A obra O Carcereiro da Vila e Outras Estórias, da autoria do ‘Mestre’ Tomaz de Borba Vieira
surgiu-me quase por um acaso. Aliás, será por esse feliz acaso que agora se dá
este caso mas, previno, ao contrário do enunciado na obra, onde a narradora
inicial seria “(…) trôpega na idade, mas ágil na arte de dizer.”, aqui encontrarão um trôpego, não pelos
anos que carrega, mas antes em virtudes, especialmente as literárias que lhe
escapam mais do que desejaria, pelo que faltar-lhe-ão, com toda a certeza, palavras
suficientemente ajustadas ao comentário que agora é encetado.

Além das temáticas, o autor destaca-se
também na minúcia do detalhe conseguindo, assim, sobrelevar o texto a um
realismo que diria, quase sensorial. Em Bus
Stop, por exemplo, – narrativa
dedicada a Daniel de Sá – o personagem, a quem se chama apenas o homem, “porque
não interessa o nome dele” “(…) viajava
de tal maneira apertado que não precisava procurar apoio para se equilibrar
(…)”, assim como os “sons [que] voavam em todos os sentidos, rente às orelhas
(…)”. Desta forma, torna-se praticamente impossível ao leitor fugir ao incómodo,
ao aperto ou ao barulho; Tomaz consegue com uma perícia indizível transportá-lo
para dentro da narrativa e transformá-lo num dos passageiros daquele autocarro
pejado de gente, trespassado por sons e povoado por cheiros, maus cheiros,
arrisco…
Ainda a propósito desta
narrativa, torna-se interessante salientar o recurso do autor a uma técnica de
escrita muito pouco frequente, mas utilizada com um brilhantismo soberbo. A
determinada altura, o protagonista – o homem – “(…) decidiu, sem mais
desculpas, abandonar [a] estória. (…) [desistiu] de continuar em cena (…)” e,
num ápice, cedeu o seu lugar ao narrador que o desempenhou até à conclusão da
narrativa. Uma transição curiosa, geradora de uma perturbação quase
inexplicável…
O
Carcereiro da Vila é ainda e também
um espaço de declarada e acérrima recriminação política e ideológica. Quer na
narrativa que empresta título ao livro, quer em Noites de Moscovo são criticadas com crueza (e com um refinado
humor, diga-se) não apenas a ditadura salazarista, como também a incompetência
das instituições que a serviam. Colocam-se em evidência as agruras e
represálias impostas à pessoa que, de certa forma, se afastasse dos cânones
impostos, o que a transformava em “inimigo do Estado (…) que convinha ser
mantida debaixo d’olho.”, ou “O facto
de a polícia estar convencida fosse lá do que fosse, era igual a estarem
confirmadas todas as provas disso mesmo…”.
Além
de toda a riqueza temática e textual, há que evidenciar, ainda, a qualidade das
ilustrações realizadas pelo próprio Tomaz Borba Vieira. Neste território tão
distinto da arte, dá-se o infeliz acaso de pouco poder explanar, já que, embora
seja admirador confesso, o meu conhecimento é manifestamente curto para o poder
fazer com alguma segurança. No entanto, devo dizer que foi um verdadeiro gáudio
poder folhear o livro e perceber na imagem a interpretação feita a partir do
texto, o que revela, no mínimo, uma perícia ímpar por parte do ilustrador, já
que é também isso que se espera de uma boa ilustração textual.
Por tudo quanto fica
supradito, ainda bem que, por acaso, se deu o caso de me encontrar com O Carcereiro da Vila; foi, deveras, um
acaso muito bem-vindo.
Vale a pena ler autores
açorianos!
Telmo Rodrigo Nunes
a 12 de setembro de 2014