Filarmónica Espírito Santo da Agualva, 2022


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